Centenas de esculturas de até 30 metros de altura, espetáculos pirotécnicos diários, oferendas de flores, desfiles, procissões, música, gastronomia e, para finalizar, fogo! A festa mais popular da cidade – as Fallas de Valência – combina tradição, arte, religiosidade, diversão e sátira.

Evento de interesse turístico internacional, as Fallas foram declaradas em 2016 pela Unesco como patrimônio cultural imaterial da humanidade. Em 2023, mais de 1 milhão de turistas estiveram por aqui durante a celebração. Mas finalmente as Fallas acabaram. Ufa! Que alívio.

Fallas, a festa do fogo

Basta acompanhar os principais programas das Fallas de Valência para perceber: os valencianos são um pouco piromaníacos.

Estou generalizando, é verdade. Mas uma coisa é certa: desde tempos imemoriais, o fogo é o elemento mais característico da principal festa valenciana. Na verdade, a própria palavra “falla” (em valenciano) deriva do latim “facula“, que significa tocha.

A festa começa no último domingo de fevereiro com La Crida, o pregão de abertura das Fallas, que culmina com um espetáculo pirotécnico. A partir daí, esses espetáculos se repetem todos os dias.

De manhã cedinho (7h ou 7h30) são chamados despertà e os demais – às 12h na frente da prefeitura e em outros pontos da cidade em horas diversas – são as mascletàs. Durante 4 noites também são montados castelos de fogos para espetáculos noturnos, concluídos pela Nit del Foc (‘noite do fogo’).

O auge da festa

No encerramento das Fallas, dia 19 de março, depois da despertà e da mascletà da prefeitura, começam as Correfocs (‘corridas de fogo’) até a hora da Cavalgada do Fogo.

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E para fechar com chave de ouro se celebram as cremàs. Ou seja, queimam todas as esculturas produzidas para a festa. Em 2023,  foram 770 esculturas queimadas.

Fascinados pelo fogo

Durante os 19 dias de festa, sempre tem alguém soltando estalinhos, rojões e fogos de artifício, a qualquer hora, dia e noite. Além disso, as programações oficiais (desde a Crida até as cremàs) reúnem centenas de milhares de pessoas. Para ter uma ideia, 170 mil pessoas assistiram as mascletàs do último fim de semana de Fallas em 2023.

Tem mais: nem nos ônibus mais lotados nem nos carnavais mais concorridos do Brasil eu me senti tão esmagada quanto na Crida. Parecia um domingo tranquilo quando eu e meu marido saímos para comprar algumas coisas para nossa viagem ao Brasil.

Quando decidimos voltar para casa, vimos um grupo de músicos seguidos por mulheres vestidas de falleras, que iam na mesma direção que a gente.

Mulheres Falleras
Las Falleras. Foto: Rafa Esteve (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fallas2018_-_Ofrenda_10.jpg)

De repente, outros grupos foram aparecendo. Adultos, adolescentes, idosos, crianças, outros músicos, outras falleras. A aglomeração aumentava e se tornava cada vez mais compacta. Para chegar em casa tivemos que atravessar uma multidão que nem se movia nem deixava de empurrar. Resultado: levamos umas 3 horas para conseguir caminhar pouco menos de 1 km.

Arte, música e gastronomia

Nem só de fogo se fazem as Fallas. Afinal, é preciso ter o que queimar. Para isso, existem as esculturas – chamadas ninots. Entre os dias 15 e 16 de março, se celebra La Plantà, quando as fallas (grupos de criadores e patrocinadores das esculturas) “plantam” seus ninots pelas ruas de Valência.

Há desde ninots que representam situações cotidianas, questões sociais, econômicas e/ou políticas até aqueles inspirados na ficção, na literatura, na mitologia, etc. O traço comum entre eles é que são todos magníficas obras de arte e a maioria têm caráter satírico. Ah, e todos são queimados no final, com exceção do “ninot indultat” que vai para o Museu Fallero.

Além disso, os grupos de fallas também se reúnem para fazer desfiles pelas ruas. Na verdade, essa foi a primeira celebração fallera que eu descobri quando estive em Valência em 2021 (antes de vir morar aqui). Estávamos passeando pelo centro quando vimos uma aglomeração de pessoas.

De repente, o grupo se abriu em duas partes e começou a passar entre todos uma banda musical tocando um pasodoble. E atrás da banda vinham as falleras e falleros, casais vestidos com trajes dos séculos XVIII e XIX.

Museu Fallero em Valência
Esculturas no Museu Fallero. Foto: Rafa Esteve (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fallas2017_18_Museo_Fallero.jpg)

Outra tradição dos grupos de fallas é se reunir para comer paella na rua. Aproveitando que muitas ruas são fechadas para o tráfego no período da festa, eles montam um cercadinho e preparam nessa área toda a estrutura para cozinhar e comer juntos.

Só que as receitas mais típicas do evento são, de fato, os buñuelos (espécie de bolinho de chuva, normalmente feito de abóbora) e os churros. Porque paella a gente encontra por aqui o ano inteiro. Mas é somente durante as Fallas que Valência se enche de food trucks de buñuelos e churros.

