Violência x política migratória, esse é o cenário atual da Suécia, país conhecido por ser um dos mais seguros do mundo. Os pouco mais de 10 milhões de habitantes vêm enfrentando uma escalada de violência urbana entre gangues. Desde setembro, notícias sobre confrontos, explosões e assassinatos são frequentes em jornais de todo o mundo, arranhando a imagem de tranquilidade e segurança que o país cultiva.

O governo de centro-direita foi rápido em apontar culpados: as políticas de incentivo à imigração e, consequentemente, a população imigrante. O discurso oficial encontra ressonância no eleitorado que elegeu, em 2022, a coalizão de direita que indicou primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson.

Onda de violência em várias cidades suecas

Atualmente, a taxa de mortalidade por crimes com armas de fogo na Suécia é a segunda mais alta da Europa, atrás apenas da Albânia, segundo os dados mais recentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Em 2010, a Suécia ocupava a 14ª posição no ranking.

Apesar de parte significativa dos crimes ligados a gangues se concentrar nas principais cidades suecas (como Estocolmo, Gotemburgo, Malmö e Uppsala), a onda de ataques já extrapolou essas divisas e hoje chega a cidades menores.

Dados divulgados pela imprensa sueca apontam para 50 pessoas mortas em tiroteios em 2023, sendo 12 apenas em setembro. Se confirmado, o mês de setembro de 2023 será aquele com o maior número de mortes por arma de fogo desde que esse tipo de registro começou a ser feito no país, em 2016.

Estopim da violência

Conforme amplamente divulgado pela imprensa internacional, o pico de violência registrado em setembro deste ano está ligado ao mercado de armas de fogo e drogas no país, com uma camada a mais de complexidade.

Relatos dão conta de que uma das principais organizações criminosas da Suécia, conhecida como Foxtrot, estaria passando por divisões e disputas internas, resultando em duas facções distintas.

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Uma particularidade das gangues suecas é o aliciamento de adolescentes e jovens para atuação na linha de frente dos ataques, com manuseio de armas e explosivos.

O uso de explosivos é outra característica da violência entre gangues no país. A estratégia, em muitos casos, é utilizada contra a residências de familiares de membros de facções concorrentes. Já são mais de 140 registros de explosões em território nacional, de janeiro a dezembro de 2023.

Violência de gangues não é exatamente uma novidade

O crescimento da violência entre gangues na Suécia não é de hoje. Desde o início da década 2000, o país vem assistindo a um aumento constante dos crimes relacionados ao comércio de armas de fogo e drogas, além de índices de mortes em tiroteios acima do que seria esperado para o país nórdico.

Segundo o Conselho de Prevenção ao Crime (Brå), em 2022, foram registrados 116 casos de violência com morte na Suécia, sendo 54% com uso arma de fogo. A média na última década foi de 98 casos por ano. Do total de mortes, 75% foram registradas nas regiões metropolitanas de Estocolmo, Oeste e Sul.

Desigualdade social como motor da violência urbana

Entre as causas apontadas por especialistas para a crise vivenciada pela Suécia na segurança pública estão o aumento da desigualdade social e, consequentemente, da pobreza. Nesse contexto, a desigualdade pesa mais sobre os ombros da população imigrante, marginalizada ao longo de décadas.

Este cenário alimenta as organizações criminosas, que se aproveitam da situação de vulnerabilidade e de falta de oportunidades para aliciar crianças e jovens. Tal estratégia não é exclusividade do crime organizado sueco, mas uma prática que extrapola fronteiras geográficas.

Pessoas na estação de metrô em Estocolmo, na Suécia
Gangues suecas são famosas por aliciar crianças e jovens para atuar no tráfico de drogas.

Pesquisa recente divulgada pelo Brå aponta que, das pessoas suspeitas de crimes em 2022, 43% tinham menos de 30 anos. Dentre eles, os jovens entre 15 e20 anos representavam 19% de todos os suspeitos.

Quando analisado o tipo de crime cometido pelo público jovem, as categorias com maiores proporções de jovens são:

  • Tráfico de drogas (39%);
  • Crimes contra pessoa (32%);
  • Roubo (20%).

Em entrevista recente ao jornal The Guardian, Felipe Estrada Dörner, professor de criminologia na Universidade de Estocolmo, afirma que, para desacelerar o aliciamento de jovens por partes das gangues urbanas, é preciso agir para reduzir as desigualdades sociais.

“Punições mais severas, nas quais o governo investe muitos recursos agora, não resolverão esses problemas”, frisa o especialista.

Medidas foram criadas para barrar o aumento da violência

Para além da revisão da política imigratória e de integração, o governo sueco vem investindo em operações de segurança pública e mudanças na legislação. Também em setembro, os militares foram acionados para reforçar a ação da polícia.

