Você sabe qual é o prato mais típico da Espanha? E qual é o gênero musical mais tradicional no país? Se você pensou na paelha e no flamenco, errou. Mas pode ficar tranquilo que este artigo é exatamente para esclarecer alguns dos principais mitos sobre a Espanha.

Se você está preparado para desfazer alguns estereótipos e generalizações sobre esse país ibérico e conhecer mais sobre a cultura espanhola, acompanhe:

Mitos sobre a Espanha: o espanhol

“Desculpe, eu ainda não falo muito bem o espanhol” – eu disse, como uma justificativa para minha pronúncia imperfeita de estrangeira recém-chegada.

“Não tem problema. Mas o nome desse idioma ao que você se refere é castelhano” – me corrigiu o senhor que falava comigo.

Na hora, eu fiquei confusa. “Mas espanhol e castelhano não é a mesma coisa?”, eu pensei. E a resposta é: sim e não. Sim, no dicionário e na Wikipédia, as duas palavras são consideradas sinônimas.

Só que muitos espanhóis preferem dizer castelhano para referir-se ao idioma que nasceu no Reino de Castilha e, assim, diferenciá-lo dos outros idiomas do país.

O exemplo da Catalunha

Antes de chegar a Barcelona para fazer o meu mestrado, eu passei dois anos estudando espanhol (ou melhor, castelhano). Ter essa dedicação facilitou muito a minha vida durante o curso. Mas não exatamente em todos os casos.

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Afinal, não era raro que meus colegas de classe barceloneses começassem a falar em catalão entre eles. Ou que um professor soltasse uma “catalanada” (expressão própria da língua). E eu já perdi a conta do número de vezes que eu falei com algum catalão em castelhano e ele me respondeu em catalão.

Há quem leve para o pessoal esses tipos de situações. Mas a questão se desmistifica um pouco ao saber que, na Catalunha, tanto o castelhano quanto o catalão são considerados idiomas oficiais.

Na escola, os catalães aprendem ambos os idiomas. Só que, dependendo da cidade ou da família, pratica-se mais um idioma ou outro ou ambos. Eu já ouvi, inclusive, pessoas começarem a falar em castelhano e continuarem a frase em catalão, sem nem perceber a troca de idioma.

Os outros idiomas da Espanha

Na verdade, segundo a Constituição Espanhola, o castelhano é a língua oficial do Estado. Só que as demais línguas espanholas também são oficiais em suas respectivas Comunidades Autônomas.

O catalão é o segundo idioma mais falado na Espanha (depois do castelhano). De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), 12,4% dos espanhóis falam catalão como língua materna.

Além disso: 6,2% falam galego (língua oficial da Galícia); 4,4%, valenciano (da Comunidade Valenciana); e 2%, euskera ou basco (do País Basco).

Sem contar as línguas minoritárias, como: aranês, aragonês, asturiano, benasquês, cantabro, eonaviego (galego-asturiano), extremenho, fala, leonês, murciano e silbo gomero (um idioma não verbal assobiado).

Portanto, associar diretamente a Espanha ao idioma espanhol é um dos grandes mitos sobre a Espanha.

Placa em Astúrias
Placa sobre a “Calle de la Corrada” de Gijón, em castelhano, inglês e asturiano. Foto de Tátylla Mendes.

Uma boa forma de conhecer mais sobre a cultura do país é por meio dos filmes e séries sobre a Espanha.

Mitos sobre a Espanha: a paelha

Ao pensar na culinária espanhola, a paelha é o primeiro prato que vem à cabeça de muita gente. Mas esse é outro dos mitos sobre a Espanha, já que a paelha não é o prato nacional por excelência.

Sim, é verdade que, atualmente, é possível comer paelha em quase todo o país. Mas a demanda é, muitas vezes, o que justifica a oferta. Se os turistas querem paelha, “paelha seja feita”.

Em Barcelona, por exemplo, muitos bares e restaurantes servem paelha. Ainda que a maioria deles seja de proprietários chineses. E apenas alguns restaurantes espanhóis da cidade especializam-se realmente no prato.

A paelha original

O arroz é o ingrediente principal da paelha. Não é de se estranhar, portanto, que o prato tenha origem em uma região produtora de arroz, nas proximidades do lago da Albufeira, ao sul de Valência.

