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Brasileiros na Europa

Nessa categoria você vai encontrar depoimentos pessoais de brasileiros que vivem na Europa e contam, em primeira pessoa, como é a experiência de ser um imigrante brasileiro no Velho Continente.

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Espanha Brasileiros na Europa

A Espanha e o resto da Europa: semelhanças e diferenças

Author Tátylla Mendes Tátylla Mendes

Alemanha, Croácia, França, Holanda, Itália, República Checa e Suíça. Esses são alguns dos países europeus que visitei antes de vir morar na Espanha. Apesar de estarem todos no mesmo continente, é claro que cada um tem suas particularidades. Só que agora, depois de quase seis anos vivendo por aqui, acho que entendo melhor as semelhanças e diferenças entre a Espanha e o resto da Europa. Quer saber o que a Espanha tem de especial? O que a diferencia de outros países da Europa? Vem comigo neste passeio pelo velho continente! Europa, União Europeia e outros grupos Faz alguns dias, acompanhei meu marido quando ele foi votar nas Eleições da União Europeia. Fiquei pensando sobre o tema e descobri alguns dados bem esclarecedores. A Espanha faz parte da: Europa: continente formado por 49 países (segundo a definição do Conselho Europeu); Espaço Schengen: área de livre-circulação entre 29 países europeus; União Europeia (UE): comunidade política formada por 27 países; Zona do Euro: grupo de 20 países com política monetária comum. A partir daí já fica fácil perceber que a Espanha se assemelha em vários aspectos a outros países europeus que fazem parte desses grupos. Ao mesmo tempo que se diferencia dos não-integrantes. Semelhanças e diferenças na prática Quem tem passaporte europeu pode ir da Espanha à Suíça, por exemplo, sem necessidade de mais comprovações, já que ambas fazem parte do Espaço Schengen. Mas vai precisar trocar dinheiro, isso, sim, já que a Suíça não faz parte da eurozona (nem da UE). Por outro lado, se decidir ir até a Finlândia ou o Chipre, não precisa se preocupar nem com a documentação, nem com o câmbio. Só que, além dessa mobilidade facilitada, a Espanha e o resto da Europa — os demais países da União Europeia — têm outros pontos em comum. Neste caso, se trata sobretudo de políticas e normas: dos direitos do consumidor à privacidade de dados, das normas de mercado aos direitos humanos. Alguns exemplos cotidianos: em todos os países da UE, se trabalha no máximo 48h por semana e as férias mínimas são de quatro semanas ao ano. Em todos, os produtos têm pelo menos dois anos de garantia. E — como comentei na coluna compras nos supermercados espanhóis — em todos, há restrição no uso de sacolas plásticas finas. Isso só para ter noção de algumas semelhanças. A cultura mediterrânea Como o próprio nome diz, o mar mediterrâneo (Medi Terraneum) está em meio a várias terras. Através desse corpo de água salgada a Espanha e outros países da Europa (e também da África e da Ásia) se conectam. Antes eu pensava que essa conexão era apenas geográfica. Mas foi só chegar para morar na Espanha para perceber o valor que muita gente dá à cultura mediterrânea. Pelo que já reparei, os maiores reflexos disso estão no clima e na gastronomia. [caption id="attachment_174524" align="alignnone" width="750"] Original do Mediterrâneo, a alcachofra é muito consumida por aqui. Quase não sobrava para fotografar. Foto: Tátylla Mendes[/caption] Ou seja, países como Espanha, França, Grécia e Itália têm (pelo menos em partes) um clima parecido: o clima mediterrânico, temperado e de verão seco. Além disso, a gastronomia desses países também tem muitos ingredientes similares: as azeitonas, o azeite de oliva, os vinhos, os peixes e embutidos, as frutas e verduras, etc. Sol e calor Tem gente que acha que o sol e o calor são alguns dos fatores que diferenciam a Espanha do resto da Europa. Mas devido a esse clima mediterrânico, eu diria que depende dos pontos de referência. Por um lado, é verdade que na maior parte do território espanhol costuma fazer bem menos frio do que em países como Noruega, Suécia ou até Dinamarca e Alemanha. Só que, em Portugal, no sul da França, no centro e sul da Itália e na Grécia, faz sol e calor como aqui na Espanha. Por outra parte, o extremo-norte espanhol tem um clima mais parecido ao do norte da França, com temperaturas menores e maior volume de chuvas. Enquanto a fronteira leste da Espanha tem clima alpino. Rueiros e expressivos O céu azul e as temperaturas mais amenas são ótimos incentivos para sair de casa, passear ao ar livre, encontrar com amigos e conversar. Conversar, muitas vezes, falando alto. Não quero generalizar e dizer que os espanhóis são ruidosos. Mas comparo duas situações similares: no metrô de Amsterdam eu praticamente só ouvia cochichos. No metrô daqui, por outro lado, a trilha sonora é variada: uns com música, uns falando no telefone, uns conversando. Eu diria que os espanhóis são bastante expressivos (mais semelhantes aos italianos, talvez). São diretos e defendem suas opiniões com argumentos francos. Gostam da vida ao livre, gostam de conversar, são de fácil contato. O cumprimento com dois beijinhos na bochecha é bem comum. Mas se não for com amigos íntimos, o contato físico não costuma passar desse ponto. Os vários idiomas Na França se fala francês. Na Alemanha se fala alemão. Na República Tcheca se fala tcheco. Na Espanha se fala… castelhano, catalão, euskera, galego e valenciano (entre outras línguas). O castelhano (que teve origem em Castilha) é o que se conhece comumente como espanhol. É o idioma oficial de todo o país. Os demais são reconhecidos pela própria Constituição Espanhola como cooficiais em suas respectivas Comunidades Autônomas. Pesquisando um pouco, descobri que essa utilização de vários idiomas é outro fator que diferencia e, ao mesmo tempo, assemelha a Espanha e o resto da Europa. Diferente do caso espanhol, metade dos países que fazem parte da UE têm apenas um idioma oficial. Só que na outra metade, como aqui, se fala mais de um idioma. Em Portugal, por exemplo, além do português há o mirandês, ainda que, neste caso, seja uma língua minoritária falada apenas em uma cidade. [caption id="attachment_174525" align="alignnone" width="750"] Um aviso dentro do metrô em valenciano e em castelhano. Foto: Tátylla Mendes[/caption] O caso da Espanha é mais parecido, provavelmente, ao da Itália, onde são utilizados diferentes idiomas cooficiais em determinadas regiões. Aliás, aqui em Valência é bem comum ouvir o valenciano na rua, na TV, nas comunicações oficiais, etc. Não se trata de uma língua minoritária. Dos mais de 5 milhões de habitantes da Comunidade Valenciana, mais de 80% fala valenciano. Sobre o caso do catalão eu já tinha comentado na coluna morar em Barcelona é morar na Espanha? A siesta Depois de tantas discordâncias e coincidências, me pergunto se a siesta— aquela dormidinha depois do almoço — é o hábito que mais diferencia a Espanha e o resto da Europa. Pesquisando novamente, descubro que não é bem assim. Dizem que muitos alemães e italianos também têm o costume de fazer um pequeno “riposo” após comer. Além disso, como comentei na coluna Mitos sobre a Espanha, por aqui nem todos dormem e nem tudo fecha. Alguns estabelecimentos turísticos e lojas de grandes marcas em grandes centros urbanos costumam permanecer abertos o dia inteiro. Mas sim, muitas lojas e estabelecimentos públicos fecham para a siesta. Até mesmo nas grandes cidades da Espanha é comum encontrar boa parte do comércio fechado entre as 14h e as 16h30 ou 17h. Os horários espanhóis Não sei se é devido ao clima mediterrânico e do hábito de desfrutar da vida na rua. Não sei se a siesta também não acaba influenciando. O que sei é que o que realmente diferencia a Espanha e o resto da Europa são os horários. Não me refiro ao fuso ou ao horário oficial, mas sim aos horários de atividades tão banais como comer e dormir. Por aqui é bem normal ter uma reunião marcada para as 12h ou 12h30 porque a hora de almoçar mesmo é a partir das 14h. O jantar costuma ser só depois das 21h30. Um estudo publicado na revista Science ainda confirma que a Espanha é o país em que mais tarde se vai dormir, normalmente depois da meia-noite. Aliás, uma coisa que acho engraçada é quando dizem, por exemplo, “me fui a comer a las 2h del medio-día” (fui comer às 2h do meio-dia). Ou quando você marca de encontrar com alguém às 21h e a pessoa te diz “perfecto, nos vemos hoy por la tarde” (perfeito, nos vemos hoje de tarde). Me dá a impressão de que os espanhóis têm uma ideia meio fluida do tempo. Comparações à parte É claro que a culinária espanhola é diferente da italiana, da francesa e demais. É claro que a arquitetura de uma cidade como Barcelona é diferente da que encontramos em uma cidade como Amsterdam. É claro que há muitas diferenças entre cada um dos países da Europa. E é bem verdade que comecei esta coluna te convidando para descobrir o que a Espanha tem de diferente. Só que acabei percebendo que a Espanha e o resto da Europa tem, na realidade, muitas coisas em comum. Alguns aspectos se assemelham mais a um ou outro país, a uma ou outra região. Mas a questão é que existem muitas semelhanças, assim como existem (é claro) muitas diferenças. Então, o que a Espanha tem de especial?  Na minha opinião, é a mescla de cada uma das suas características (sejam semelhantes ou diferentes de outros países) que torna a Espanha um país único. É o fato de ser um país integrante da UE (da eurozona e de outros grupos), com cultura mediterrânea, bom clima, gente rueira e expressiva, com idiomas e horários próprios. É o fato de serem muitos países em um (como todos), mas com uma combinação que só se encontra aqui. Tem vontade de se mudar e sentir o que a Espanha e o resto da Europa tem em comum e suas diferenças? Deixo a indicação do ebook Como Morar na Espanha, escrito pela equipe do Euro Dicas. O ebook traz todos os detalhes e orientações atualizados para ajudar você a se planejar essa mudança e trilhar o seu caminho até o país.

