Sempre gostei de milho e das suas diversas apresentações: curau, pamonha, bolo, suco ou simplesmente aquele com manteiga e sal, ainda na espiga ou já com os grãos no pratinho. Aqui em Portugal o milho também aparece em receitas, ainda que não as mesmas que temos no Brasil. Mas agora, nas semanas iniciais do outono europeu, o milho passa a ser o centro de uma importante tradição portuguesa, a desfolhada.

Importância do milho na história de Portugal

O milho é uma das principais culturas aqui em Portugal e todo o processo de preparação do solo e plantio começa por volta de março ou pouco depois disso. Em tempos mais remotos, os pequenos agricultores (ainda hoje uma parcela importante dos produtores de milho) reuniam a comunidade em torno de suas terras para a colheita.

Um trabalho duro que juntava homens e mulheres, que na maioria das vezes encarava a tarefa com prazer e sem uma contrapartida em dinheiro. Valia pela festa, pela solidariedade e, quem sabe, pela oportunidade de ganhar uma namorada ou namorado…

Trocas de olhares, trocas de abraços

Sim, a desfolhada era algo como uma “rave” ou balada de antigamente, com gente cantando, dançando e até com uns mascarados que vez ou outra apareciam para alegrar ainda mais a festa. Depois de colher todos os pés de milho no campo, eles eram carregados em carros de boi e amontoados em grandes pilhas.

A desfolhada é o processo de tirar a espiga do pé (ou das canas do milho como dizem por aqui), e, em seguida, tirar todas as folhas ao redor da espiga. Costumava ser feita no fim do dia, já com o sol se pondo e seguia noite adentro.

O encontro em Ovar recria a Desfolhada e ajuda a contar essa história até os dias de hoje. Foto: Marcos Freire

As pessoas se sentavam em um grande círculo ao redor dos pés de milho e seguiam o ritual da desfolhada. Muito trabalho manual, pesado, mas compensado pela cantoria, pelo encontro das pessoas, alguma dança e, no caso dos mais jovens, muita paquera. Isso mesmo. A desfolhada era uma grande oportunidade de os casais ou pretendentes se encontrarem.

Reza a lenda que quem achasse uma espiga vermelha, só possível de ser encontrada quando todas as folhas ao redor do milho eram retiradas, tinha o direito de abraçar todos que formavam o círculo. E, claro, já dá para imaginar que alguns abraços eram protocolares e outros capazes até de transformar o milho em pipoca…

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O famoso milho-rei

A espiga vermelha era o famoso “milho-rei”, que deveria ser anunciado pelo felizardo em voz alta e que servia como “passaporte” para o atrevimento em tempos em que a vigilância dos pais era rigorosa.

O dono do milharal costumava recompensar o trabalho árduo com muito vinho e boa comida para todos. A bebida, os enchidos, as broas, azeitonas e pães, castanhas assadas ajudavam a aquecer o corpo e o coração, numa época do ano em que o frio já começava a dar as caras. A concertina embalava os mais animados e unia os casais em danças típicas.

As espigas já sem as folhas eram colocadas em grandes cestos e, em seguida, armazenadas nos canastros ou espigueiros, pequenas casinhas de madeira onde ficavam para secar. As folhas retiradas serviam, muitas vezes, para encher colchões. Tudo se aproveitava.

Uma recriação folclórica na minha cidade

Hoje, a industrialização das lavouras acabou com grande parte desta tradição. Os carros de boi foram trocados pelos tratores e as novas gerações não dependem do milho-rei para ter a grande chance de ficar cara a cara com as pretendentes. Abraços e beijos são trocados com ou sem espiga vermelha.

Felizmente, porém, a maior parte dos concelhos portugueses (algo como os nossos municípios) realizam, nesta época do ano, grandes desfolhadas para manter a tradição.

Aqui em Ovar, cidade onde vivo, um importante grupo folclórico realizou uma verdadeira desfolhada no centro da cidade, com todos vestidos a caráter, muita música, dança e, claro, montes de espigas.

Nesse ano, não só participei da desfolhada, como encontrei o milho-rei. Foto: Marcos Freire

A recriação trouxe várias gerações de vareiros: a turma mais velha, que em tempos passados já viveu a verdadeira desfolhada, e os jovens e as crianças, muitos participando da festa ao lado dos avós “experientes” na tradição.

Também na música, com os jovens artistas tocando ao lado dos músicos experientes, o encontro de gerações ainda leva adiante a tradição da canção folclórica que embalava as noites da desfolhada.

O importante é manter viva a tradição

Mesmo que sejam mais “teatrais”, as desfolhadas de hoje recriam com riqueza aqueles momentos de alegria de décadas passadas. Também as escolas, principalmente nas classes do primeiro ciclo, organizam pequenos eventos ou recriam “mini-desfolhadas” com as crianças, ajudando a manter viva esta tradição secular.

Aqui em Ovar, além da desfolhada promovida pela Câmara Municipal com os grupos folclóricos e as pessoas da comunidade, que sempre fazem questão de aparecer com trajes típicos dos agricultores, os colégios incluem a desfolhada como parte das atividades extracurriculares.

Antes da pandemia, meu filho chegou em casa com alguns grãos de milho vermelhos, que ele conseguiu feliz numa desfolhada feita pela escola num terreno vizinho, onde o dono planta milho todos os anos.

Ele, meu filho, que sempre foi fã do milho na versão pratinho plástico, manteiga e sal sentado na areia, olhando para o mar, voltou encantado com a experiência de “quase” homem do campo… E o bilhetinho para os pais não deixou qualquer dúvida:

“Hoje, fomos fazer a desfolhada. Retiramos o folheco que estava seco da espiga de milho. Com a barba do milho fizemos bigodes e cabelo. Quem encontrou o milho-rei deu um abraço aos colegas. Foi uma atividade interessante, em que relembraram tarefas agrícolas”.

Sei que na desfolhada deles não teve concertina, nem música ou dança noite adentro. Mas a tradição, mais uma vez, fez um jovenzinho feliz.

Em tempo: este ano, eu também entrei de cabeça no espírito da desfolhada e encarei feliz a pilha de milhos no centro da praça principal da cidade. E o esforço valeu. Achei meu milho-rei e tratei de ir logo distribuindo abraços na turma animada!