Só que o que mais me surpreendeu não foi descobrir que a paelha é um prato tradicionalmente valenciano. Mas sim saber que a paelha original não é a de mariscos.

Frango, coelho, vagem, feijão-de-lima, tomate, arroz, azeite de oliva, água, açafrão e sal são os 10 ingredientes básicos para o preparo da paelha tradicional valenciana.

Para completar, a receita tradicional é preparada em uma frigideira especial, também chamada de paelha (ou paelheira), e cozida em fogo à lenha.

Outros pratos típicos da Espanha

Após mais de três anos vivendo em terras espanholas, eu diria que o verdadeiro prato nacional por excelência são dois: o pão e o azeite. Porque qualquer refeição do dia e qualquer receita costuma ser sempre acompanhada por esses dois ingredientes. E isso vale para todos os cantos do país.

Mas em cada região da Espanha há diferentes pratos típicos que vale a pena provar. Na Catalunha, por exemplo, o tradicional mesmo é o pão com tomate, a tortilha de batatas, as batatas bravas, os embutidos e os calçots.

Na Andaluzia, o rabo de touro. Em Astúrias, a fabada. No País Basco, os pinchos. Na Comunidade Madrilenha, o cozido madrilenho e os “bocadillos de calamares” (sanduíches de lula à milanesa). Tudo sempre acompanhado de pão e azeite, claro.

Mitos sobre a Espanha: o flamenco

Apesar de ser o gênero de música e dança espanhol com maior repercussão internacional, o flamenco não é tradicional em todo o país. É um ritmo tipicamente andaluz. Ou era isso que eu pensava.

Por isso, quando eu fui turistar pela Andaluzia, no ano passado, fiz questão de ir a um tablado flamenco ver um espetáculo tradicional (e recomendo). Só que, para minha surpresa, a maioria dos tablados tradicionais de flamenco eram ciganos.

Foi em Granada, no Museu das Covas do Sacromonte, que eu descobri que esse gênero realmente nasceu na Andaluzia. Mas que, além da influência cigana, recebeu também influências do canto litúrgico bizantino, dos árabes e até da Índia.

De todo modo, é verdade que, nas cidades maiores, é possível encontrar alguns tablados flamencos para apreciar o gênero. Neste caso, novamente, a demanda puxa a oferta.

Mas é importante lembrar que cada região tem seus respectivos gêneros tradicionais. Na Catalunha, por exemplo, a dança típica é a sardana.

Flamenco na Espanha
Flamenco em Sevilha, na Praça da Espanha.

Uma meia verdade: as touradas

Há quem diga que as touradas fazem parte da cultura espanhola. Esse não chega a ser um dos mitos sobre a Espanha, mas eu diria que é uma meia verdade.

Por um lado, é verdade que, desde 2013, a tauromaquia foi declarada por lei como parte do patrimônio histórico e cultural espanhol. E as touradas continuam sendo realizadas em algumas partes do país, assim como outros eventos similares utilizando touros.

Mas o tema costuma provocar muitas controvérsias, entre os próprios espanhóis, inclusive. Nas Ilhas Canárias, por exemplo, a prática é proibida desde 1991.

Na Catalunha, houve uma tentativa, em 2010, de realizar uma proibição similar, que foi anulada posteriormente pelo Tribunal Constitucional. Mas desde então não houve mais touradas na região. E as antigas praças de touros da capital catalã – Barcelona – já foram todas convertidas em centros comerciais e/ou de eventos.

Além disso, 125 municípios espanhóis são declaradamente anti taurinos segundo a plataforma CAS Internacional. E entre 2010 e 2019, os eventos taurinos na Espanha já diminuíram em 42% de acordo com o Ministério da Cultura.

Outra meia verdade: a siesta

O ano era 2013. Eu tinha acabado de chegar a Ibiza, aluguei uma moto e fui direto ao camping que tinha reservado, na Cala Bassa. Mas chegando lá a recepção estava fechada.

Eram 13h30 mais ou menos e uma placa na porta informava que eles só voltariam a abrir às 16h30. Resolvi, então, dar uma volta enquanto esperava. E foi aí que eu percebi que não era uma exclusividade do camping. Tudo mais estava fechado. Culpa de quem? Da “siesta”.

