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Caroline Lanhi

Autor

Caroline é uma jornalista ítalo-brasileira, além de UX writer e podcaster. Já morou na Itália, viajou por todas as regiões do Brasil e por 13 países, e hoje vive em Genebra, na Suíça. Em 2020, tanta curiosidade sobre experiências de migração a levou para o universo dos podcasts e, por dois anos consecutivos, produziu e apresentou o Visto Permanente, com histórias de brasileiros e brasileiras que ousaram viver em outros países do mundo. Em Genebra, atua na comunicação institucional da Rede Brasil-Suíça.

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Economia da Alemanha: instabilidades e projeções para 2024

Com pouco mais de 84 milhões de habitantes e um PIB que ultrapassa quatro trilhões de dólares, a economia da Alemanha se tornou a terceira maior do mundo, deixando para trás o Japão. Nesse artigo, apresentamos um panorama da situação econômica do país e fatos históricos que trouxeram a Alemanha ao que ela é hoje. Como está a economia da Alemanha? A Alemanha está tentando reverter lentamente a retração econômica sofrida em 2023. O país passou por uma recessão, com o PIB experimentando uma queda de 0,3%, em combinação com uma taxa de inflação relativamente alta para seus padrões, de 6% ao ano, fatores que levaram alguns a pensar que a mais importante economia da zona do Euro havia voltado a ser o “doente da Europa”. O curioso é que, mesmo “doente”, o país mais populoso da União Europeia passou a ocupar, no início de 2024, a posição de terceira maior economia do mundo, após ultrapassar o Japão, que vem dando reiterados sinais de debilidade ligada a problemas demográficos, de produtividade e competitividade. Neste cenário global, mesmo combalida, a economia da Alemanha mostra que é grande demais mesmo em momentos de revés, posicionando seu PIB atrás apenas doa China e dos Estados Unidos. Confiança na economia do país E mais: os alemães não deixaram de ter sua confiança no mercado reiterada por agências de risco como a Fitch Ratings, que em março de 2024 manteve a nota de crédito a longo prazo em moeda estrangeira da Alemanha em AAA. Apesar de problemas estruturais na economia, a agência vê cenário de estabilidade no país europeu. Por que a economia da Alemanha é a mais forte da Europa? Alguns fatores geográficos renderam vantagens econômicas à Alemanha ao longo dos anos. Seu território possui tamanho considerável no contexto europeu. Localiza-se privilegiadamente no coração da região, em contato direto com mais países que qualquer outra potência europeia (Polônia, Bélgica, Dinamarca, França, Áustria, Suíça, Luxemburgo, República Tcheca, Países Baixos), potencializando as trocas comerciais. A localização também favorece a economia logisticamente: o país tem acesso ao Mar do Norte, com o porto de Hamburgo sendo o segundo maior da Europa em movimentação, e seu território também serve bem a modais logísticos eficientes, como o ferroviário e o hidroviário (a Alemanha é cortada por três dos principais rios da Europa — Reno, Danúbio e Elba). Somado à dimensão territorial, o protagonismo alemão na Revolução Industrial rende até hoje ao país uma condição de polo de produção e inovação, sobretudo no segmento automobilístico, num panorama global. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o país também usufrui de um sistema político que tende à estabilidade, gerando ambiente favorável à atividade empresarial e à inovação por parte da iniciativa privada. Zona Euro Considerado o motor da Zona do Euro, a Alemanha tem influência ímpar na definição da política monetária do Banco Central Europeu e ganha competitividade do ponto de vista do comércio exterior por utilizar uma moeda comum (euro) menos valorizada do que seria a sua moeda nacional, o antigo Marco Alemão. Principais indicadores da economia da Alemanha Se a Alemanha está no seu radar como destino de emigração, é fundamental se informar sobre os indicadores econômicos que mais afetam o dia a dia de quem mora e investe no país. São índices e taxas que apontam a saúde da economia — se o país está crescendo ou encolhendo, o impacto da inflação sobre o custo de vida na Alemanha, o avanço ou recuo do desemprego, entre outros. Listamos abaixo os principais dados econômicos da Alemanha para você ter um panorama atual: PIB O Produto Interno Bruto (PIB) indica o fluxo de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade durante um período — geralmente um ano. O dado consolidado mais atual referente ao PIB da Alemanha, segundo o Banco Mundial, é o de 2022. Na ocasião, o PIB do país chegou a 4,08 trilhões de dólares. Já em relação a 2023, os números apontaram para um encolhimento de 0,3% no último trimestre do ano. Isso gerou uma revisão para baixo do crescimento econômico previsto para 2024. Assim, o governo alemão espera um crescimento de apenas 0,2% este ano. Dívida Pública A dívida pública é um indicador importante sobre a saúde financeira de um Estado, uma vez que representa a capacidade de um país de honrar com suas obrigações financeiras. Ela aumenta sempre que um governo gasta mais do que arrecada. Ou seja, quando os impostos e demais receitas do Estado não são suficientes para cobrir as despesas, o governo recorre a financiamentos, como por meio da emissão de títulos no mercado, e isso entra no cálculo da dívida pública. [caption id="attachment_168379" align="alignnone" width="750"] A dívida pública da Alemanha fechou o ano de 2023 em 64,8%. Fonte: Eurostat.