Saber adaptar-se é um dos grandes segredos da vida, já dizia Darwin. Ao mudar de país, então, essa capacidade de adaptação é ainda mais importante. Porque são muitas as mudanças envolvidas nesse processo.

Mas é verdade que tem algumas coisas com as quais pode ser difícil de se acostumar. Isso varia, é claro, de país para país e de pessoa para pessoa. Depois de quatro anos vivendo na Espanha, te conto os hábitos espanhóis que seguem parecendo estranhos ou incômodos para mim.

Prefere ouvir essa coluna? Dê play abaixo!

Saudades da comida brasileira

Paelha, tortilha de batata, “jamón serrano”, gazpacho, “croquetas”, camarões no alho, lentilhas com linguiça… A culinária espanhola é uma verdadeira delícia. Portanto, esse não é exatamente um dos hábitos espanhóis que me estranham ou incomodam.

Porém, a comida é um elemento de identificação cultural muito forte. E não tem como não sentir saudade da nossa comida brasileira. Quer dizer, não é que seja difícil se acostumar com a culinária espanhola. O que eu acho que pode ser difícil para algumas pessoas é se acostumar a ficar sem a culinária brasileira.

“Tome guaraná, suco de caju”

Como eu comentei na coluna Fazendo a mala para mudar para a Espanha, é possível sim encontrar alguns alimentos bem brasileiros por aqui. Exemplos: guaraná Antarctica, feijão, pão de queijo, tapioca. Eu diria, inclusive, que é bem mais fácil encontrar esse tipo de alimentos aqui na Espanha do que em outros países da Europa.

Comprar euro mais barato?

A melhor forma de garantir a moeda europeia é através de um cartão de débito internacional. Recomendamos o Cartão da Wise, ele é multimoeda, tem o melhor câmbio e você pode utilizá-lo para compras e transferências pelo mundo. Não perca dinheiro com taxas, economize com a Wise.

Cotar Agora →

Mas tem coisas que não se encontram. Do caju, por exemplo, só chega mesmo a castanha. E nem sempre as iguarias brasileiras são tão acessíveis ou baratas.

Placa anunciando pão de queijo
A placa explica: “Delicioso pão elaborado com farinha de mandioca e queijo na massa”. Foto de Tátylla Mendes

Aqui em Valência tem um café especializado em pão de queijo que vende a unidade (tamanho médio) a 2,20€. Fazer em casa pode até ser uma alternativa para economizar. Mas para isso é preciso ter polvilho – coisa rara por aqui. E o único mercadinho brasileiro se encontra do outro lado da cidade.

Veja também o que tem de real na Espanha dos filmes.

Atenção à hora de comer

Os espanhóis costumam deixar muitas coisas para mais tarde, entre elas, as refeições. Esse é um dos hábitos espanhóis que é considerado estranho, inclusive, por franceses, alemães e outros europeus.

É normal, por exemplo, que os restaurantes só abram para o almoço a partir das 13h30 ou 14h e, para o jantar, a partir das 19h30 ou 20h. Claro que, se você cozinha em casa, pode comer na hora que quiser. Mas é muito comum que as empresas só liberem seus funcionários para almoçar a partir das 13h30 ou 14h, ou marquem uma reunião ou evento para as 12h.

Para completar, na sexta-feira e durante o verão, várias empresas fazem horário intensivo, trabalhando direto até 15h ou 15h30.

“A cozinha está fechada”

Também é preciso ter atenção à hora limite para comer em um restaurante. É claro que, em cidades grandes, sempre é possível encontrar um fast food para comer qualquer coisa a quase qualquer hora. Mas em cidades pequenas não costuma haver essa opção.

Se você entrar em um bar ou restaurante entre as 16h e as 19h ou 20h, é muito provável ouvir a frase “A cozinha está fechada”. Já aconteceu comigo várias vezes ao viajar por cidades pequenas da Espanha, com os horários desajustados pela folga.

A hora dos mercados

Além de prestar atenção às horas de comer, também é importante ter atenção às horas de fazer as compras. A maioria dos mercados fecha aos domingos. Alguns também fecham para a siesta nos dias de semana e/ou nos sábados. E mercado 24h eu até agora não encontrei nenhum.

A grande “siesta” do verão

Minha mãe teve uma loja em Brasília por uns 10 anos. Nessa década, ela tirou férias apenas duas vezes e por um período máximo de 10 dias. Nada mais distante da realidade espanhola. Aqui todo mundo tem (e entende que tem) direito às férias.

Resultado: no verão, a maioria das lojas estão fechadas. Você passeia pelas ruas em agosto e, na maioria das fachadas, encontra um cartaz: “Estamos de férias. Voltamos em setembro”.

Pela experiência que tive com a minha mãe, esse é um dos hábitos espanhóis que eu considero mais estranhos. Apesar de que me parece bastante justo. E eu já ouvi dizer que na França isso também acontece.

Comemorações explosivas

Quando eu vivia em Barcelona um dos hábitos espanhóis que mais me incomodavam era a forma de celebrar São João. A noite de São João é entre os dias 23 e 24 de junho. Mas uma semana antes já começam as explosões: fogos de artifício, estalinhos, rojões. É uma barulheira que não acaba mais.