Desde então, o Exército auxilia com logística, trabalhos forenses, gerenciamento de explosivos e demais funções especializadas nas quais os militares possam ser úteis, explicou o primeiro-ministro Ulf Kristersson. Entre as operações de segurança pública está o confisco de armas e de explosivos em barreiras policiais.

A legislação criminal também vem sendo revisada e atualizada, segundo o primeiro-ministro. Uma das mudanças permitirá uma prevenção mais efetiva, a partir de interceptação de comunicações entre membros do crime organizado.

Em julho de 2023, o governo já havia anunciado o aumento da pena contra membros de organização criminosa considerados culpados. O Estado sueco também definiu como crime o aliciamento de crianças e adolescentes para o crime organizado.

Governo culpabiliza políticas migratórias

Reagindo aos ataques de setembro, o governo sueco, liderado pelo primeiro-ministro Ulf Kristersson, depositou a violência na conta das políticas migratórias. Em suas declarações, Kristersson pontuou ainda falhas nas políticas de integração:

“Com uma política de integração que praticamente não tem requisitos (para os migrantes) e nenhum incentivo à integração na sociedade, esta elevada imigração criou uma Suécia dividida”.

A coligação, que se elegeu defendendo deportações, sugeriu rapidamente medidas para dificultar a entrada de imigrantes. Em outubro, Kristersson anunciou restrições à concessão de benefícios sociais a imigrantes não-europeus visando desestimular novas chegadas.

Especialistas se opõem aos argumentos do governo

Especialistas no assunto veem este discurso como oportunista, para sustentar políticas anti-imigração.

Um estudo conduzido pela polícia sueca e divulgado pelo The Guardian mapeou as áreas mais vulneráveis do país, aquelas onde ocorre a maioria dos crimes graves. Tais regiões concentram apenas 5% da população do país, sendo a maioria desse percentual composto por imigrantes, além de filhos e netos de imigrantes, mas que já nasceram na Suécia.

Apesar da pesquisa jogar luz sobre a marginalização das populações imigrantes, que acabam sendo as que mais sofrem com o avanço da desigualdade no país, os dados são utilizados por uma perspectiva anti-imigração. Conforme contra-argumentou Felipe Estrada Dörner ao The Guardian:

“Os fatores socioeconômicos são os que mais constituem os riscos de acabar no crime, e não a etnia das pessoas”.

Quem faz uma leitura semelhante do cenário é a jornalista e escritora sueca Elisabeth Åsbrink. Em 2022, em entrevista à BBC, Åsbrink observou que a Suécia vem passando por mudanças estatais estruturais, as quais acabaram por transformar o Estado de bem-estar social do país.

Especificamente, tais mudanças, segundo Åsbrink, afetaram o sistema educacional, a previdência e o mercado de trabalho. E esse novo contexto, segundo ela, abriu brecha para o discurso de que os problemas enfrentados hoje pelo país se devem à imigração, argumento que reforça manifestações xenófobas.

O que diz quem é imigrante na Suécia

Mairon Giovani é brasileiro, pesquisador ambiental e ama conhecer o mundo — tanto que mantém um blog pessoal sobre suas experiências de viagem. Morando na Suécia há alguns anos, ele garante que o país é seguro.

“Ninguém vai ser assaltado à mão armada no ponto de ônibus e ter o celular roubado”, enfatiza.

Segundo o pesquisador, a violência existe, é fato, mas ocorre nas áreas mais periféricas das cidades, longe dos olhos da maior parte da população. Além disso, conta ele, há o perfil cultural do povo sueco, que mantém um comportamento um tanto indiferente a essas questões, conduta que a própria atuação da imprensa local reflete.

Com isso, a violência não é um assunto recorrente em conversas ou em jornais.

Mairon Giovani em Kalmar
Mairon é pesquisador e viajante. Mora na Suécia desde 2017. Imagem de arquivo pessoal.

Mas, como um bom pesquisador e escritor, Mairon identifica questões culturais, históricas e políticas responsáveis pelo que vem ocorrendo no país. Para o brasileiro, existem dois fatos importantes que explicam muito a situação: a baixa capacidade dos suecos de integrar quem vem de fora e o papel assumido recentemente pelo país no narcotráfico.

A sociedade sueca — em sua essência — não tem um perfil integrador, e isso impacta diretamente a vida dessas pessoas imigrantes, em especial dos refugiados que buscam asilo no país, ou seja, não vieram com proposta de emprego ou por questões de reunificação familiar. “Quem é imigrante sente nitidamente isso”, revela, acrescentando que os suecos respeitam a individualidade a ponto de não se esforçar pela integração.