Mulher na Torre Eiffel, em Paris.
França Brasileiros na Europa

Retornando a Paris após 4 anos: reencontros e descobertas

Author Bárbara Ábile Bárbara Ábile

Retornando a Paris após 4 anos, percebi que muita coisa mudou — mais em mim, do que na cidade. Em 2018, morei seis meses em na cidade por conta de meu mestrado. Cheguei na cidade sem conhecer nada, nem ninguém. Eu falava pouco francês, mas fui com mala e cuia para viver essa aventura que se tornou um divisor de águas em minha vida. Voltei para o Brasil querendo ficar na França e, desde o momento em que pisei em terras tupiniquins, comecei a arquitetar minha volta. E nesta coluna, compartilho sobre o meu percurso de volta. Volto porque preciso Muita gente decide sair de seu país natal, e os motivos são vários: um novo amor, um novo trabalho ou novas oportunidades de vida. Nenhuma dessas eram minhas motivações para retornar à Paris. Meu grande amor estava no Brasil, assim como o meu trabalho. As oportunidades de vida eram inegavelmente melhores na França, mas não é como se eu tivesse alguma proposta irrecusável em minhas mãos. Eu quis voltar a morar em Paris porque eu precisava. Eu tinha saudade de tudo Ao voltar ao Brasil, depois dessa primeira estadia de 2018, me lembro que constantemente eu chorava de saudade de algo que não sabia descrever o que era, porque era coisa demais. As cores da cidade, o som do sinal que avisava a chegada de uma nova estação no metrô, as paisagens ao longo dos trajetos, o gosto das comidas, as palavras que eu não conhecia, a temperatura ao longo das estações do ano, a demora ao amanhecer no inverno, o som do “Bonjour” cantado da atendente da boulangerie. Tudo isso era tão vivo e, ao mesmo tempo, tão distante em minha memória, que às vezes, eu achava ter vivido um sonho. As coisas acontecem quando tem que acontecer Mentalizei, planejei e desejei essa volta mais do que qualquer coisa, mas muitas dificuldades se colocavam em minha frente quando eu pensava nesse retorno. Apesar de tanto planejamento, minha volta à Paris não aconteceu nem do jeito, nem no tempo que eu havia imaginado. Foi tudo surreal, rápido e inesperado. E, quando aconteceu, era coisa de tipo: em 6 meses eu estaria lá novamente. É difícil entender isso, mas de fato, as coisas só acontecem quando elas têm que acontecer. Paris, je reviens Entrei em um misto de animação e ansiedade nos dois últimos meses antes de retornar à Paris após 4 anos, que eu quase não dormia. Para além do cansaço, havia toda a preocupação de dar conta da burocracia que uma mudança deste tamanho exige: documentos, visto de pesquisador, comprovantes, seguro viagem, solicitações de reembolso, busca por passagem para França, entre outras mil coisinhas a mais. Era começo de 2022 e, apesar da pandemia estar em um momento mais ameno, ainda havia muitos detalhes para se preocupar na hora de fazer uma viagem internacional. No dia do embarque, eu estava tão nervosa que, quando cheguei no aeroporto, não sabia o que fazer. Brinco até hoje com minha família que meu QI caiu para a metade naquele momento. Era tanta emoção de voltar a morar na França e deixar aqueles que amo aqui, que eu mal conseguia raciocinar para qual guichê ir, onde despachar minha mala, e onde estavam meus documentos. Só consegui me acalmar quando senti o avião decolando. Chorei de felicidade e pensei comigo mesma que, finalmente, eu estava voltando para casa. Cantarolei baixinho o final de uma música de Jacques Brel, na qual ele diz “Paris, je reviens” (no bom português, Paris, estou voltando). Retornando a Paris após 4 anos Posso dizer que essa viagem de retorno à Paris após 4 anos foi, no mínimo, caótica. O voo saiu super atrasado do Brasil e, consequentemente, eu não consegui chegar a tempo para pegar a conexão que eu tinha que fazer em Portugal. Fiquei um tempão no aeroporto de Lisboa esperando o próximo vôo para Paris, e acabou que ele acabou atrasando também. Eu já fazia quase 20h de trânsito quando, finalmente, cheguei na capital francesa. Meu corpo estava cansado, mas meu coração estava alegre ao ver as placas em francês, ouvir a língua sendo falada e sentir o carpete vermelho e macio do Aeroporto Charles de Gaulle sob meus pés. Resolvendo perrengues de bom humor Desde quando retornei a França após 4 anos, me deparei com uma série de perrengues. Mas, eu estava tão feliz de estar lá que resolvia todos eles de bom humor. A essa altura, nada me abalava! O primeiro deles foi que cheguei, mas tive a mala extraviada. Tive que pedir ajuda a um funcionário do aeroporto e, enquanto eu preenchia o formulário de busca, pensava o quão engraçado era ter passado 4 anos sentindo saudade de conversar em francês, e calhar de eu ter justo esse tipo de diálogo nos primeiros minutos de minha chegada no país. [caption id="attachment_171780" align="alignnone" width="750"] Nos primeiros dias, eu alternava entre perrengues e passeios pelos meus lugares preferidos da cidade. Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Questão da mala encaminhada, hora de ir para minha nova casa. Com todos os atrasos, acabei chegando lá mais tarde do que o previso e, consequentemente, já não havia mais nenhum lugar próximo que estivesse aberto para eu comer. Botei mais uma vez o francês para jogo pedindo sugestões aos seguranças da moradia onde eu estava alocada, e acabei me contentando com um sanduíche simples jambon fromage. Você não queria falar em francês? Então fala! Os primeiros dias foram cheios de oportunidades de matar a saudade de falar em francês, já que até as coisas mais simples pareciam não funcionar comigo. Juro que a essa altura, o meu QI já tinha voltado ao índice normal e que eu ainda lembrava de todos os procedimentos básicos que precisamos fazer ao chegar em outro país para morar: comprar chip de celular, cartão de transporte público, fazer a validação do visto, contratar o seguro incêndio para o dormitório, solicitar o cartão da universidade e fazer compras online. Mas, por alguma brincadeira do destino, todos esses itens apresentavam algum tipo de problema e, por estarmos falando da França, a resolução deles envolvia longas chamadas telefônicas ou envio de cartas. Até o perrengue tem utilidade Como resultado, ao fim da primeira semana, eu já tinha me livrado dessa insegurança tão comum a vários imigrantes de falar a língua de seu novo país. Afinal, após conseguir explicar problemas e encontrar a soluções com companhias aéreas, corretoras de seguro, empresas de transporte público e afins, em uma língua que não é a sua, você sente que pode fazer tudo! Pronunciar o “bonjour” cantado ficou até mais gostoso. Recuperando o tempo perdido Enquanto planejava meu retorno à Paris após 4 anos, eu estava convicta de que ao chegar na cidade, eu dedicaria meus primeiros dias para fazer tudo o que senti mais falta durante esses longos anos longe. Portanto, uma vez na cidade, busquei concretizar esse plano. Uma das coisas que mais me fazia falta era, exatamente, o lugar onde eu morava em 2018. Não foi à toa que, em 2022, fiz questão de me alojar na mesma moradia universitária na qual morei em minha primeira temporada na França. Outra coisa que fiz foi, ao acordar no dia seguinte, comprar um croissant na minha boulangerie preferida e comê-lo no parque Montsouris. Como meu aniversário estava chegando, decidi também ir conhecer o grand magasin La Samaritaine, que havia reinaugurado enquanto eu ainda estava no Brasil. Lá, comprei um tênis que não consegui comprar da última vez que estive na cidade. Viver é melhor que sonhar! Na mesma semana, passei na rede de supermercados na França que eu sempre frequentava e fiz uma compra grande e inconsequente, de tudo o que me chamava a atenção e me dava vontade. [caption id="attachment_171783" align="alignnone" width="750"] Retornando a Paris após 4 anos, a primeira compra de supermercado foi para matar todas as vontades. Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Foram potes de Spéculoos, uma pasta típica da Bélgica que, na minha opinião, consegue ser mil vezes melhor que pasta de avelãs; os vinhos mais interessantes que encontrei; frutinhas diferentes; minha muesli preferida; muitos e muitos tipos de queijos; comidinhas congeladas que eu gostava; sabonetes que eu costumava usar; a pasta de dente que me encantava pela cor, entre outros. Foi um ótimo começo para mim. Organizei meu quarto de maneira aconchegante, preparei minha rotina de trabalho e comecei a viver tudo o que eu havia sonhado nos anos anteriores. Paris sera toujours Paris, já eu… Enquanto estava no Brasil, eu costumava ouvir várias músicas sobre Paris — cheguei até fazer uma playlist, que estou ouvindo enquanto escrevo esse texto. Essas músicas me inspiravam, mas também me faziam companhia nos dias de mais nostalgia. Uma delas repetia que “Paris sera toujours Paris” e, de certa forma, isso me acalmava. Eu pensava que, se Paris será para sempre Paris, eu encontraria minha tão amada cidade do mesmo jeitinho que eu a havia deixado em 2018. Maurice Chevalier não estava errado quando cantou essas frases em 1939. Retornando à Paris após 4 anos, ela estava, de fato, igual. [caption id="attachment_174400" align="alignnone" width="750"] Caminhar por Paris e reconhecer a cidade e os deslocamentos fez parte dos meus dias logo após a chegada.[/caption] A moradia universitária onde eu havia morado estava do mesmo jeito, e seus funcionários também eram os mesmos. Posso dizer algo semelhante da biblioteca em Paris que eu mais frequentava: surpreendentemente, a mesma pessoa que me entregava os documentos que eu reservava em 2018, estava entregando os documentos que eu reservava em 2022. A boulangerie, os pequenos comércios e os mercados também seguiam no mesmo lugar, até mesmo o senhorzinho simpático que vendia flores em uma barraquinha perto de casa. Os caminhos eram os mesmos, a rotina era semelhante, o lazer também. A cidade continuava perfeita, as exposições maravilhosas, a comida saborosa. Mas, eu estava diferente. Os incômodos se multiplicam Rever tanta coisa que eu amava me preencheu durante um tempo. Mas, depois de alguns meses, comecei a perceber que algumas coisas não estavam funcionando tão bem. Isso foi um tanto difícil e doloroso. A primeira delas foi perceber que a dinâmica de moradia universitária havia me cansado. Isso me assustou muito, já que eu nunca havia cogitado morar em outro lugar enquanto planejava minha volta para Paris. O vai e vem de gente, a coletividade e as diferenças são apaixonantes em um primeiro momento, mas depois de um tempo me deixavam um pouco irritada. Em muitos dias, eu só queria poder cozinhar em paz, ouvindo uma música e tomando um vinho, sem ter um monte de pessoas, muitas vezes desconhecidas, do meu lado. Várias vezes desejei ter um gatinho, mudar os móveis, instalar coisas na parede e eu não podia fazer nada disso. Ainda por cima, me sentia um tanto deslocada quando as pessoas mais próximas tinham aquele furor de viver Paris de uma certa forma, enquanto eu estava com uma energia diferente. Também passei a ter menos paciência com os franceses, ainda que nós, brasileiros, sejamos bem recebidos na França, de maneira geral. A rispidez na fala, a pressa para pegar o metrô (mesmo com intervalos de 3 minutos entre eles), as bufadas, e a mania de começar a falar em inglês ao sinal de um mínimo sotaque me tiravam do sério. Será que eu odeio Paris? Similarmente, tive surpresas negativas em relação à comida francesa (e em geral). Em 2018, por exemplo, eu amava comer kebabs. Essa famosa comida de rua parisiense fazia parte do meu cardápio semanal em 2018, não apenas por ser barata, mas porque eu a achava saborosíssima. Mas, da primeira vez que tentei comer um em 2022, percebi que aquilo não era mais para mim. Senti algo parecido em relação ao Restaurante Universitário e a algumas formules específicas. Com o tempo, outros incômodos foram aparecendo. Me cansei de visitar castelos com tanto ouro, museus com tantos quadros, e monumentos com tantos turistas. Fiquei mais crítica ao sistema de transporte, a certos hábitos e regras. Me perguntei várias vezes se eu tinha começado a odiar Paris e me sentia confusa em relação a isso. Com o tempo, percebi que não. O ponto era que, uma vez morando na cidade, era impossível não me descolar daquela visão apaixonada que temos quando a visitamos por pouco tempo. O que quero dizer é que, por mais que seja incrível viver em Paris, não é incrível o tempo todo. A vida acontece, os problemas também, as dificuldades surgem e, bem, isso desanima qualquer um. Uma nova cidade Uma vez passado o momento do susto, percebi que uma nova Bárbara estava nascendo. Como não podia ser diferente, ela começou a se revelar através das roupas, que foram ficando mais sóbrias, em um estilo à la parisienne. E conforme fui abrindo espaço para coisas novas, o que se revelou para mim foi uma nova Paris. Na busca por novos hábitos, aproveitei a estação quente para comprar um plano da Vélib, a bicicleta de serviço livre da cidade. Ela passou a ser meu meio de transporte e lazer favorito, e inaugurou uma nova fase na minha vida parisiense. Como a cidade tem estações em cada canto, era possível ir a qualquer lugar com ela. [caption id="attachment_171781" align="alignnone" width="750"] Minha visão preferida: o painel da Vélib e o rio Sena. Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Foi em cima de uma Vélib que passei várias horas pedalando nas margens do Sena, nas ruazinhas do bairro de Paris onde eu morava, pelos pontos turísticos, indo ou voltando da biblioteca, e em lugares que eu ainda não conhecia. Me levando para viajar Para fugir dos programas mais batidos, me aventurei nos parques nos arredores de Paris, como os de Boulogne e Vincennes, e em outros parques que eu nunca havia ido até então, como o Monceau e André Citroën. Rapidamente, virou um costume sair para pedalar, passar em um mercado ou boulangerie, comprar comidinhas e fazer piqueniques. Como eu ficava com muita gente ao meu redor na moradia universitária, sempre tirava alguns momentos para aproveitar minha própria companhia aos finais de semana. Era eu, meus livros e meu fone de ouvido. Também fiquei motivada para sair um pouco da cidade e conhecer novos ares. Fiz algumas viagens para fora da França e me apaixonei por outros países. Também decidi conhecer mais sobre a região que eu estava morando, e explorei cidadezinhas como Saint-Rémy-lès-Chevreuse, Auvers-Sur-Oise e Provins. Conheci lugares lindos, e com o tempo voltei a sentir aquela plenitude de estar em Paris. Recuperando o olhar apaixonado Esse sentimento ficou ainda melhor quando meus pais, meu companheiro e algumas amigas vieram me visitar. Nada como mostrar Paris para quem você ama para recuperar aquele olhar encantado pela cidade! Foi mostrando a Torre Eiffel a partir de um vagão da linha 6 do metrô, levando-os aos melhores lugares para comer, me responsabilizando pela tradução de tudo, e dando dicas do que vestir segundo a temperatura, que percebi que, sem dúvidas, meu amor por Paris nunca tinha ido embora. Ele tinha se transformado. Passando esse amor para frente O mais legal é que, de uma forma ou de outra, essas pessoas perceberam esse amor, e acabam cultivando-o nelas também, cada um a sua maneira. Minha mãe, por exemplo, desde que conheceu Paris, tem o hábito de falar algo muito parecido com o que ficou em minha cabeça durante os 4 anos em que morei no Brasil: que ela se lembra de tudo o que viu, sentiu e comeu durante os dias que ficou lá comigo, nos mínimos detalhes. Mas, ao mesmo tempo, agora tudo parece tão distante que, às vezes, ela acha que viajar para a França foi um sonho. Talvez, Paris tenha esse efeito nas pessoas. Idas e vindas Ao longo do tempo, fui deixando várias versões minhas na capital francesa, que imagino que seguem perambulando em vários pontos da cidade. A versão que chegou em 2018, certamente segue sentadinha em algum banco da Île Saint Louis, encantada com tudo o que está vendo. A que chegou em 2022, por sua vez, deve estar pedalando com sua Vélib no bois de Vincennes, em busca de um cantinho com sombra para fazer um piquenique, enquanto lê um livro. [caption id="attachment_171784" align="alignnone" width="750"] Retornando a Paris após 4 anos, descobri novos hábitos e lugares. Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Desde então, sigo nessa dinâmica de idas e vindas entre Paris e São Paulo. E a cada momento em que chego em uma das cidades, é um novo processo que se inicia, que envolve tanto eu, quanto o lugar em que estou. Hoje, Paris, para mim é mais do que um sonho. É o lugar em que consigo me reencontrar, me autorregular e me recriar. Quer conhecer outras histórias de brasileiros vivendo no Velho Continente? Fica a indicação da leitura do ebook “O Sonho de Viver na Europa” para se inspirar!