Cheguei a Valência pensando que ia me livrar de toda essa zoada e, realmente, na festa de São João não há tanto barulho. Em compensação, durante as Fallasfesta mais tradicional da Comunidade Valenciana – a algazarra é ainda mais ruidosa.

Além dos shows pirotécnicos que acontecem duas vezes ao dia, é possível ouvir rojões explodindo a todas horas, inclusive de madrugada, durante uns 20 dias seguidos. Se eu me assusto, imagina os animais de estimação.

Fallas, um dos hábitos espanhóis bonitos e incômodos
Fumaça colorida deixada por um espetáculo pirotécnico durante as Fallas. Apesar da beleza, é um dos hábitos espanhóis que podem ser bastante incômodos. Foto de Tátylla Mendes

A explosão dos touros

Nas cidades grandes em que ainda há touradas, elas normalmente são realizadas nas arenas de touros. Então, você escolhe se participa ou não. Só que, para minha surpresa, nas cidades pequenas, não é bem assim.

Outro dia, em um camping de Montanejos, a recepcionista veio toda contente nos contar que, “por sorte”, havíamos chegado no dia da festa de touros. E disse que tivéssemos cuidado ao passar por algumas ruas à noite porque eles soltavam o touro para perseguí-lo.

Decidimos, então, passar a noite no camping, mas ainda assim foi triste ver, no dia seguinte, as manchas de sangue pelas ruas.

Também já contei sobre como foi o meu fim de ano à espanhola.

Compartilhar apartamento

Alugar um imóvel na Espanha é caro e, além disso, costuma haver uma série de exigências e burocracias envolvidas no processo. Por isso, é muito comum alugar apenas um quarto e dividir o imóvel com outras pessoas.

Na coluna Compartilhar apartamento na Espanha eu já dei dicas sobre o tema e contei algumas das minhas experiências (desde uma visita da polícia até uma história de amor).

Aliás, compartilhar apartamento – mesmo que seja com estranhos – pode até não ser um dos hábitos espanhóis mais difíceis de se acostumar. Mas as experiências vividas, essas sim, podem ser estranhas ou incômodas algumas vezes, como também podem ser divertidas ou enriquecedoras.

Todos os empreendedores são iguais

Em 2008 foi criada no Brasil a figura jurídica do microempreendedor individual. Aquela pessoa que trabalha de forma autônoma, tem no máximo um empregado e ganha pouco ao ano. É o meu caso.

O problema é que aqui na Espanha não tem essa de microempreendedor, pequeno empreendedor, grande empreendedor. Todos os empreendedores autônomos, independentemente de quanto ganham ao ano, pagam a mesma taxa para a Seguridade Social, além dos impostos proporcionais para a Fazenda.

Não posso dizer que esse é um dos hábitos espanhóis que mais me incomodam porque não se trata exatamente de um hábito. De toda forma, além de me parecer meio injusto, é uma realidade difícil de se acostumar.

A seriedade dos catalães

Na coluna Morar em Barcelona é morar na Espanha? eu já comentei sobre algumas diferenças entre a cultura catalã e a cultura espanhola em geral. Um dos fatores que interferem nessa questão é que os catalães têm certa influência francesa. O próprio idioma catalão inclui palavras de origem francesa, como merci (obrigado/a) e sortida (saída).

Outra similaridade entre catalães e franceses é o jeito de ser. Generalizar seria um erro (nem todos os catalães e nem todos os franceses são assim). Mas eu diria que muitos catalães são mais sérios, mais secos ou frios no trato com desconhecidos ou com aqueles que são simplesmente colegas.

Esse é um dos hábitos espanhóis, ou melhor, um dos hábitos catalães, que pode parecer estranho ou incômodo para nós brasileiros. Aliás, eu já ouvi inclusive outros espanhóis e pessoas de outras nacionalidades com queixas parecidas.

A Espanha monárquica

Ainda existem no mundo duas formas de governo que eu (pessoalmente) não consigo aceitar completamente: a ditadura e a monarquia. A Espanha é uma monarquia parlamentar. Portanto, os poderes do rei são limitados pelo Parlamento. Mas por que, então, continuar tendo um rei?

É verdade que, apesar de me parecer um regime retrógrado, alguns países monárquicos são bastante avançados social e economicamente, como Inglaterra e Bélgica. Além disso, aqui na Espanha, eu diria que, no dia a dia, a existência do rei não faz muita diferença.

Palácio do rei em Barcelona
O Palacete Albéniz, em Montjuïc, é a residência oficial do rei em suas visitas a Barcelona. Foto de Tátylla Mendes

O único momento em que a monarquia espanhola chegou realmente a me incomodar foi quando não me deram o diploma oficial do mestrado. Para recebê-lo, me disseram que eu precisava pagar mais de 300€, porque o rei deveria assiná-lo. Eu não sabia se ria ou se chorava.

Mas uma coisa eu sei: defender a monarquia continua sendo um dos hábitos espanhóis que me parecem mais estranhos. Apesar de que nem todos os espanhóis são a favor do regime. Ufa!