Portugal

Brasileiros em Portugal precisam lidar com a “xenofobia recreativa”

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A xenofobia recreativa em Portugal é sentida diariamente por brasileiros e outros imigrantes, seja nas ruas, nos trabalhos, nas escolas e até nas universidades — onde, em teoria, deveria ter um grau superior de educação e instrução.

Pouca são as ações práticas implementadas pelas autoridades, sendo assim, muitos brasileiros têm tentado fazer um trabalho de conscientização com os portugueses que cruzam o seu caminho cheios piadas prontas, mas o assunto não é uma brincadeira.

“Estou a brincar”, é sempre essa desculpa!

Era um dia chuvoso, típico do outono em Portugal. Chego no endereço indicado para a entrevista, 10 minutos antes do combinado. O local é pequeno, apertado e um pouco caótico, com computadores datados, papéis amontoados, microfones, monitores antigos e um emaranhado de cabos.

Numa das paredes, quadros informam sobre as próximas pautas em meio a muito mofo e uma bandeira de Portugal pendurada. Depois de um tempo de espera, sou chamado para outra sala, onde estão dois portugueses que vão me entrevistar para a vaga de emprego.

O papo durou cerca de uma hora. Foi solicitado que eu fizesse um pequeno teste de texto. Recebi elogios, não só pelo currículo, mas também pelo meu estilo de escrita. Contudo, foi um comentário, num momento mais informal da entrevista, que me motivou a escrever esta coluna.

Um dos recrutadores, um jornalista na casa dos 70 anos, de cabelos brancos, roupas formais, exalando uma colônia adocicada e nitidamente com muita vivência na área de jornalismo, diz:

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“Cá entre nós, vou falar uma coisa, não me entenda mal. Você é muito diferente dos outros brasileiros que estão em Portugal. A maioria que está cá é mal-educada, não tem modos e não sabe se portar, estás a entender? Você é uma raridade entre os zucas que aqui estão”.

É por isso que precisamos conversar sobre o que tenho chamado de “xenofobia recreativa”, aquela que parece uma brincadeira ou até um comentário informal e descontraído, mas carrega preconceito. E quando o português nota um desconforto, solta o famoso “estou a brincar”.

Xenofobia recreativa é uma questão antiga

A normalização da xenofobia em Portugal é um fato curioso, uma vez que estamos falando de uma nação que praticamente inaugurou a palavra emigração. Durante as décadas de 1950, 1960 e 1970 portugueses se espalharam pelo mundo de forma maciça, indo principalmente para o Brasil. Isso sem falar na época dos ditos “descobrimentos”, com muitas aspas.

A questão central da atual onda de ódio em Portugal é a total falta de atitudes práticas das autoridades no combate ao problema. A onda cresce na medida em que o país enfrenta uma crise política e econômica, com o custo de vida aumentando gradativamente.

Culpar os imigrantes é uma retórica antiga e repetida em outros países ao redor do mundo. Esse caldeirão de erros leva a situações extremas de intolerância.

Acho que vale aqui ressaltar que a palavra xenofobia tem origem grega. Significa aversão, rejeição a pessoas ou coisas estrangeiras, medo ou antipatia pelo que é incomum ou estranho ao seu ambiente.

Tudo o que é novo pode gerar desconfiança. Muitas vezes gerações mais antigas, cheias de manias e convicções, têm dificuldade de aceitar qualquer elemento diferente, que cause algum tipo de desconforto. E, ao invés de tentar assimilar as diferenças culturais, a primeira atitude é discriminar.

Xenofobia é crime em Portugal

O mais importante a ter em mente é que trata-se de um crime. O Código Penal Português prevê, em seu artigo 240, a punição com pena de prisão de seis meses a 8 anos, relativamente aos crimes de discriminação e incitação ao ódio e à violência.

A nota triste é que raros são os casos de condenação penal por esses delitos em Portugal. Ou seja, após ganhar repercussão na mídia, supostamente fica tudo por isso mesmo.