Pessoas conversando em Portugal
Brasileiros na Europa Portugal

Linguagem em transição? As influências no Português de Portugal

Author Maurício Martins Maurício Martins

Estava eu dia desses em um supermercado no Porto aguardando minha vez de pagar, quando me pego prestando atenção à conversa de dois jovens portugueses que estavam na minha frente. Eles falavam sobre um evento de música que iriam mais tarde. Mal sabia eu que começava ali o tema para esta coluna: linguagem em transição. O que me chamou a atenção foi que, de 10 palavras do papo, 5 eram em inglês. Ao mesmo tempo, eles usaram algumas expressões típicas brasileiras como “maneiro” e “grama”. Para mim, pareceu algo natural e nem um pouco forçado. Não parou por aí No mesmo dia, quando cheguei em casa, liguei a TV. Estava zapeando pelos canais e parei para ver uma receita num canal a cabo. Lá estava uma mulher preparando um prato típico da Angola. A cada etapa do preparo ela soltava um “so yummy” (algo como “tão gostoso” em inglês). Ela também usou dezenas de outras palavras na língua inglesa e algumas expressões do português do Brasil como “geladeira” e “bala”, o que achei curioso. Aqui o normal seria falar “frigorífico” e “rebuçado”. A linguagem em transição constante e acelerada Acredito que o português está mudando bastante e isso fica ainda mais nítido para quem mora em Portugal há alguns anos. Os jovens estão no topo do processo. É mesmo uma linguagem em transição e muitas vezes nem percebemos isso. Quando usamos palavras ou expressões em inglês no meio das frases, significa que aquilo foi incorporado ao nosso dia a dia com sucesso. Afinal, de onde você acha que vieram palavras como milkshake, hambúrguer, chip, freezer, blazer e wi-fi? Um spoiler: não são palavras da língua portuguesa! O inglês é cada vez mais evidente em momentos corriqueiros do Brasil e de Portugal, mexendo com as palavras que a gente usa e como a gente se comunica. Ao mesmo tempo, em Portugal, acontece um verdadeiro “boom” de expressões brasileiras, tudo devido ao número de imigrantes brasileiros, das redes sociais e da cultura pop do Brasil. Esse papel de influência de outra língua no Brasil já coube ao francês, tanto que em nosso vocabulário usamos centenas de palavras que vieram desse idioma: sutiã, boné, bijuteria, bufê, mousse, garagem, creche e por aí vai. Já tinha se tocado dessa linguagem em transição? Influência do inglês: uma realidade inevitável A globalização e a predominância do inglês como língua no mundo atual exercem uma influência inegável sobre o português falado em Portugal. Essa influência se manifesta de diversas maneiras e momentos ao longo do nosso dia. Palavras e expressões em inglês são frequentemente utilizadas em anúncios, programas de televisão, músicas, no mercado de trabalho e até mesmo na linguagem informal do dia a dia. É cada vez mais comum ver lojas em “Sale” em vez de “Promoção” ou “Saldos”. Quase todos os restaurantes em Portugal tem um serviço de “Take away” e não “Para levar”. Termos como “briefing”, “prospect” e “feedback” fazem parte do vocabulário comum de muitos portugueses no mundo corporativo, principalmente entre as gerações mais novas. O inglês domina o mercado de trabalho português Para atuar em muitas áreas por aqui, é preciso ter a capacidade de se comunicar fluentemente em inglês ou se sentir confortável de usar palavras e expressões deste idioma no meio de uma fala. Não se engane. A maioria das vagas de emprego oferecidas no país estão nessa língua. O inglês é entendido como algo básico. Se você não sabe ou está com o idioma meio enferrujado, é altamente recomendável que resolva a situação, antes de se candidatar. Até mesmo para trabalhar num restaurante, pede-se o inglês. [caption id="attachment_172279" align="alignnone" width="750"] O uso do inglês entrou no cotidiano do Brasil e de Portugal e se transformou em normalidade. Foto: Maurício Martins.[/caption] Dou um exemplo que ocorre ao meu lado no exato momento em que escrevo esta coluna: meu marido trabalha na área de TI em Portugal e está numa “call” com um colega português. Em menos de 1 minuto de conversa ouvi expressões como “deployment”, “task” e “environment”. E tudo flui naturalmente. Eu mesmo já prestei serviços para uma empresa local no setor de marketing e conteúdo e, apesar de não ter de me comunicar em inglês o tempo todo, o uso de anglicismos era extremamente comum. Termos como “dashboard”, “newsletter” e “user experience” faziam parte do meu dia a dia. É ou não uma linguagem em transição? Alto nível de proficiência O domínio do inglês por parte dos portugueses, especialmente os mais jovens, facilita a assimilação e contribui para sua incorporação à língua. Os jovens europeus geralmente falam inglês muito bem e conseguem compreender e se expressar facilmente. Isso é especialmente útil em contextos internacionais e de negócios. Sem falar que a troca linguística facilita a comunicação internacional. Profissionais que falam vários idiomas têm vantagens em negociações, parcerias comerciais e oportunidades de emprego globalmente. A influência do Brasil no processo de transição de linguagem Ao mesmo tempo que o inglês marca presença no português de Portugal, observa-se um aumento no uso de expressões brasileiras, principalmente entre crianças e adolescentes. Essa tendência está diretamente relacionada à popularidade de influencers e youtubers brasileiros nas redes sociais, acompanhados com entusiasmo pela juventude lusitana. Sem falar da influência gigantesca das novelas e músicas brasileiras na cultura local. A migração de brasileiros para Portugal nitidamente contribui para esta tendência. Afinal, as crianças e adolescentes têm mais contato com o português brasileiro no seu ambiente social, como nas escolas e universidades. Os conteúdos em português do Brasil são mais apelativos, descontraídos e coloridos, em comparação com o que é produzido pelo mercado europeu. Não posso deixar de comentar: o sotaque brasileiro é como um abraço quentinho para a maioria dos ouvidos lusitanos. Principalmente para os mais jovens, ele soa animado e cativante, tornando os conteúdos em português do Brasil super atrativos. Essa influência está se espalhando. A versão brasileira da língua portuguesa está dando seus passinhos no cotidiano de Portugal. É uma transição linguística que está acontecendo a todo vapor! Preocupação com a preservação da língua A crescente utilização de anglicismos e “brasilianismos” em Portugal tem gerado debates e preocupações em alguns segmentos da sociedade. Argumenta-se que o uso excessivo de estrangeirismos pode ameaçar a identidade cultural e a riqueza da língua portuguesa. No entanto, é importante considerar que nem todos os anglicismos são prejudiciais. Alguns foram aportuguesados, enquanto outros permanecem com sua grafia original, principalmente no português do Brasil. Já houve até quem reclamasse de tamanha influência e achasse que as escolas deveriam tomar uma atitude para evitar a “morte do bom português”. Sim, acredite, há pessoas por aqui que adoram dizer que falamos “brasileiro” e não “o português correto”. No entanto, acho curioso quem faz queixa quando ouve jovens falando coisas típicas do português do Brasil, mas não fala nada sobre as expressões em inglês. Difícil conceber que duas sociedades bem diferentes, separadas por um oceano gigante, vão continuar falando do mesmo jeito ao longo dos anos. As diferenças são normais e vão acontecer sempre. [caption id="attachment_172230" align="alignnone" width="750"] A expressão “take away” faz parte da cultura portuguesa e dificilmente alguém desconhece o significado. Foto: Maurício Martins.[/caption] É o tipo de discussão que não leva a lugar algum. No entanto, gostaria de fazer uma breve ponderação, “puxando a sardinha” um pouco para o nosso lado. Se não fosse o Brasil, a língua portuguesa teria tanta relevância assim, em âmbito global? O mundo conhece bem a bossa-nova de Tom Jobim, a voz potente de Elis Regina, os livros de Paulo Coelho e o funk de Anitta, além de tantos outros talentos que eu levaria horas para citar. Sem falar de arquitetos, engenheiros, pintores e poetas. E quantos artistas portugueses são reconhecidos mundialmente? Não há nenhuma intenção de diminuir a cultura portuguesa; pelo contrário, é importante reconhecer a riqueza e a diversidade cultural do país. Apenas destaquei fatos sobre o impacto e a influência, neste caso da cultura brasileira, em contextos globais. Quando as pessoas de diferentes nações compartilham suas línguas, há uma troca de ideias, tradições e perspectivas culturais. Uma linguagem em transição enriquece a experiência de todos os envolvidos e promove a compreensão mútua. Os donos da língua? Também já ouvi que “os portugueses são os donos da língua”, o que é um conceito bastante equivocado. No livro “Assim nasceu uma língua: sobre as origens do português”, o linguista lusitano Fernando Venâncio acaba com essa visão. Ele explica que o português é uma variação do galego, falado por pastores numa parte da Espanha. Linguagem em transição: um fenômeno dinâmico e em evolução A evolução da língua é fascinante. Concordo plenamente com os que dizem que a língua é um organismo vivo, em constante transformação. A influência de outras culturas e idiomas é inevitável, especialmente em um mundo globalizado como o nosso. A língua é dinâmica e sempre incorpora novos termos, mas é essencial encontrar um equilíbrio entre a adoção de palavras estrangeiras e a preservação da nossa língua materna. Essa mistura de expressões e palavras é uma característica interessante desse processo de linguagem em transição. Afinal, é assim que a língua se renova e se adapta às necessidades dos falantes. E o importante é que possamos nos entender, independentemente das variações regionais ou influências externas. E, pense bem, a troca linguística ajuda imigrantes a se integrarem em novos países, criando laços com a comunidade local e superando barreiras culturais. Seja em Portugal, no Brasil ou em qualquer outro lugar, a diversidade linguística é algo que devemos valorizar. Afinal, é através dela que nos conectamos, compartilhamos histórias e compreendemos diferentes perspectivas. E você? O que pensa sobre o assunto? Confira também o nosso dicionário de português de Portugal. Até a próxima! *A opinião dos colunistas não reflete necessariamente a opinião do Euro Dicas.