“Ou seja, houve uma ‘guetização’ muito grande, muito pouca mistura dessas populações. Temos uma segunda geração que são cidadãos suecos, filhos de imigrantes que nasceram aqui e vivem uma exclusão econômica que persiste. São populações social e economicamente vulneráveis”.

Ainda na análise do brasileiro, o perfil reservado dos suecos, que inclusive se percebe na economia e nas relações políticas e internacionais, faz com que sejam até mesmo um pouco tolerantes com a fiscalização, incluindo a fiscalização contra o narcotráfico.

Suécia acabou entrando na rota do tráfico

Sabendo disso, as redes de tráfico internacional viram no porto de Helsinborg uma possibilidade de porta de entrada, principalmente de cocaína, analisa o pesquisador.

Assim, de repente, a Suécia está se vendo em um papel mais central no tráfico internacional de drogas e não sabe lidar com isso, o que é também um problema de administração pública. “Então soma-se a isso a falta de incorporação social das populações marginalizadas”, completa.

O contexto da violência na Suécia, analisa Mairon, lembra um pouco o que ocorre no México, com a disputa de um cartel contra o outro pelo mercado das drogas.

“E o governo sueco em vez de resolver essa questão, explora um aspecto do problema (da imigração) para se promover politicamente”, ressalta.

A ideia é dificultar o acesso de imigrantes de fora da UE

Sob a justificativa de que a violência entre gangues está relacionada às políticas de imigração das últimas décadas, o governo sueco vem reiterando a necessidade de uma política de imigração mais restritiva e com deportações — o que é bandeira da atual gestão desde que assumiu o poder.

Esta política restritiva seria, inclusive, uma moeda de troca utilizada pela coligação governamental para assegurar o apoio do partido de extrema-direita Democratas Suecos.

Nessa linha, o governo planeja restringir as condições para concessão de benefícios sociais a migrantes não-europeus e impedir o acúmulo de subsídios sociais, a fim de desestimular a emigração para a Suécia.

Mairon explica que, para frear a imigração, o governo está se inspirando na estratégia adotada pela Dinamarca há alguns anos. Uma dessas medidas é o aumento do tempo necessário para conseguir a cidadania sueca.

Outra estratégia já adotada é o aumento do piso salarial necessário para conseguir uma permissão de trabalho do país, o que pode comprometer a economia a médio e longo prazo.

“Eles subiram muito esse piso e ainda de forma retroativa, a ponto de entrar em choque com os interesses das empresas. Essa medida pode deixar vários setores da economia descobertos, porque o mínimo salarial exigido agora pelo governo não é compatível com o que é praticado pelo mercado. As empresas alertam que essa estratégia não é realista, porque a economia depende dessa força de trabalho e vai ser impactada”.

Hoje, cerca de 20% da população é imigrante

Um quinto da população sueca é imigrante, mas o país, conhecido durante anos por políticas flexíveis de imigração e de asilo, convive hoje com um discurso xenófobo crescente.

As estatísticas apontam alguns picos de imigração a partir da década de 1960, com uma onda de refugiados iranianos na década de 80 e outra de iugoslavos nos anos 1990.

Gráfico sobre a imigração para a Suécia de 2012 a 2022
2026 foi o pico mais alto de imigração na Suécia. Fonte: Statistics Sweden

O país atingiu o maior número de imigrantes em 2016, reflexo da onda migratória de refugiados para a União Europeia a partir de 2015, principalmente de sírios. Desde então, a Suécia vem registrando uma diminuição no número de imigrantes que entram no país anualmente.

Segundo o Departamento de Estatística sueco, pouco mais de 102 mil pessoas migraram para a Suécia em 2022. O número é maior do que o registrado nos anos 2020 e 2021, porém menor do que nos anos anteriores a 2020.

Movimento anti-imigração na Suécia

Ano a ano os movimentos anti-imigração vêm crescendo e o termômetro dessa força foram as últimas eleições suecas, em 2022.

Um quinto do eleitorado votou no partido de extrema-direita Democratas Suecos (SD), que hoje apoia a coalizão de direita que indicou o atual primeiro-ministro Sueco, Ulf Kristersson (Partido Moderado).

O SD não compõe formalmente o governo, mas, com o desempenho nas últimas eleições, a sigla se firmou como a segunda maior força política do país, com 73 cadeiras no Parlamento. Criado em 1988 por simpatizantes do nazismo, o SD tem um posicionamento historicamente ultranacionalista e anti-imigração.

Para observadores da política sueca, o desempenho do SD nas últimas eleições surpreendeu, já que o partido entrou no Parlamento apenas em 2010.