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Abrir Conta Agora →Na opinião da filósofa alemã-estadunidense Hannah Arendt, toda ação humana (entendida como interação social) é política. Longe de mim querer fazer desta coluna um ensaio filosófico, mas acredito que observar alguns aspectos políticos pode ajudar a entender melhor um país. Por isso, apesar de ainda não votar por aqui, eu tenho acompanhado com interesse o funcionamento das eleições da Espanha.
Do voto em papel à bagunça das datas, há muitas diferenças entre as eleições daqui e as brasileiras, além de várias peculiaridades interessantes. Confira a seguir.
Índice do artigo
– E aí, você vai votar?
Desde que cheguei na Espanha, eu já vi eleições municipais, autonômicas e gerais. Antes de qualquer uma delas, nos encontros de familiares e amigos, é muito comum que as pessoas se perguntem: “E aí, você vai votar?” Isso porque nas eleições espanholas ninguém é obrigado a votar.
Quando eu conto que todos os brasileiros são obrigados a votar ou, pelo menos, justificar, o espanto é geral. “Mas isso não é nada democrático“, costumam dizer.
Confesso que, nessas ocasiões, eu acabo sempre sem resposta. Penso nos índices de abstenção, mas não chego a uma conclusão. E depois me pego sempre refletindo: é democrático obrigar a todos a votar?
Outro ponto que faz o processo eleitoral na Espanha ser (digamos) “mais democrático” é a possibilidade de votar pelo Correio. Basta enviar o voto por Correio certificado até três dias antes das eleições.
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Cotar Agora →Mas é claro que isso só é possível porque na Espanha o voto ainda é feito em papel. Vamos falar mais sobre isso.
Do ponto de vista ambiental, o processo eleitoral espanhol não é nada sustentável. A saga dos papeizinhos começa com o título de eleitor. Antes de cada eleição, a Oficina do Censo Eleitoral envia para cada eleitor pelo Correio um título eleitoral (em papel) com os dados atualizados.
Aí a gente tenta abrir a caixa de correio e está lotada, já não cabe nem um alfinete. Porque, além disso, cada partido envia a cada eleitor um “flyer” de propaganda política e um ou mais envelopes que já vêm com os candidatos marcados.
Você pode levar um desses envelopes para colocar diretamente na urna no dia de votar. Ainda assim, nos colégios eleitorais, também há vários envelopes e papéis a disposição para quem quer se dar ao trabalho de preenchê-los. Haja papel!
As eleições da Espanha – tanto as gerais, quanto as autonômicas e as municipais – ocorrem a cada quatro anos. Até aí, tudo bem. Só que há vários poréns.
As eleições gerais, por exemplo, podem ser antecipadas pelo presidente do governo. Para ter uma ideia, faz uns dias, o candidato que venceu a última eleição (mas não foi eleito) ofereceu ao seu adversário a possibilidade de governar por dois anos e convocar novas eleições.
A tentativa de negociação não deu frutos. Mas deixou bem visível essa possibilidade de alteração do calendário eleitoral feita ao bel-prazer dos candidatos.
As eleições autonômicas, por sua vez, que seriam mais ou menos, como as estaduais, nem sempre coincidem entre si. Das 19 autonomias espanholas, 13 tiveram eleições este ano. As demais terão eleições entre 2024 e 2026. Em 17 delas, esse pleito coincide com o municipal. Em outras, não há uma data fixa.
Se tem um ponto que eu considero admirável das eleições espanholas é a tentativa de aplicar a igualdade de gênero. Isso porque a lei eleitoral da Espanha exige que o conjunto de candidatos apresentados por cada partido tenha uma composição equilibrada entre homens e mulheres.
A ideia é que nenhum dos sexos ocupe mais de 60% nem menos de 40% das cadeiras do Congresso. Atualmente, há 56,3% de homens e 43,7% de mulheres.