Tram é um dos transportes utilizados na Espanha
Brasileiros na Europa Espanha

Histórias de transporte público na Espanha: micos e descobertas

Author Tátylla Mendes Tátylla Mendes

Quem me acompanha por aqui sabe que não é a primeira vez que falo sobre transporte público. Já falei da qualidade; comparei brevemente Madri, Barcelona e Valência e até comentei que, para mim, ter um carro na Espanha é (quase sempre) um desperdício. Mas desta vez eu quero te contar minhas histórias de transporte público na Espanha. Só mesmo contando alguns casos reais é que dá para entender melhor alguns pontos. Casos reais que aconteceram comigo, aliás: dos micos às descobertas. Dá uma olhada! Correndo atrás do último metrô Quando me mudei para morar na Espanha, uma amiga veio junto comigo passar os primeiros dias. Além de procurar o cantinho onde eu ia viver, aproveitamos para explorar juntas Barcelona. Quem já esteve na cidade sabe: é fascinante. Entre tantas obras de Gaudí, museus, parques e monumentos, fica fácil perder a noção do tempo. Esse foi o problema. Após bater perna o dia inteiro, decidimos finalmente sentar em um bar para comer e tomar algo. Foi só depois de fazer o pedido que reparamos na hora. — Quando o garçom voltar com a comida, a gente engole tudo bem rápido e vai. — Mas nem a cerveja ele trouxe ainda. — Pois é. Mas o último metrô é meia-noite. E se perdemos, como vamos voltar para o Airbnb? A maratona e as descobertas Não, nós não pensamos em pegar um táxi. Bebemos a cerveja de um trago e quase nos entalamos com a comida. Pagamos antes de terminar de engolir. Saímos correndo como umas loucas até a estação do metrô e, por um triz, conseguimos. E por sorte, não vomitamos tudo. Só depois de muitos meses dessa maratona é que descobri que Barcelona tem um excelente serviço de ônibus noturnos, os NitBus. Além disso, o metrô funciona nas sextas-feiras até às 02h e das 05h do sábado até as 24h do domingo sem parar. Moral da primeira entre as histórias de transporte público na Espanha: a falta de informação pode levar à indigestão. Tram, um bonde moderno Eu não gosto de falar no telefone enquanto estou no transporte público na Espanha (e em nenhum outro lugar). Mas nesse caso, como era minha mãe, eu atendi: — Oi, filha. Tá no trem? — Não, mãe, to no tram. — O quê que é isso? — É tipo um trem, mas que funciona ligado em uma linha elétrica. — Ah tá, é um bonde, então. — Isso, isso. É como um bonde. — Tira umas fotos aí para eu ver. — Não posso. É proibido tirar fotos e filmar dentro do transporte público. — Ixi, por quê? — Pela proteção de dados das pessoas. — Hm, entendi. Mas como é? É que nem esses bondes abertos que vai gente pendurada do lado de fora? — Que nada, mãe! É um bonde moderno. [caption id="attachment_170565" align="alignnone" width="750"] Em abril de 2024 foram mais de 1,4 milhão de usuários no tranvía em Valência. Foto: Tátylla Mendes[/caption] Não podia deixar minha mãe preocupada e achei melhor satisfazer a curiosidade dela. Então, após chegar à minha parada, tirei algumas fotos do tranvía — como dizem aqui em Valência — ou tram — segundo a abreviação barcelonesa. Funiculì-funicular: o mico alla Pavarotti Voltemos a Barcelona, aos dias que minha amiga estava comigo explorando a capital catalã. Um dos lugares que queríamos visitar era a montanha de Montjuïc, onde estão localizados o MNAC, a Fundação Joan Miró, o Castelo de Montjuïc, etc. — Aqui no site diz que “o funicular de Montjuïc permite um acesso cômodo e rápido com transporte público até Montjuïc desde o centro de Barcelona em apenas 2 minutos” – traduzi para minha amiga fingindo uma voz de assistente pessoal — Vamos nessa? Ela estava um pouco estressada naquele dia com umas questões pessoais e eu queria animá-la. Minha imitação não fez muito efeito, mas decidi não desistir. [caption id="attachment_170563" align="alignnone" width="750"] O funicular de Vallvidrera carrega cerca de 1 milhão de passageiros ao ano. Foto: Tátylla Mendes[/caption] Quando chegamos à estação, como não havia muita gente por perto, resolvi fazer uma gracinha com o nome do transporte. Comecei a cantar no meu melhor estilo Pavarotti: Funiculì-funicular, funiculì-funicular, larara-rara-lara-lara-lararara. Vem, canta comigo. Funiculì-funicular, funiculì-funiculaaaaar… Ela finalmente deu uma risada. O pior é que não foi só ela. Quando percebi, já tinha um monte de gente me olhando estranho e uns quantos mais rindo da minha cara. Mas valeu a pena. O que a gente não faz pelos amigos? Muito além de Montjuïc Minha versão da música pode até não ter sido das melhores (risos), mas nem por isso deixa de ter fundamento. Sabia que a canção italiana “Funiculì, funiculà” foi criada para comemorar a abertura do primeiro funicular do Monte Vesúvio? Vale comentar também que, além do funicular de Montjuïc, em Barcelona há outros dois transportes do tipo: o funicular de Vallvidrera e o do Tibidabo. Dos 12 funiculares em funcionamento na Espanha, o do Tibidabo é o mais antigo, o que enfrenta o maior desnível e o segundo mais longo. Uma pintura abstrata no trem de alta velocidade Entre Sevilha e Córdoba, o caminho mais curto tem aproximadamente 130 km. De carro, o trajeto pode ser feito entre 1h30 e 2h. Mas se você decidir, como eu fiz, acumular histórias de transporte público na Espanha, pode chegar de uma cidade a outra em cerca de 40 minutos. Isso, é claro, se você optar pelo trem de alta velocidade. — Meu amor, o que você prefere: o trem de meia distância por 11€ ou o de alta velocidade por 18€? — perguntou meu marido. — Ah, vamos no de alta velocidade. Não é muito mais caro. E eu nunca fui. Será uma nova experiência. Dizer que a experiência foi rápida é quase uma redundância. Mas eu gostei. O trem era bastante cômodo e, enquanto viaja pela Espanha, você não sente que está a quase 300 km/h. O que mais muda é a vista. Do lado de fora, a paisagem vai se convertendo em uma pintura abstrata. As árvores, as construções e as estradas tomam a forma de pinceladas velozes. As cores se mesclam. É quase poético o contraste com o azul e branco de um céu igualmente fugaz. Até que você chega ao seu destino e tudo volta ao seu devido lugar. Um susto quando o ônibus se inclinou Esta é uma das histórias de transporte público na Espanha que, na verdade, é uma pequena confissão. Serei franca. Quando vi pela primeira vez um ônibus se inclinar, eu me assustei um pouco. Eu estava em pé dentro do veículo, mais ou menos perto da porta. Ou seja, senti na pele essa emoção. Quer dizer, me desequilibrei ligeiramente. Não cheguei a cair — sejamos sinceros — porque a inclinação não é absurda nem repentina. Mas me assustei um pouco. [caption id="attachment_170561" align="alignnone" width="750"] Em março de 2024, mais de 165 milhões de usuários usaram o ônibus na Espanha. Foto: Tátylla Mendes[/caption] O que acontece é que alguns ônibus contam com um sistema de inclinação para os passageiros com mobilidade reduzida poderem sair do veículo. Eu já tinha visto ônibus com rampas e elevadores para essa mesma finalidade. Me senti um pouco matuta por não conhecer o tal sistema de inclinação. Mas tudo tem uma primeira vez, não é mesmo? Outras modernidades do transporte espanhol Faixas exclusivas para ônibus (e táxis) não são nenhuma novidade. Mas facilitam a vida de quem usa o transporte público espanhol. O mesmo passa com o ar-condicionado nos veículos (durante o verão valenciano é imprescindível) e as entradas USB para carregar o celular. Outra coisa muito conveniente é poder descobrir quantos minutos faltam exatamente para o seu ônibus passar. Além do mostrador digital na parada, dá para consultar na internet ou aplicativo pelo número da parada, antes mesmo de sair de casa. As TVs e alta-vozes nos veículos que anunciam as paradas também auxiliam os mais distraídos. Para completar, se você não tem o cartão do ônibus nem dinheiro trocado para pagar o motorista, pode pagar com cartão de débito diretamente na maquininha. Lotação: a gente também vê por aqui Eu não estava atrasada, mas estava impaciente. Tinha um compromisso importante e precisava cruzar a cidade de ônibus. O mostrador digital dizia que o veículo estava “próximo”, ou seja, a menos de 1 minuto. Mas quando o ônibus apareceu, no visor dianteiro estava escrito “Complet” (completo, lotado). Ao ver que duas pessoas saíram do veículo, eu e outra mulher ignoramos o letreiro e subimos pela porta do meio. A prática é comum por aqui, já que não existe cobrador e dá para pagar nas maquininhas do meio ou de trás. O incomum foi a reação do motorista. [caption id="attachment_170562" align="alignnone" width="750"] As paradas de ônibus de Valência nem sempre estão assim tão vazias. Foto: Tátylla Mendes[/caption] Ele certamente devia estar tendo um mau dia porque se levantou e começou a gritar comigo e com a mulher. Dizia que tínhamos que descer. Que o ônibus estava completo. Que existem regras. Tentamos argumentar que duas pessoas haviam saído. Que havia espaço. Mas não teve jeito. Enquanto não saímos, ele não arrancou o ônibus e essa é mais uma das minhas histórias de transporte público na Espanha. Um contraponto necessário A verdade é que já estive em outros ônibus bem mais “completos” (no Brasil e aqui também). Um dia, durante as últimas Fallas de Valência, tivemos que deixar três metrôs passarem porque nem empurrando com todas as forças havia espaço para entrar. Digo isso para fazer um contraponto, porque acho que é sempre bom lembrar que nada na vida é perfeito. O transporte público espanhol tem suas vantagens e modernidades. Mas também lota algumas vezes. Também tem gente mal-educada (e gente bem-educada). Tem gente tocando no metrô em troca de algumas moedas (principalmente em Barcelona). Nunca vi ninguém vendendo nada dentro de metrôs ou ônibus. Aposto que deve ser proibido. O transporte público nosso de cada dia O número de pessoas que utilizam o transporte público na Espanha supera os 400 milhões de passageiros ao mês. Aliás, em cidades como Madrid, Barcelona e Bilbao, as pessoas preferem utilizar o transporte público do que o carro particular para ir trabalhar e/ou estudar. Aqui em Valência, somando ônibus, metrô e tranvía, foram mais de 18 milhões de passageiros somente em abril. Comento esses dados para demonstrar como é comum utilizar o transporte público por aqui. Pessoas de todas as idades e classes utilizam essa forma de transporte para se deslocar nas cidades e também entre uma cidade e outra. Apesar de fazer também muitos trajetos caminhando, eu sou uma das passageiras assíduas da rede pública de transportes espanhola. Deve ser por isso que falo tanto sobre o tema. São tantos quilômetros rodados quanto histórias para contar. Mas desta vez vou parando por aqui, porque já está quase na hora do meu ônibus passar. Quer se mudar para o país Ibérico e acumular as suas próprias histórias de transporte público na Espanha? Recomendo a leitura do ebook Como Morar na Espanha, que vai te ajudar com todo o planejamento de mudança.

O céu azul é o que tem me feito feliz em Portugal.
Brasileiros na Europa Portugal

O que tem me feito feliz em Portugal? Ah, são tantas coisas!