Denúncias crescem e brasileiros sentem a xenofobia na pele

Os números recentes de xenofobia são assustadores. As denúncias cresceram 505% nos últimos anos, segundo balanço da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR). E estamos falando de um país inserido na Europa, que já viveu por anos os horrores do nazismo.

O brasileiro Eduardo Santana foi uma dessas vítimas de xenofobia nos últimos anos. Ele fez o ensino secundário em Portugal. Na escola, vivenciou situações de “xenofobia recreativa” com brincadeiras de duplo sentido, olhares de desaprovação e comentários desagradáveis.

Eduardo Santana já sofreu com a xenofobia recreativa dentro da escola e do trabalho. Imagem de arquivo pessoal.

Mais tarde, quando começou a trabalhar numa fábrica, acabou passando por uma experiência ainda mais dolorosa:

“Meu chefe me insultou abertamente na frente de várias pessoas, me chamando de ‘anormal’ e ‘burro’, enquanto eu martelava um sapato. De forma muito pejorativa, lembrava que eu era brasileiro.

O sentimento no momento foi de incapacidade. Eu realmente achei que era o culpado, me achei incompetente e menor. Depois notei que há várias maneiras de falar, sem grosseria e xenofobia.”

A facilidade nas regras de imigração em Portugal incentiva muitos brasileiros a arriscar sua vida cruzando o oceano Atlântico. De acordo com dados do extinto SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), somos quase 400 mil num país de cerca de 10,4 milhões de habitantes. E isso sem considerar os que estão sem documentos ou com dupla cidadania.

A discriminação disfarçada através de piadas ao longo do tempo dá lugar a preconceitos explícitos e declarados. Por exemplo: há vagas de emprego que restringem a inscrição somente para quem possui nacionalidade portuguesa ou que fale o português de Portugal.

No fundo, o intuito não é defender o “português de raça”, como disse uma mulher portuguesa para uma brasileira, dia desses no aeroporto do Porto, que viralizou nas redes sociais.

Xenofobia recreativa está presente até nas universidades

A ideia central é estabelecer uma linha imaginária que diz “daqui você não passa” ou “aqui não é o seu lugar”. Aparentemente, o objetivo sempre é segregar, como revela a contadora Adriana — nome fictício, já que a entrevistada pediu para não ser identificada.

Ela saiu do Brasil e mora em Portugal há mais de 3 anos. Ao chegar aqui, começou a fazer mestrado na Universidade do Minho. Foi durante o curso que viveu a xenofobia, na prática:

“Era notório que na formação de equipes para trabalho em grupo, os portugueses se afastavam dos estrangeiros. Eles não queriam que brasileiros e angolanos fizessem parte do grupo. Éramos nitidamente excluídos. A verdade é que não conseguíamos nos relacionar com os portugueses.

Sobre o preconceito linguístico, ela conta:

Existia uma barreira imposta por eles. Em outro curso que estou fazendo, alguns professores e alunos dizem que estamos usando palavras ‘erradas’ quando escrevemos ou falamos em português do Brasil. Eles dizem: ‘está errado, essa palavra é brasileira’, como se fossem idiomas diferentes”.

O que pouco se fala é que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proíbe a discriminação, obrigando os Estados-membros a combaterem “crimes motivados pelo racismo, xenofobia, intolerância religiosa, ou por deficiência, orientação sexual ou identidade de gênero”.

Apesar da obrigação, não há muitas ações concretas por parte das autoridades. Enquanto isso, a xenofobia faz parte do cotidiano de vários brasileiros em Portugal. Adriana complementa:

“Estava fazendo um retorno numa rua e buzinaram muito forte atrás de mim e quando buzinei de volta, para demonstrar meu incômodo, escutei um: ‘volta para tua terra, vai embora’. Não sei como essa pessoa percebeu, dentro do carro, que eu era brasileira. Esse foi até mais agressivo, porém canso de ouvir coisas do tipo: ‘se no Brasil tudo é melhor, porque estás aqui?’ Aí a pessoa dá um sorrisinho e diz: ‘estou a brincar’. Isso também é xenofobia”.