Outra questão muito peculiar do sistema político espanhol é a quantidade de partidos políticos. São mais de 4.500 em todo o país. Isso porque para fundar um partido, a condição básica é ser espanhol e ter, pelo menos, dois apoiadores (sim, só 2 pessoas). E não há obrigatoriedade de apresentar-se às eleições.
Claro que existem alguns partidos com maior representatividade nacional, como o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE). Ao mesmo tempo, também existem aqueles que são específicos de algumas comunidades autônomas. É o caso, por exemplo, da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) e do Euskal Herria Bildu (EH Bildu, do País Vasco).
Enquanto isso, há alguns que, provavelmente, só os apoiadores conhecem.
Lembra que eu falei que os espanhóis se consideram “mais democráticos” porque não se obriga ninguém a votar? Pois é. Mas tem outros pontos envolvidos nessa questão democrática.
Um deles é o voto partidário, que é a forma como se elegem os deputados. Ou seja, nas eleições para deputados, os eleitores não votam em candidatos específicos, mas sim em partidos políticos.
Antes da votação, os partidos já anunciam seus representantes. Mas o eleitor vota no conjunto, no grupo partidário.
Diferente dos deputados, para senadores é possível escolher candidatos específicos, inclusive de diferentes partidos. O grande X da questão, neste caso, é que nem todos os senadores são eleitos pela população.
Além dos senadores de eleição direta, há também os senadores designados pelas comunidades autônomas. Nesse caso, é a Assembleia Legislativa de cada comunidade que escolhe um determinado número de senadores, de acordo com sua população.
Não é só no caso dos senadores designados que a nomeação ao cargo é indireta. Os alcaldes (prefeitos), os presidentes autonômicos (mais ou menos como governadores) e o presidente do governo também são eleitos indiretamente.
São os concejales (vereadores) e deputados que, após a formação das Câmaras e Assembleias, realizam a votação para a investidura dos candidatos nesses cargos.
No caso do presidente do governo, após as eleições gerais, o rei consulta os grupos políticos com representação no Congresso e propõe um candidato. São os deputados que decidem “dar sua confiança” (ou não) para elegê-lo.
Outra particularidade das eleições da Espanha é que, em alguns casos, alguns estrangeiros também podem votar. Isso se aplica especificamente às eleições municipais e às eleições europeias.
Os estrangeiros residentes na Espanha que são cidadãos da União Europeia ou são nacionais de algum país com acordo de reciprocidade de voto com a Espanha podem inscrever-se no Censo Eleitoral espanhol para exercer esse direito.
Diante de todas essas diferenças e peculiaridades, a que conclusões podemos chegar? Afinal, o que as eleições da Espanha nos dizem sobre o país? Para mim, há alguns pontos sobre os quais vale a pena refletir.
Em relação à democracia, confesso que vejo com certa desconfiança a eleição indireta de prefeitos, governadores e presidente. Por outro lado, acho bem democrático que todos possam criar um partido político de forma relativamente simples, apesar de isso gerar uma quantidade excessiva de partidos (e muitos sem representatividade).
De todo modo, ainda não tenho uma opinião formada sobre o fato de ninguém ser obrigado a votar. Você acha que assim o processo é mais democrático?
Outra questão relevante é a da sustentabilidade. Alguns fatores como o transporte público de qualidade e a criação de algumas zonas de baixa emissão fazem a Espanha sair na frente. Porém, o uso excessivo do papel no processo eleitoral acaba, na minha opinião, contradizendo esse esforço, ao menos em parte.
Ao mesmo tempo, existe também a questão das datas. Acredito que a falta de coincidência, quando se trata das eleições autonômicas, só reforça a ideia de autonomia. Mas quando falamos das eleições gerais, das possíveis alterações de calendário e das comunidades sem data fixa, acho que há certa desordem.
Por outro lado, está a tentativa de igualdade de gênero, que é muito positiva na minha opinião.
Ou seja, como tudo na vida, as eleições da Espanha também têm seus pontos positivos e negativos, seus prós e contras. Concorda? Discorda? Fica aberta a votação.
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