[/caption] Em 2022, segundo dados consolidados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida pública alemã correspondia a 66,1% do PIB do mesmo ano. Já segundo o European Statistical Monitor (Eurostat), em 2023 o indicador fechou o terceiro trimestre em 64,8%. Inflação na Alemanha A inflação é o ritmo de aumento dos preços de bens e serviços, implicando assim na diminuição do poder de compra de uma determinada moeda (depreciação). Ela é calculada a partir da variação do nível de preços entre o mês atual e o mesmo mês do ano anterior. Ou seja, quando a taxa de inflação sobe, isso significa que o aumento dos preços e a depreciação da moeda estão em aceleração; quando a taxa desce, ao contrário do que se costuma pensar, isso não significa que os preços estão diminuindo — mas que seu ritmo de aumento está em desaceleração, bem como a moeda está se depreciando com menor intensidade. Para calcular este indicador, geralmente se utiliza um conjunto de índices de preços, a partir de uma abordagem harmonizada e com definições estabelecidas por regulamentos. Na Alemanha, a inflação em fevereiro de 2024 fechou em 2,5%, segundo o Departamento Federal de Estatísticas. Trata-se do nível mais baixo registrado desde junho de 2021. Os preços da energia, em fevereiro de 2024, foram 2,4% inferiores aos do mesmo mês do ano anterior. Já em relação aos alimentos, segundo o comunicado oficial do Departamento, o aumento (+0,9%) desacelerou em comparação a fevereiro de 2023. Taxa de juros de empréstimos Em qualquer economia, a taxa de juros representa, grosso modo, o “preço do dinheiro”, determinando quanto se paga para ter acesso a crédito. Geralmente fixada em um percentual anual pela autoridade monetária de um país ou bloco econômico, a taxa de juros é um instrumento de política monetária que visa, entre outros, à contenção da inflação. Ou seja, quanto mais caro estiver o “preço do dinheiro”, menos moeda circulará em uma determinada economia. E, com menor oferta de moeda na praça, o valor dela se protege (lei da oferta e da demanda). Fixada pelo Banco Central Europeu, na União Europeia a taxa de juros de empréstimos está atualmente em 4% ao ano. Taxa de desemprego na Alemanha A taxa de desemprego na Alemanha ficou em 3,2% em fevereiro de 2024, segundo o Departamento Federal de Estatísticas. O índice tem como base uma definição harmonizada recomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa taxa é definida com base no contingente de pessoas economicamente ativas entre 15 e 74 anos nas seguintes situações: pessoas sem trabalho; pessoas que estão disponíveis para começar a trabalhar na Alemanha nas próximas duas semanas; aquelas que procuraram ativamente emprego em algum momento durante as quatro semanas anteriores à pesquisa. Onde acompanhar os indicadores da economia alemã Dados e estatísticas atualizadas sobre a economia da Alemanha podem ser encontrados nos seguintes sites oficiais: Escritório Federal de Estatísticas da Alemanha; Banco Mundial; Fundo Monetário Internacional; Banco Central Europeu. O impacto dos imigrantes na economia da Alemanha Embora detenha o expressivo número de 83,8 milhões de habitantes (o maior contingente populacional da União Europeia), o país lida com o envelhecimento da população como um problema estrutural para sua economia. Para fazer frente a isto, a economia da Alemanha necessita da força de trabalho imigrante, que já desempenha um papel de importância neste contexto. O economista Lucas Ferreira Matos Lima, doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que, além de repor a força de trabalho do crescente número de aposentados e estimular a atividade econômica, os imigrantes contribuem com a manutenção do próprio sistema de pensões do país e atraem novos investimentos. [caption id="attachment_168382" align="alignnone" width="750"] O economista Lucas traz dados interessantes sobre a economia da Alemanha. Foto: arquivo pessoal.