A “siesta” é o hábito de dormir depois do almoço – um costume que, logicamente, não se restringe à Espanha. Só que, nesse país ibérico, a “siesta”, além de ser uma tradição histórica, é extremamente difundida.

Fecha tudo mesmo?

Pela minha experiência viajando por aqui, eu posso dizer que, nas cidades pequenas da Espanha, praticamente tudo fecha para a “siesta”. Mas nas cidades grandes também há muitos adeptos do costume, como é o caso da maioria dos pequenos comércios de bairro.

Portanto, a “siesta” não é um dos mitos sobre a Espanha. Só que, assim como as touradas, considero que é uma meia verdade.

Afinal, há diversos comércios que contrariam o costume e permanecem abertos sem interrupção no meio do dia. Ainda que essa exceção refere-se, em geral, a lojas de grandes marcas e comércios em zonas turísticas.

Além disso, as empresas de serviços e a indústria nem sempre liberam seus trabalhadores para a “siesta”. Se for uma multinacional, então, é praticamente impossível.

É preciso levar em conta ainda que, mesmo quem é liberado para a “siesta” nem sempre utiliza esse tempo para tirar um cochilo depois de comer. Há quem simplesmente alongue o almoço, quem decida cuidar do pet, quem dedique o tempo a estudar, entre outros casos.

Outras diferenças de horários

Como já deu para perceber, não há uma regra para a “siesta”. Ela pode ou não ser feita e cada empresa decide o tempo de duração desse período de descanso.

Mas uma coisa é certa: para compensar o tempo em que ficaram fechadas no meio do dia, muitas lojas alargam seus horários de funcionamento até às 21h ou 22h. Então, pode até ser que você não consiga resolver coisas no horário de almoço (como é costume em outros países). Mas você pode deixá-las para mais tarde, depois do expediente.

Aliás, é válido comentar que os espanhóis deixam muitas coisas para mais tarde. O almoço, por exemplo, costuma ser entre 14h e 15h, enquanto o jantar fica para depois das 21h.

Mitos sobre a Espanha: o clima

A Espanha tem a fama de ser um país ensolarado, de clima ameno e agradável. Mas eu diria que esse é outro dos mitos sobre a Espanha, já que na maior parte do país não é bem assim.

Ao Norte da península, por exemplo, de Galícia a Navarra, as chuvas costumam ser abundantes durante praticamente todo o ano. As zonas de montanha, por sua vez, têm invernos muito largos e frios, podendo chegar a mínimas de -13 ºC em alguns momentos.

Aliás, o inverno em Madri também me pareceu bastante frio para meu gosto brasileiro. A temperatura nem era tão baixa: 0 ºC. Mas eu parecia uma cebola de tantas capas de roupa que vesti e seguia tremendo de frio.

Por outro lado, há cidades espanholas em que o verão chega a ser quase insuportável para os menos resistentes ao calor (dentre elas, o verão valenciano). No ano passado, Córdoba bateu o recorde: 47 ºC.

Estive na cidade em setembro (já no final do verão) e sobrevivi a uma tarde com 42 ºC. Como? No quarto da pousada, com o ar-condicionado no máximo, aproveitando que estava praticamente tudo fechado nesse momento. Nesses casos, fazer a “siesta” é quase inevitável.

Mudança climática

Ok, ok, há cidades espanholas em que o clima realmente é mais ameno. Barcelona (onde eu morei três anos) e Valência (onde moro agora) são bons exemplos disso. Talvez por sua localização no mapa ou por estar ao nível do mar.

Ainda assim, é curioso saber que nevou em Barcelona este ano (nas partes mais altas do Collserola) – o que é raro – e aqui em Valência, uns dias atrás, choveu tanto que deixou praticamente toda a cidade alagada.

Imagino que muitas dessas situações extremas ou incomuns podem ter relação com a questão da mudança climática. Em um país de clima temperado, com estações bem marcadas – como é o caso da Espanha – me parece ainda mais fácil perceber as modificações que já começam a ocorrer.

Ainda assim, é verdade que, em comparação com outros países europeus localizados mais ao Norte (como Inglaterra, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca, etc.), o clima espanhol pode ser considerado bem mais ensolarado e ameno.