O lado religioso das Fallas

Na coluna Mitos sobre a Espanha eu já havia comentado que os espanhóis são bem religiosos, com destaque para a tradição católica. As Fallas de Valência também são exemplo disso, já que se trata de uma festa em homenagem a São José. Aliás, também é comum referir-se ao evento como Festes de Sant Josep (em valenciano).

Não é por acaso que a festa culmina no dia 19 de março, o Dia de São José, segundo a Igreja Católica. Nesta data, após a oferenda de flores em frente à imagem do santo na Ponte de São José, há também uma missa na Catedral em homenagem a ele.

Mas essa não é a única oferenda de flores das Fallas de Valência. Na verdade, a maior delas é feita em homenagem à padroeira da cidade, a Virgem dos Desamparados.

Oferenda de flores nas Fallas
Virgem dos Desamparados após a oferenda de flores. Foto: Rafa Esteve (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fallas2018_-_Ofrenda_-_Plaza_01.jpg

Nos dias 17 e 18 de março, milhares de falleras e falleros percorrem as ruas da cidade em direção à Praça da Virgem, levando um ramo de flores cada um, para ajudar a compor o manto da escultura religiosa.

Uma festa de origem incerta

Apesar do caráter religioso das Fallas de Valência, há quem diga que se trata de uma festa de origem pagã. Devido a intensa relação da festa com o fogo, é bem possível que essa celebração tenha sido inspirada pelo ritual arcaico de acender fogueiras durante o equinócio de primavera.

Apesar dessa teoria não ser comprovada, uma coisa é certa: foi com a dominação árabe sobre a Península Ibérica que se alastrou por aqui o uso da pólvora e das pirotecnias, utilizadas com fins militares e também lúdicos.

Em todo caso, segundo a versão mais popular, a festa foi iniciada pela agremiação de carpinteiros. Contam que na véspera do Dia de São José –padroeiro da classe– esses profissionais faziam uma grande fogueira para queimar os postes de lamparinas usados durante o inverno, assim como restos de madeira, de roupas, etc.

Com o passar do tempo, todos esses restos foram dando forma aos primeiros ninots.

As críticas

Eu não sou uma grande fã das Fallas.

Adoro admirar os ninots e queria que os carrinhos de buñuelos e churros durassem o ano inteiro. O problema, para mim, é a barulheira que segue por 19 dias sem parar. Fogos, estalinhos, rojões, estalinhos, rojões, fogos.

E durante a noite, festas sem parar, as chamadas “verbenas”, e mais fogos, estalinhos e rojões. Sem descanso e sem feriado, exceto pelo dia 19 de março, que além de ser Dia de São José, por aqui também é comemorado o Dia dos Pais.

Porém, sendo estrangeira em terra alheia, eu trato de respeitar a tradição. Fico bem feliz quando a festa acaba, mas tento não reclamar. Deixo as queixas por conta dos próprios valencianos. Sim, porque tem muitos valencianos que reclamam.

Fallas 2021 em Valência
Um dos ninots das Fallas de 2021. Foto: Tátylla Mendes

Alguns, como eu, se incomodam com o alto nível de ruído dia e noite. Mas há também quem reclame da sujeira deixada pelos participantes da festa, do congestionamento de estações de trem e de transportes públicos, da falta de controle sobre os postos temporários de comida, da interrupção do tráfego em várias ruas da cidade e da alta quantidade de furtos durante o evento.

Isso sem contar a contaminação atmosférica causada por 19 dias de fogos arrematados por centenas de fogueiras.

A festa acaba, mas continua

Quando eu ainda vivia no Brasil, eu achava muito bonito ver, na noite de Ano Novo, os fogos de artifício. Minha opinião sobre essas comemorações explosivas começou a mudar com a ‘semana’ de São João em Barcelona, como contei na coluna Com que hábitos espanhóis pode ser difícil de se acostumar. E nem preciso dizer que as Fallas de Valência só fizeram piorar a situação.

Felizmente, as Fallas não duram o ano inteiro. O problema é que a fascinação dos valencianos pelos fogos, essa sim é bastante persistente. Por isso, os espetáculos pirotécnicos não se resumem às Fallas. Há mascletàs na Páscoa, no Dia de São Vicente de Ferrer, no Dia de São João e em muitas outras datas ao longo do ano.

Por sorte, nesses casos, a algazarra é pontual e passageira.

A lição do fogo

Apesar de eu sempre comemorar quando as Fallas acabam, entendo que também há outras perspectivas válidas. Para quem é turista, por exemplo, se trata de uma experiência singular repleta de arte, cultura e diversão.

Ao mesmo tempo, para muitos valencianos, as Fallas são como nosso Carnaval. Uma festa tradicional que funciona como uma válvula de escape, para liberar as tensões contidas durante o ano e deixar a diversão rolar solta.

Fallas de Valência em 2022
Um dos ninots das Fallas de 2022. Foto: Tátylla Mendes

Além disso, acredito que também é possível aprender algo com as Fallas de Valência. Em um primeiro momento, é bem comum sentir um pouco de dó quando começam a queimar todas as esculturas produzidas para a festa.

Mas é exatamente essa característica singular do evento que nos permite refletir sobre o ciclo da vida. Afinal, sempre é preciso que algo se acabe para poder começar de novo.

*As opiniões dos colunistas não refletem necessariamente a opinião do site Euro Dicas.