Author Roberta Schmoi Roberta Schmoi

Após nove meses no país, o período de uma gestação, já tenho bastante clareza sobre o que tem me feito feliz em Portugal. É claro que tudo depende do ponto de partida. Se tivesse chegado aqui saída do Brasil, imagino que fatores como segurança, ensino público e acesso à cultura estariam no topo da lista. Porém, após viver por 12 anos na Alemanha, o que tem me feito feliz em terras lusitanas inclui principalmente coisas que eu não dava tanto valor quando morava no Brasil. Vem conferir a lista! 1. Sorrisos Na minha lista do que tem me feito feliz em Portugal, certamente a coisa principal são os sorrisos. E são esses sorrisos que me lembram o nosso Brasil. Aqui é fácil arrancar sorrisos, brincar com alguém na padaria ou na fila no banco. Do meu ponto de vista, a vida é leve em Portugal porque aqui se compartilha muitos sorrisos diariamente. 2. Carinho com as crianças Uma das coisas mais difíceis na minha experiência alemã, foi a maneira tão diferente que as crianças são tratadas e criadas por lá. Então o que tem me feito feliz em Portugal é observar como meus filhos são tratados no espaço público aqui. Não há uma pessoa que se atreva a repreendê-los por serem crianças com necessidades de criança. Carinho, amor, brincadeiras e sorrisos são oferecidos aos meus filhos em toda e qualquer situação. Eles são acolhidos e amparados como são no Brasil e isso é um presente que valorizo muito. Pequenas demonstrações de afeto cotidianas são mais importantes para mim do que poderia imaginar. 3. Troca genuína Na minha experiência até então, percebo os portugueses muito abertos a trocar experiências e a abrirem o seu mundo para o outro. Reconheço que também trazemos muita alegria e diversão a qualquer país em que chegamos, mas nós brasileiros somos muito mais profundos e capazes de refletir sobre nossas emoções e sentimentos que várias outras culturas. Neste sentido, vejo os portugueses também muito abertos para esta partilha de perspectivas de vida, conversas que vão além, o que tem me feito feliz em Portugal. É um acalento poder conversar sobre experiências com uma pessoa nova sem ser excêntrico por isso. Outro dia, a perita do seguro da minha casa passou três horas batendo papo. 4. Céu azul, natureza e história O clima de Portugal com o seu azul do céu é um pouco como o céu de outono do Rio de Janeiro, onde vivia no Brasil. É um azul especial. Além disso, é um azul presente também no inverno. Vivo em uma região do país onde há uma época de chuvas intensas, mas isso não me incomoda porque, mesmo com as chuvas, o azul vem dar as caras. [caption id="attachment_170553" align="alignnone" width="750"] O contato com a natureza é um dos pontos de destaque que tem me feito feliz em Portugal. Foto: Roberta Schmoi[/caption] Além de olhar para cima e me sentir feliz, adoro a diversidade da natureza e dos monumentos históricos em Portugal. O Vale do Côa, Gerês, Algarve, Gruta Santo António e Alvados, Serra da Estrela, os muitos passadiços, castelos de Portugal e pegadas de dinossauro. O país tem algo para todo mundo e é tudo bem pertinho. 5. Inverno ameno O inverno de Portugal também tem me feito feliz. É um inverno ameno, como os meus outonos morando na Alemanha, mas com mais chuva. Sigo indo à praia no inverno e acho um absurdo quando as pessoas reclamam do frio. O inverno no país luso é um momento onde realizo mais projetos, mas também consigo aproveitar o lado de fora com prazer. 6. O mar O mar é um grande benefício e o que tem me feito feliz em Portugal. Passei treze anos morando longe do mar e não recomendo. Para uma carioca como eu, o mar faz muita falta. Sinto que lugares tocados pelo mar me tranquilizam. Mas não se enganem: me tornei muito mais rata de praia depois que passei uns anos longe dela. Antes eu quase não ia. [caption id="attachment_169822" align="alignnone" width="750"] Morar perto da praia é o que me faz mais feliz em Portugal em qualquer época do ano. Foto: Roberta Schmoi[/caption] É que a presença do mar para quem vem da areia age quase que como uma música de fundo zen. Aquela presença segura e por isso reconfortante no dia a dia que nem sabíamos o quanto poderia fazer falta. 7. O idioma As diferenças entre português brasileiro e português europeu me fazem rir demais. É muito divertido e alegre trocar estas figurinhas com os portugueses. Por exemplo, um grupo de crianças são canalhas. Fora isso, é bom poder usar a minha língua materna. Ainda sou estrangeira, mas me sinto menos estrangeira aqui. Posso ser a minha versão quase original e não me sinto tão apagada. Usar as mesmas piadas e resolver problemas em português me torna mais livre e mais feliz. O que tem me feito feliz em Portugal, talvez não tenha o mesmo efeito em você. A verdade é que a nossa bagagem de vida e nossos objetivos para o futuro que determinam o que faz nosso coração sorrir em um lugar novo. Criei algumas expectativas, pesquisei bastante, mas arriscar foi parte fundamental no processo de descobrir o que me faz feliz neste país. E aí, também tem vontade de viver em terras lusitanas e ser feliz? Dá uma olhada no Programa Morar em Portugal do Euro Dicas. Ele vai te ajudar a organizar o planejamento e fazer uma mudança com responsabilidade!

Paisagem de Urbino no fim da tarde
Brasileiros na Europa Itália

A primeira mudança na Itália a gente nunca esquece!

Author Bruna A. Paroni Bruna A. Paroni

Mudei… de novo! 2024 está sendo um ano repleto de mudanças e novas experiências. No começo do ano, como contei na coluna de março, voltei ao Brasil após 7 anos morando na Itália (e sem nunca ter voltado para o país). Para completar, fiz minha primeira mudança na Itália. Encerrei meu ciclo em Perúgia, cidade onde passei todos esses sete anos em que moro no país. Deixei para trás queridas amigas e amigos, um centro histórico que conheço como a palma da minha mão, memórias e ensinamentos que me transformaram na “adulta” que sou hoje. A primeira mudança dentro da Itália O motivo da mudança? Passei no doutorado na Universidade de Urbino, na homônima cidade. Urbino é uma cidade cuja arquitetura é racional, geométrica, típica do Renascimento. Inclusive, é considerada um dos berços do Renascimento não só italiano como europeu. [caption id="attachment_169948" align="alignnone" width="750"] Palácio Ducal de Urbino, quando me recebeu, em março de 2024. Foto: Bruna Paroni.[/caption] É nessa moldura idílica em que me encontro desde o começo de março. Sua praça principal, com o Palácio Ducal, é Patrimônio da Humanidade da UNESCO desde os anos 1990. Enfim, tem muita história aqui também! Mudança é sempre um perrengue Principalmente se você não dirige e quer economizar! Pois é, eu não dirijo na Itália - não posso pedir a conversão da carteira de motorista, já que sou residente no país há mais de quatro anos, como previsto pelo acordo bilateral já vencido -, além de ter acumulado coisas ao longo desses anos todos (livros, roupas, acessórios para casa, pequenos eletrodomésticos). Ao todo, quase 30 caixas "não muito grandes" cheias de coisas. Isso porque consegui vender o guarda-roupa e a cômoda, e dei a minha escrivaninha para uma amiga. Tive que organizar toda a mudança para poder viajar para o Brasil já sem casa e com a mudança na Itália resolvida. A minha vida em caixas Enquanto eu estive no Brasil, deixei a minha mudança na casa de uma amiga, a Monique, também brasileira. Nesse processo de encaixotar e transportar, pude contar com o apoio de várias pessoas mega especiais que toparam me ajudar nessa empreitada. Maristella, quem me ajudou com a logística de todas as caixas, da minha casa para a casa da Monique. Monique, a guardiã dos meus pertences. Lílian, Matteo, Riccardo pela primeira parte da mudança. Emilie, pela parte final dela. Idas e vindas de Perúgia até que, a tão planejada mudança na Itália estava completa. Finalmente, com as caixas na minha casinha