Adriana acredita que a solução está na renovação da população, uma vez que a geração mais nova não tem tanto esse preconceito: “Só teria um início de mudança se existissem políticas públicas de conscientização da população contra xenofobia.

Os movimentos contra o tema ainda são tímidos e muitos portugueses encaram como ‘frescura’. A xenofobia é disfarçada, minimizada e isso dificulta a conscientização das pessoas, como um problema real a ser combatido.”

Um trabalho de formiguinha para tentar “educar os portugueses”

A brasileira Marianna Durand concorda. Ela trabalha numa empresa de telecomunicações. Teve a sorte de nunca ter sofrido diretamente com a xenofobia, mas nota pequenas “indiretas” em seu dia a dia. No entanto, Marianna acredita que o problema tem solução:

“Há sempre portugueses que se utilizam de frases preconceituosas e tentam disfarçá-las. Um colega português no meu trabalho me disse uma vez que achava que o Rio de Janeiro era ‘só favela’.

A cada pequena oportunidade, fiz questão de mostrar a realidade. Hoje, ele já cogita conhecer a cidade. Esse é o caminho. Acredito que poderia haver um investimento maior por parte do governo. Já que eles incentivam a imigração, poderiam fazer palestras e campanhas de conscientização sobre xenofobia.”

Jogar luz sobre o problema talvez seja a ponta do iceberg. Ações afirmativas das autoridades já ajudariam a lidar melhor com o problema, mas não é o que tem acontecido.

A cada pequena oportunidade, Marianna Durand, aproveita para mostrar o lado bom do Brasil.  Imagem de arquivo pessoal.

Óbvio que há relações harmoniosas entre portugueses e brasileiros e isso não ganha tanta repercussão quanto o que é negativo. O conflito não é regra, mas não dá para garantir que qualquer um de nós não será vítima de alguém que nos agrida violentamente, simplesmente por ouvir um sotaque brasileiro num café, como aconteceu há alguns meses na cidade de Braga.

Ao abordarmos a complexidade do assunto de xenofobia recreativa, olhamos de frente uma dolorosa realidade: vivemos num mundo ainda cheio de preconceitos e barreiras culturais. Nossa capacidade de compreender e aceitar as diferenças é fundamental para a construção de uma sociedade inclusiva de verdade.

Chega de discursos rasos e sem fundamentos

Não há como fugir da realidade: a xenofobia é o sintoma mais tóxico da intolerância. Embora tenha raízes no medo e na ignorância, é, na verdade, uma manifestação de nossa fragilidade diante do desconhecido. Só que ao invés de dar as costas ao que não conhecemos, precisamos educar as próximas gerações para entenderem que a presença do cidadão estrangeiro não é um problema.

O imigrante não está fora do seu país de origem para “roubar” o emprego de ninguém ou viver às custas do governo, como muitos teimam em repetir com argumentos rasos, sem nenhum fundamento.

A esmagadora maioria veio para somar, para auxiliar no progresso do país. Culpar o imigrante por crises econômicas ou políticas é, no mínimo, absurdo. O conceito do “volta para sua terra”, repetido à exaustão pelos intolerantes, deveria dar lugar a um “bem-vindo e boa sorte”. Todos sairiam ganhando.

Em tempo: apesar da entrevista citada no início deste texto ter sido positiva, não houve mais contato por parte da empresa. Soube depois que não havia, na prática, uma vaga. Queriam apenas conhecer “o brasileiro que mandou currículo”.

*As opiniões dos colunistas não refletem necessariamente a opinião do site Euro Dicas.

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Maurício Martins

Nascido no Rio de Janeiro e com raízes portuguesas, o jornalista, redator e roteirista Mauricio Martins reside em Portugal desde 2020. Com mais de 25 anos de experiência, trabalhou em diversos veículos de comunicação. Possui pós-graduação em Marketing e Comunicação Empresarial. É apaixonado por tecnologia, viagens e boa música.

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