Quem sabe, então, o clima não seja, de todo, um dos mitos sobre a Espanha. Será uma meia verdade? Acredito que tudo depende do seu ponto de referência, ou seja, da expectativa que você tenha do país.

Um país tradicionalmente religioso?

Não se trata exatamente de um dos mitos sobre a Espanha. Mas se tem algo sobre a cultura espanhola que eu só descobri quando cheguei aqui (e me surpreendeu) foi o quanto os espanhóis são religiosos. Eu não tenho nada contra nenhuma religião ou crença. Mas isso era algo que eu realmente não imaginava sobre o país.

Só para se ter uma ideia, em 2018, 64,8% dos espanhóis se autodeclaravam católicos, segundo o Observatório do Pluralismo Religioso da Espanha. Somados aos confessantes de outras doutrinas, os religiosos chegavam, nesse ano, a 70,4% da população espanhola.

Uma porcentagem que pode até não parecer grande coisa se comparada ao Brasil, cuja soma de católicos, evangélicos e adeptos de outras religiões supera os 88% da população, conforme dados de 2019 do Datafolha.

Quer saber, então, de onde veio minha surpresa?

Igreja Sagrada Família, em Barcelona.
A Sagrada Família, um dos pontos turísticos mais concorridos de Barcelona. Foto de Tátylla Mendes.

Celebrações religiosas da Espanha

Contar as horas pelas badaladas do sino da igreja não era algo comum para mim quando vivia no Brasil. Imagino que quem vive perto de alguma igreja matriz ou em pequenas cidades brasileiras talvez conserve esse hábito. Um costume que eu só adquiri depois de chegar à Espanha. Porque haja igreja! E haja sino badalando!

Mas o que mais me chama a atenção, na verdade, é a quantidade de celebrações religiosas tradicionais que existem por aqui. E a representatividade desses eventos a nível público.

No Corpus Christi, por exemplo, os fiéis se juntam para compor imensos tapetes de flores que decoram várias cidades da Espanha. Em Barcelona ainda se mantém a tradição do ovo que dança na fonte. O Dia de Reis, por sua vez, chega a ser mais celebrado do que o próprio Natal.

E há ainda feriados nacionais como o da Assunção da Virgem (15 de agosto) e da Imaculada Concepção (de Maria, 8 de dezembro).

Além disso, você sabia, por exemplo, que na Catalunha a Páscoa é celebrada duas vezes? A Segunda Páscoa é comemorada 50 dias depois da primeira, celebrando o Pentecostes.

“Háblame en cristiano”

Ao pé da letra, essa expressão quer dizer “fale-me em cristão” ou “diga-me em termos cristãos”. Mas na verdade, “háblame en cristiano” é um pedido para que a pessoa use uma linguagem mais simples e compreensível. Algo como pedir a um advogado que esteja usando termos jurídicos: “traduz ao português” (ou, no caso, traduz ao castelhano).

Aliás, a frase é muito conhecida e utilizada em toda a Espanha. Não apenas para pedir que uma pessoa use termos mais simples, mas também para pedir a nativos de outras línguas que falem em castelhano.

É como se existisse uma relação implícita entre o idioma castelhano e a religião cristã. Uma ideia que surgiu quando árabes, judeus e cristãos conviviam no país, cada um praticando sua fé e seu próprio idioma.

Um país grande e plural

Olhando por outro ângulo, há também uma grande porcentagem de espanhóis que declaram não ter religião. Em 2018, eram 28,6%.

Para ter um nível de comparação, em 2019, somente 10% dos brasileiros declaravam não ter religião. Além disso, durante a pandemia, o número de ateus e agnósticos espanhóis seguiu aumentando, chegando a 37,1% em 2021.

Portanto, assim como nos demais casos – do espanhol ao clima, da paelha à “siesta” –, dizer que a Espanha é um país religioso é uma generalização. E como toda generalização dá conta apenas da ponta do iceberg, ela acaba sendo, quase sempre, um mito.

A questão é entender que todo país, por menor que seja, sempre vai apresentar diversidades que vão muito além dos nossos estereótipos e generalizações. Afinal, todo país é formado por pessoas diversas. Imagina, então, a Espanha, que é o segundo maior país da Europa.