nova, pude perceber o que tinha e o que não é mais necessário, mas principalmente: pude preencher as prateleiras com meus livros. Agora, sim, minha casa se parece comigo. E principalmente, está cheia de cores e histórias, velhas e novas a serem feitas nessa nova cidade. Adaptação à nova cidade Urbino é uma cidade muito, mas muito pequena mesmo. Seus habitantes são poucos, somando cerca de 15 mil. O que dá vida à cidade é justamente a oferta de universidades que a cidade tem. Além da Università degli Studi di Urbino, há a Accademia di Belle Arti e o Istituto Superiore per le Industrie Artistiche. Como deve ter dado para reparar, a cidade é muito “artística”. Não é para menos. Ela foi o berço de ninguém menos do que o Rafael. Sim, aquele Rafael, o famoso pintor da Escola de Atenas, lá no Vaticano. Inclusive, moro a exato 1 minuto de sua casa natal. [caption id="attachment_170833" align="alignnone" width="750"] Na Escola de Atenas aparecem Platão, Aristóteles e Sócrates, entre outros. Foto: domínio público[/caption] Dando vida à casinha nova! Pela primeira vez, estou morando sozinha! Estava precisando morar um tempo num apartamento, sem dividir os espaços com ninguém, e principalmente, ter mais liberdade para ter uma rotina estranha (acordar muito cedo, ficar estudando de madrugada, entre outras coisas). Ainda preciso pendurar alguns quadros e pôsteres, mas aos poucos está ficando com a minha cara. Estou gostando bastante, acho que foi uma ótima escolha para essa mudança na Itália - apesar da grana! [caption id="attachment_170836" align="alignnone" width="750"] Tarsila me julgando e relaxando ao mesmo tempo. Foto: Bruna Paroni.[/caption] A Tarsila, minha gatinha, também está se adaptando bem! Claro, é sempre um processo muito estressante para um gato. Mas devo dizer que, no geral, ela está a cada dia mais tranquila. E nova região também! A cidade é também capital da província de Pesaro-Urbino, que agrupa duas cidades, respectivamente. Enquanto Urbino ficar entre as montanhas, com suas paisagens bucólicas que inspiraram maestros do Renascimento, Pesaro fica na costa, no mar Adriático. A região é Marche - ou Marcas - cuja capital é Ancona. Não é uma região muito turística, o que é ótimo! Aqui, encontra-se de tudo: montanha, mar, campo. Mais próximo a Ancona tem o Parco del Monte Conero, com suas praias de um azul-prateado. Lindo demais. Urbino é um campus universitário O que se respira em Urbino, então, é arte, estudo e vida universitária. Principalmente para os mais jovens, da graduação ("laurea triennale"). Costumo dizer que a cidade é um campus: você tem tudo aqui nesses poucos quilômetros quadrados. Para o meu gosto, é muito pequena. Mas muito mesmo. Vendo pelo lado bom, porém, reparei que o meu nível de produtividade é muito alto. Estudo muito e “bem” - no sentido de que consigo ter uma rotina de estudos bem rígida -, que é o que eu queria vivenciar esses três anos de doutorado. Novos amigos Morar numa cidade universitária faz com que você faça amizade fácil. Conheci os colegas de doutorado dos anos anteriores, e através deles, fui conhecendo novas pessoas. E as pessoas estão mais ou menos na mesma situação que você (mudaram de cidade, são novos na cidade), etc., o que faz com que o acolhimento seja ótimo! Além disso, como é pequena, é comum sair de casa sem planos. Porque você acaba encontrando alguém na rua, num barzinho, e daí fazem-se os planos, encontram-se pessoas. Confesso que é gostoso. [caption id="attachment_170837" align="alignnone" width="750"] Eu, Arturo e Emilie no primeiro dia de primavera em Urbino. Foto: Bruna Paroni.[/caption] Contra qualquer expectativa, eu conheci dois brasileiros incríveis aqui na cidade, o Arturo e a Emilie. Sabendo que eles estão aqui, não me sinto sozinha. Ele, me deixa atualizada sobre o Palmeiras. Ela, minha mentora, além de ser companheira de aventuras (na universidade e fora dela). Lado ruim da mudança na Itália: deixar amigas para trás As minhas amigas são as "coisas" de quem mais sinto falta! Isso é óbvio. Sair para fazer um aperitivo ou dar uma voltinha, nos nossos lugares preferidos. Está sendo um desafio, confesso. A minha sorte é que Perúgia não fica tão longe assim de Urbino - inclusive, em três meses, já fui para lá quatro vezes. Deu para matar a saudade! Nova fase: doutorado! Ano passado, decidi dar esse passo. Afinal, já estava dando aulas de português na Universidade de Perúgia, e percebi que é justamente o ambiente universitário onde gosto de atuar. Talvez pelos estímulos? Não sei. Só sei que, desde que entrei na graduação, não fiquei um ano longe desses espaços acadêmicos, seja como estudante, seja como professora. Seleção de doutorado Grosso modo, os editais de doutorado na Itália seguem mais ou menos o mesmo estilo: você precisa se inscrever apresentando um projeto de pesquisa, currículo e outros documentos pessoais. Há uma pré-seleção, e então provas escritas e/ou orais (tipo entrevista). Não há uma bibliografia, então você precisa saber como defender bem seu projeto. Assim falando, parece tranquilo. Mas confesso que foi uma das coisas mais estressantes que já vivi na minha vida. Pior do que passar na FUVEST! Doutorado com bolsa Na Itália, não é muito comum fazer doutorado sem bolsa. A bolsa de estudo do doutorado consegue cobrir os custos mensais, como moradia, alimentação e vida no geral, mas não sobra nada no fim do mês. Morar em uma cidade como Urbino também ajuda a dar uma contida nos gastos mensais. Tirando o custo do aluguel. Por ter um número de estudantes matriculados praticamente igual ao número de residentes, há poucas casas disponíveis, deixando o centro histórico sem muitas ofertas, elevando assim os preços dos aluguéis. Inclusive, aqui, há muitas ofertas de quartos duplos (dois estudantes que compartilham o mesmo quarto). E não são tão baratos assim. A bolsa de doutorado e a bolsa de pós-doutorado não são corrigidas pela inflação - aliás, nada na Itália é. O cenário econômico sofreu e após a pandemia e a guerra na Ucrânia. E o país, que não via inflação desde 1988, passou a ter níveis muito altos. Para se ter uma ideia, em 2022, a inflação bateu níveis recordes, chegando a mais de 8%. Porém, os doutorandos contribuem ao INPS (o INSS italiano), o que faz com que a bolsa seja vista como um trabalho. Precário, é verdade. Mas trabalho. Estudar, estudar, estudar Sempre gostei de estudar, mas como ando falando para os meus amigos: nunca estudei tanto na vida como no doutorado. Cada pessoa encara esse primeiro ano de uma forma diferente, dependendo também da disciplina, do orientador, do programa de pós-graduação, etc. [caption id="attachment_169949" align="alignnone" width="750"] Música de câmara no Palácio Ducal, sede da Galleria Nazionale delle Marche. Foto: Bruna Paroni.[/caption] Um mundo conhecido, mas, de certa forma, novo para mim, foi o mundo dos métodos quantitativos. Durante o mestrado na Itália, eu fiz uma matéria de estatística e na dissertação, trabalhei com os chamados métodos mistos (qualitativo e quantitativo). Mas agora a coisa ficou mais séria. E principalmente: mais precisa. Estou aprendendo bastante, e inclusive gostando de aprender sobre análise de dados. Para minha pesquisa, é essencial! Balanço dos primeiros meses após a mudança na Itália A minha ideia não é passar os três anos de doutorado aqui. Por enquanto, posso dizer que estou gostando bastante de ter mudado de cidade e, principalmente, de ter uma rotina nova de estudo e trabalho. Gosto de ir para a biblioteca estudar, ou de ficar no Departamento com meu orientador e sua assistente. Consigo focar nas coisas importantes. Estou aprendendo a gostar de Urbino também, e a ver o lado positivo, como a curta distância da praia e, relativamente, de Bolonha, uma cidade rica de atrações culturais, história e inovações sociais. Vamos ver o que essa cidade vai reservar para mim nos próximos meses!

