Em 2010, a Unesco decidiu classificar a gastronomia francesa como patrimônio cultural imaterial da humanidade. Esta categoria, criada em 2003, tem como objetivo proteger práticas culturais e saberes tradicionais, da mesma forma feita com os locais e monumentos mundo afora. Para os franceses, a decisão foi apenas a oficialização de uma marca registrada do país. Mas o que sabemos nós, os forasteiros, sobre o francês e a comida? Que comem pouquinho? Que comem comidas estranhas como escargot?
Entre mitos e verdades, uma coisa é certa: comer na França não é apenas uma necessidade física, mas uma via de elevação da alma. Vejamos a seguir alguns traços desse elo quase religioso entre os franceses e a comida.
Minimalismo culinário
Logo na fase inicial como moradora de Paris, resolvi oferecer um bacalhau com natas na república (aqui chamada de colocation) onde morei por um mês. Éramos um total de cinco pessoas para o jantar. Boa brasileira que sou, preparei logo duas travessas. O amigo francês com quem morava foi me ajudar tirando o prato do forno e levou um susto.
– Mas por que fez toda essa quantidade???? Vai sobrar!
Naquele momento o choque cultural se fez presente: sobrar para um brasileiro é sinal de fartura e generosidade. Para um francês, é exagero e desperdício. A lição aprendida logo nos primeiros dias foi sendo consolidada à medida da maior convivência com os locais.
Pequenas porções, imensa fartura
Por aqui não se desmarca um compromisso em cima da hora. E se marca jantares, almoços e afins com antecedência. Sem contar a necessidade de se dedicar um tempo para cada refeição. A confirmação e o cumprimento do compromisso são sagrados. As pessoas contam com um determinado número e compram a quantidade a ser oferecida na medida exata.
Mas não se iludam: não desperdiçar comida não quer dizer condenar os comensais à fome, como nós brasileiros exagerados temos tendência de achar. O ritual gastronômico francês inclui pelo menos 5 etapas:
- Apèro: os aperitivos para começar que podem ser canapés, pequenos crustáceos, coquetéis, legumes com molhos, entre outros;
- Entrada: vai de sopa a saladas, mas crustáceos, ovos, frios ou algum queijo tradicional servido quente também entram no cardápio;
- Prato principal: normalmente uma proteína animal – que pode ser peixe, carne de boi, porco, carneiro ou ave (incluindo pato e peru) acompanhada de legumes, batata ou alguma massa folhada. Tudo com muitos molhos maravilhosos feitos à base de manteiga ou azeite, dependendo da região;
- Queijos: sim, o hábito de comer queijo antes da sobremesa ainda é sagrado em uma refeição familiar ou tradicional;
- Sobremesa: aí vai desde o fondant au chocolat (que no Brasil chamamos de “petit gâteau”, mas aqui não tem esse nome) até a tarte tartin (massa folhada e maçãs) com creme ou sorvete de baunilha. O crème brûllé (um creme de baunilha com açúcar queimado por cima) e o arroz-doce com calda de caramelo são minhas sobremesas preferidas. Sem contar as centenas da chamada pâtisserie française.
Depois dessa maratona pela gastronomia francesa, alguém ainda tem coragem de dizer que a refeição francesa é “miserinha”?
No Brasil, cabeleireiro. Na França, queijeiro
Os números são controversos: ninguém sabe dizer precisamente quantos tipos de queijo se produz na França. No entanto, sabe-se que o país é o mais bem provido do alimento com o selo D.O.C (Denominação de Origem Controlada).
São mais de 50 queijos com a chancela, entre mais de 300 tipos, incluindo os famosos roquefort, camembert e brie. Por definição, o delicioso alimento nada mais é do que o leite solidificado.
“Cada tipo de queijo é uma espécie de usina química. No sentido de que passamos de um estado a outro, do líquido para o sólido, através de processos de fermentação”, explicou-me uma vez Laurent Dubois, premiado maître fromager (queijeiro) francês e dono da rede de boutiques de queijo Dubois, em Paris. Loja da qual, por sorte, sou vizinha.
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Cotar Agora →O francês leva a comida tão a sério que por aqui os amigos franceses trocam entre si os endereços e contatos de queijeiros, padeiros, açougueiros como no Brasil trocamos indicações de dentista e cabeleireiros.
O meu queijeiro preferido, no caso o Monsieur Dubois, também contou-me que queijos se diferenciam entre eles através de duas características importantes: o sabor e a textura.
Conhecer todos os tipos de queijo na França é um verdadeiro desafio gastronômico. Provar todos é minha meta há sete anos. E depois de atingir a meta, os bons brasileiros sabem: pretendo dobrar a meta.
Conheça mais detalhes curiosos sobre a cultura francesa.
A baguette nossa de cada dia
O pão está para o francês como o feijão com arroz está para o brasileiro.
Sim, o pão está presente nas três principais refeições do dia. Aliás, as únicas refeições, pois uma característica da relação dos franceses com a comida é o fato de eles não beliscarem entre as refeições. Para meu gosto, sinto falta até hoje do lanchinho da tarde. Mas isso aqui é coisa de criança.
Adultos comem a refeição com o pão. Pode ser macarrão, tem pão. Pode ter arroz, tem pão. Já servi feijoada para amigos franceses e os vi comer acompanhada de pão. E quando eu falo pão, refiro-me àquilo que no Rio de Janeiro chamamos de bisnaga. Aqui temos dois tipos: a baguette e a tradition. A primeira é mais comprida e fina, a segunda mais crocante e grossa.
Ok, admito que o trecho anterior ficou meio com duplo sentido. Mas vamos passar ao lado dessa conotação erótica e nos concentrarmos em outros prazeres.
Para vocês terem ideia de como o pão é uma instituição nacional, todo ano Paris faz um concurso de melhor pão da cidade. Além do prêmio em dinheiro e toda propaganda de mídia espontânea para a padaria vencedora, o ganhador ainda passa a ser o fornecedor oficial do Palácio do Eliseu – a residência oficial do Presidente da República – durante um ano.
Confira uma lista com os mais imperdíveis mercados de pulgas em Paris.
A gente não quer só comida
Falar dos franceses e a comida é falar de amor. E merece tempo e dedicação, como uma verdadeira refeição à francesa.
Mas em uma coluna de 2 mil caracteres, não dá nem para começar. Faltou falar de muitos pratos. Faltou falar dos hambúrgueres, com suas carnes moídas na hora e que, em 2015, a seção de gastronomia do jornal New York Times reconheceu como os melhores do mundo (desolée EUA!).
Também faltou discorrer sobre o cuscuz marroquino, herança dos tempos da colonização dos países da África do Norte e que hoje tornou-se, junto com o guisado de vitela, um dos pratos mais consumidos na França. Nem comentei sobre o foie gras, o polêmico patê de fígado de ganso, a comida tradicional das festas de fim de ano na França.
E os vegetarianos? Já tão espalhados pela França, aproveitando a cultura de incentivar produtores locais. Morangos, cerejas e amoras que fazem a festa das papilas gustativas durante o verão. Assim como os melões, a perfumarem a casa no fim da primavera. As ervas da Provence. Os vinhos para acompanhar.
Tudo isso vai ficar faltando na coluna de hoje. Em compensação, uma das grandes vantagens de se morar na França é o contato com a comida típica no dia a dia. Como ainda não tenho o dom de usar palavras com sabor chantilly, só me resta fazer um convite a quem me lê: venha, tão logo for possível, fazer um passeio pelo país que inventou o croissant que, quando quentinho, gera felicidade só de se sentir o cheiro. E, garanto: quando se prova o gosto do caramelo au beurre salé a gente passa a questionar se brigadeiro está mesmo com essa bola toda…
Gostou? Saiba também como é o relacionamento com os franceses, no amor e na amizade.
*As opiniões dos colunistas não refletem necessariamente a opinião do site Euro Dicas.