Mulher sentada à beira do Rio Sena
Brasileiros na Europa França

A parisiense é um mito e eu te explico o por quê

Author Bárbara Ábile Bárbara Ábile

Roupas de luxo, boinas, joias, maquiagem e salto alto. Seria essa uma descrição real do estilo das mulheres que encontramos nas ruas de Paris ou apenas o mito da parisiense? Nesta coluna, te levo para pensar sobre isso comigo, em uma tentativa de problematizar esse mito e reformulá-lo a partir de traços mais reais e gentis. Saindo do imaginário Como alguém que trabalha com moda e é apaixonada pelo assunto, me interesso muito pela forma das pessoas se vestirem, e é claro que isso se intensificou quando fui morar na França. Andar pelas ruas de Paris, para mim, é como brincar de caçar tendências. Estou o tempo todo atenta aos tipos de peças que mais aparecem, passo facilmente horas dentro de lojas vendo o que está sendo vendido e, é claro, me inspiro com os vários looks que vejo. Muita gente que sabe desse meu hábito vem me perguntar se as parisienses andam nas ruas como se tivessem saído de um editorial da revista Vogue – ou, para ser mais francesa, da Elle. E toda vez que eu respondo que, definitivamente, elas não andam dessa forma, me olham com um ponto de interrogação estampado na cara. Antes de morar na França, confesso que eu tinha essa mesma crença de como as mulheres, e mais precisamente, as parisienses, se vestiam. No entanto, logo percebi que esse estilo que sempre habitou o imaginário da maioria das pessoas não passa de um mito. Para ser mais precisa: não é que o estilo não exista, mas ele está longe de ser aquilo que as pessoas normalmente imaginam que ele é. Como você caracterizaria o estilo da parisiense? Te faço essa pergunta por um motivo bem simples: eu nem descrevi o tal estilo, mas eu tenho certeza de que você sabe do que eu estou falando. E é bem revelador o fato de que a maioria das pessoas o caracterizem a partir de termos bem semelhantes - e tudo começa com a camiseta listrada, o batom vermelho e a boina. No entanto, se você mora em Paris ou já viajou para a França, talvez tenha reparado que a maioria das pessoas que se vestem assim são, na verdade, as turistas de passagem pela cidade. Apesar disso, é completamente recorrente encontrar parisienses sendo representadas em produções audiovisuais com uma composição de roupa tão perfeita que chega a ser, na minha opinião, ringarde, cafona. A diferença entre ficção e realidade é gritante! Se você se pergunta como essa ideia da parisiense foi construída, eu te digo: ela se solidificou no século passado, mas a gente encontra bem antes disso algumas referências que afirmam que a moradora da capital da França é dona de um estilo muito particular. O estilo da parisiense personificado De maneira geral, a noção da parisiense enquanto ícone de estilo foi sendo difundido através de jornais, literatura, teatro, músicas, revistas, séries, filmes e mais recentemente internet. Contudo, o estilo pouco tem a ver com a origem geográfica, de fato. Não à toa, uma das parisienses mais famosas na década de 1970 era, na verdade, inglesa: Jane Birkin. Um outro nome pode vir à cabeça quando se fala do estilo em questão: a modelo Inès de la Fressange, muito famosa nos anos 1980 e 1990. Nascida no sudoeste da França, sua fama de parisiense é tanta que, em 2010, ela publicou um livro que faz as vezes de um guia de estilo para quem quer adotar essa forma de se vestir. O livro foi lançado em mais de 21 países, se tornou um best-seller e eu admito: tenho um exemplar aqui em casa. [caption id="attachment_171194" align="alignnone" width="750"] Inès de la Fressange defende que o segredo da parisiense está nas combinações de roupas mais simples.[/caption] Um rosto mais contemporâneo desse estilo tão aclamado seria Jeanne Damas. Única da lista que é parisiense até na origem geográfica, nos últimos anos ela chamou muita atenção nas redes sociais, muito por conta de suas aparições nas semanas de moda de sua cidade natal. Damas, que realmente se veste de maneira encantadora, soube rentabilizar a parisiense que habita nela e transformou seu estilo nonchalante em marca de roupas. Também já falei sobre como foi retornar a Paris após 4 anos. Je ne suis pas parisienne – ainda bem! O estilo de se vestir que constitui esse mito da parisiense não se resume em um tipo de roupa específico, até mesmo porque as formas de se vestir se alteram de maneira efêmera na moda. Há outros elementos que ajudam a montar esse perfil, e esses sim, perpassam as décadas e se mantém até hoje. Mas, sinto dizer a vocês que eles são um tanto problemáticos. Eu poderia encarnar minha persona socióloga e discorrer aqui sobre os motivos: de como essa personagem parisiense é criada a partir da hierarquia entre capital e província; até como ela é fruto de uma sociedade patriarcal. Contudo, vou me deter em apenas um ponto: em como esse perfil da parisiense é, no mínimo, contraditório. Afinal, ela é uma mulher que está sempre arrumada e bem-vestida, mas que não pensa em combinação de peças. Que usa pouca ou nenhuma maquiagem, mas não tem acne, linhas de expressão ou problemas de pele. Ou ainda, que não é rica, mas possui produtos de melhor qualidade. Que é magra e aparenta o ar de saudável, apesar de ter uma dieta baseada em vinhos, baguetes e queijos. Não à toa, uma das expressões mais utilizadas para descrevê-la é effortless chic, isto é, chique sem esforço. Em outras palavras, é como se ela fosse “naturalmente” perfeita, segundo um padrão de beleza bem específico, excludente, machista, racista, gordofóbico – a lista é grande! Por isso, ser uma parisiense nesses termos é quase impossível, e nem é porque não nascemos na França. As parisienses reais são inspiradoras Apesar de tudo isso, eu admito que a maioria de mulheres que circulam pela cidade – sejam elas nascidas em Paris ou não – são muito estilosas. Todas elas possuem aquele je ne sais quoi que prende o olhar. E acho que é esse charme misterioso que me motiva tentar descrever o que seria o real estilo da parisiense – ou melhor, das parisienses. Falo no plural porque a forma delas se vestirem são extremamente destoantes entre si. [caption id="attachment_170046" align="alignnone" width="750"] Veja como a moça sentada está vestida. Nada a ver com que imaginamos enquanto parisiense, né? Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Na Rue de Rivoli, você encontrará as que mais estão ligadas em tendências de moda e do TikTok. Em alguns pontos do centro e do norte de Paris, roubam a cena os looks completos de streetwear, no qual reinam os conjuntos. Próximos às Universidades de Paris, observam-se mulheres com roupas mais práticas e simples, mas compostas de forma surpreendente. É claro que tem aquelas mulheres que se vestem como se tivessem saído de uma Fashion Week – e, às vezes, elas realmente estão. Mas também tem aquelas que priorizam o conforto acima de tudo, cujo look se resume em boné, moletom e tênis. Enfim, os estilos das parisienses são muitos e variam conforme inúmeros aspectos. Você pode até achar que um ou outro dá mais ou menos match com o seu gosto pessoal, mas o magnetismo de todos eles é inevitável. Décadence avec élégance Tem um estilo parisiense muito específico que é, de longe o meu preferido. Eu o descreveria como uma mistura de décadence avec élégance, ou em português, decadência com elegância. Nele, as peças vestidas não são coordenadas ou combinadas em cores, estampas e texturas. Às vezes ele aparece como uma mistura de vários elementos, outras com apenas uma cor ou uma estampa dos pés à cabeça. Mas o grande diferencial dele é que sempre tem algum item na composição que não funciona, que destoa. Por exemplo, roupas mais sociais com uma meia neon e estampada aparecendo. Ou, uma combinação perfeita de peças, mas com uma bolsa de luxo ou o sapato caríssimo meio surrados. É o vestido de festa com tênis simples e sem maquiagem. Um batom vermelho, mas levemente borrado. O cabelo com aspecto de sujo, preso em si mesmo. A unha descascada. Há quem diga que é a beleza com a feiura ao mesmo tempo. Eu sou da opinião de que é apenas a vida real, mesmo. Afinal, é impossível ter um cabelo tão alinhado, se você precisa passar pela Avenue de France e suas rajadas de vento. Andar de salto, se você for jantar na rue Mouffetard. A boina inclinada, se você pretende pegar uma bicicleta para ir de um arrondissement a outro. E o batom intacto, se seu plano é dar uma mordida na baguete na volta da padaria. Comparando com o estilo das brasileiras Tomar como parâmetro o estilo das brasileiras é uma ferramenta interessante para delinear melhor o que seria o estilo das parisienses reais. Afinal, os estilos das mulheres da capital francesa são tão distantes dos estilos das mulheres brasileiras, quanto a França é do Brasil. É óbvio que tanto em um, quanto em outro país, a diversidade é enorme, principalmente em termos climáticos. Similarmente, é possível encontrar alguns pontos de encontro entre os estilos, o que pode ser explicado pelo acesso às referências semelhantes, seja através da internet e das redes sociais, seja através de lojas de departamento e marcas que atuam nos dois países. Mas entre a francesa e a brasileira, ou entre a parisiense e a paulista, por exemplo, eu enxergo dois tipos de beleza completamente diferentes, que pode ser resumido no fato de que a segunda me parece mais vaidosa e dedicada à aparência do que a primeira. Um choque de aparências Isso fica muito nítido para mim quando passo um tempo na França e volto para o Brasil e vice-versa: é uma sensação de deslocamento eterno. Sempre que chego no Brasil, me sinto muito desarrumada, ou melhor, mais para “décadénce”. Demoro um tanto de tempo para me acostumar novamente com os modos e modas do meu país de origem. Até que me encontro, e finalmente me aposso de todas as texturas e estampas maravilhosas que só a moda brasileira oferece. E esse estilo se mantém até voltar para a França. [caption id="attachment_171193" align="alignnone" width="750"] Consegue andar de bicileta ou patinete com o que você está vestindo? Isso significa que você fez uma ótima escolha![/caption] Ao chegar no Hexágono após um tempo em terras brasileiras, me sento arrumada demais, montada demais, exageradamente “élégante". E assim, eu vou me desfazendo de grande parte de meu guarda-roupa, repensando minhas escolhas, inserindo um pouquinho mais de décadénce na minha aparência. Decodificando as parisienses reais Tenho a opinião de que na França, e mais precisamente em Paris, a forma das mulheres se vestirem é muito mais simples, confortável e prático se comparamos com o Brasil, de maneira geral. Nesse sentido, tem alguns elementos que eu amo no estilo das mulheres que vejo nas ruas de Paris. Na minha visão, eles ajudam a dar uma precisão ainda maior disso que chamo de estilo das parisienses reais. Preferência por roupas de segunda mão Como vocês já devem saber ou imaginar, loja de roupas é algo que não falta na França. No entanto, enquanto muitos viajantes fazem filas para comprar modelos supostamente exclusivos nas boutiques de luxo, as lojas e comércios de segunda mão, assim como os Mercados de Pulgas, ficam lotados! Dê uma caminhada pelo Marais em um sábado à tarde e você saberá do que eu estou falando. Definitivamente, ir a um brechó em Paris é um investimento de tempo. Por mais que você precise se entregar a uma atividade de garimpo que pode custar a integridade de sua respiração por algumas horas, eu te juro que vale a pena. Depois que entendi o valor desses espaços na cidade, passei a frequentá-los regularmente e te digo com muita felicidade: as crises de espirro que tive valeram muito à pena, tanto esteticamente quanto financeiramente. Cores mais neutras A paleta de cor das roupas que vejo nas ruas de Paris me parece muito mais restrita, em comparação com as que vejo em São Paulo e em outras cidades brasileiras. Na capital francesa, as cores são muito mais neutras, com uma incrível dominância do azul marinho, do branco e do cinza. Mesmo quando se tem cor, é como se as mulheres se vestissem com as tonalidades que vemos na própria cidade: o verde escuro das árvores, o bege dos prédios, o verde claro do Rio Sena, o bordô das portas antigas – ou dos vinhos. [caption id="attachment_170047" align="alignnone" width="750"] Essa foto diz tudo: quase não há distinção entre as cores do ambiente e das roupas das pessoas. Foto: Bárbara Ábile.[/caption] Na minha opinião, acho essas escolhas muito interessantes porque permitem um intercâmbio de peças muito fácil. Um outro tipo de beleza Confesso que sempre fui preguiçosa e pouco habilidosa para fazer penteados no cabelo, mesmo que mais simples. Também detesto a sensação da base no rosto e tenho pavor de manchar peças com pigmento de corretivo ou blush. Por isso me identifiquei muito quando vi que muitas parisienses não se preocupam com o estado do cabelo ou com maquiagens super elaboradas. Um coque meio capenga e um batom malpassado basta – e fica um charme! No entanto, esse ainda é um ponto sensível quando estou no Brasil, e por vezes fico tentada a aprender a fazer um olho bonito ou acertar o lugar o iluminador. A parte boa é que, ao renunciar a tanta maquiagem, aprendi a cuidar melhor da minha pele e tenho sentido benefícios bem interessantes! Detalhes nonchalantes Tem vários outros detalhes no estilo das parisienses reais que me chamam a atenção. Um deles é a quantidade de anéis que elas usam na mão, em sua maioria da cor prata. Outro detalhe interessante é a quase ausência de salto. A não ser em situações muito específicas, o sapato que mais vejo é, sem dúvida, o tênis, e no máximo, uma bota nos dias de chuva. Nos dias de calor, quem reina são as sandálias de estilo chinelo, que deixam à mostra as unhas dos pés pintadas de vermelho. Por fim, noto que aparentemente ter uma ecobag pronta para uso deve fazer parte do modo de sobrevivência de qualquer pessoa que mora em Paris. No caso das mulheres, com frequência vejo a combinação da sacola de pano com uma bolsinha mais arrumadinha, pendurada na transversal do corpo. Aquele empoderamento que faz a gente sorrir Me encantou muito como essas mulheres têm hábitos de se vestir que, muitas vezes, demoram a se enraizar no Brasil. Um deles é o costume de sair com a barriga de fora, independentemente do tamanho da sua barriga. Também adorei (e peguei para mim) a preferência por calças mais largas: esse aqui me surpreendeu bastante, pois na época que percebi isso na França, a calça skinny ainda era o suprassumo do estilo no Brasil. Por fim, a abolição do sutiã no dia a dia também foi algo que me encantou, apesar do choque à primeira vista. Que estilo de parisiense eu quero ter? Acima de questões estéticas e de estilo de vida, uma das coisas mais legais que aprendi com o estilo das parisienses reais é me vestir com mais liberdade e conforto. Além disso, aprendi também que é possível se sentir bem e bonita mesmo não estando dentro de padrões de beleza ou perfeição. E é por isso que sinto que é essencial quebrar esse mito que circula tanto por aí sobre esse estilo em específico. Se aquele da parisiense real te permite várias possibilidades, o da parisiense da boina vermelha coloca uma série de limites e critérios que, como vimos, são um tanto inalcançáveis e ultrapassados -- o que não tem nada a ver com Paris.

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