[/caption] Lima lembra que, em 2022, cerca de 27% da força de trabalho do país era formada por pessoas com algum background familiar imigratório, mas também projeta desafios para economia da Alemanha. “O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um forte declínio no tamanho da população economicamente ativa alemã nos próximos cinco anos, com a aposentadoria dos ‘babyboomers’ e com a redução da recente onda de imigração”, analisa Lima. Para ele, algum programa de estímulo à imigração poderia ajudar, mas o cenário político alemão segue incerto, contando inclusive com a ascensão de discursos anti-imigração na Europa, que na Alemanha, vem por parte de partidos de extrema-direita, como o AfD. Enquanto o cenário político não se mostra propício para políticas favoráveis à imigração, Lima aponta que o governo alemão tem à mesa sugestões apresentadas pelo FMI: A redução do custo para que mais mulheres adotem contratos de 100% da jornada, com melhores políticas de creche e redução do imposto de renda incidente sobre a segunda parte trabalhadora de uma família; Aumento da produtividade da economia da Alemanha, alavancando investimentos públicos e otimizando sua gestão, com menos burocracia para investimentos e abertura de novos negócios. Previsões para a economia da Alemanha em 2024 Após o baque de 2023, a perspectiva é de correção e crescimento lento da economia alemã. Para 2024, a projeção mais atualizada da Comissão Europeia é de uma recuperação do PIB alemão na exata proporção de 0,3%, com uma inflação significativamente mais contida, na taxa de 2,8% ao ano. Para 2025, a Comissão antevê cenário ainda mais positivo, embora de recuperação econômica ainda lenta, com crescimento do PIB em 1,2% e inflação reduzida a 2,4%. Neste processo de lenta recuperação, para o economista Lucas Lima alguns fatores negativos podem ser projetados na economia da Alemanha tanto do ponto de vista do consumo quanto do ponto de vista da oferta, com base nos últimos relatórios de Previsão Econômica da Comissão Europeia e do GfK Consumer Climate. Segundo o economista, “pelo lado dos consumidores, a perda do poder de compra das famílias e uma baixa propensão a consumir impactarão negativamente o crescimento da economia alemã neste ano”. [caption id="attachment_168613" align="alignnone" width="750"] O crescimento da economia da Alemanha em 2024 será devagar, aponta o especialista.[/caption] Ele também aponta que o “relatório do GfK mostra que ainda há uma insegurança e pouco otimismo entre os alemães com o futuro da economia da Alemanha. “Já pelo lado da oferta, os altos custos de construção, somados à escassez de mão de obra e ao preço da energia, deverão impactar negativamente os setores de construção e os intensivos no uso de energia elétrica”. “Esses são alguns dos fatores que contribuem para que indicadores de propensão a investir tenham alcançado os níveis mais baixos desde a pandemia de Covid-19. E é importante considerar também o papel do governo, que deverá enfrentar restrições fiscais mais severas, o que limitará o seu papel como um dos motores de crescimento da economia alemã”, projeta o economista. Queda da inflação No que diz respeito à inflação, ele pontua que, embora os níveis previstos para 2024 superem os da década anterior inteira, ela felizmente vem caindo, em grande parte pelas quedas nos preços de energia e alimentos. "E, como a Comissão Europeia já apontou uma expectativa de crescimento no número de empregos e nos salários reais, as famílias alemãs podem esperar algum alívio em breve" afirma. Com o atual cenário da economia da Alemanha, vale a pena investir no país? De forma geral, sim. Os investimentos diretos externos na Alemanha são provenientes de Luxemburgo, Holanda e dos Estados Unidos. Entre os principais atrativos do país está uma rede industrial reconhecidamente poderosa e diversificada. A Alemanha ainda conta com uma mão de obra altamente qualificada, com bom domínio do inglês, infraestruturas bem desenvolvidas e confiáveis. Além disso, segundo o economista Lima, o país mantém um clima social favorável, um quadro jurídico estável e uma localização privilegiada no coração da Europa, completando assim a lista de atrativos para investimentos externos. Quais os melhores setores para investimento? Alguns segmentos da economia da Alemanha seguem resilientes, sendo uma boa aposta para investimentos em território alemão, segundo análise de Lima. No atual cenário econômico, mantêm-se atraentes ao ponto de vista do investimento direto externo setores como: Manufatura; Produtos químicos; Tecnologia da Informação; Máquinas; Finanças; Serviços profissionais, científicos e técnicos. Histórico da economia da Alemanha Desde sua unificação tardia, em 1871, a Alemanha sempre ocupou a posição de potência europeia, inclusive no campo econômico. A partir da segunda metade do século XIX, o país exerceu liderança na chamada segunda revolução industrial, com o desenvolvimento de veículos com motor a combustão interna. A condição de potência levou o país a protagonizar a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), da qual saiu derrotado (junto ao Império Otomano, Império Austro-Húngaro e Bulgária), bem como duramente responsabilizado pelos países Aliados (França, Reino Unido, Rússia, Itália, Japão, Estados Unidos) nos termos do acordo de paz denominado Tratado de Versalhes (1919). Segundo o Tratado, a Alemanha e seus aliados reconheciam a “culpa pela guerra”, assumindo total responsabilidade pelas perdas e danos do conflito. Assim, o Tratado impôs à Alemanha uma série de condições, como o desarmamento do país, concessões territoriais, a extradição de criminosos de guerra, o reconhecimento de independência de territórios anteriormente sob domínio do Império Alemão e o pagamento de pesadas reparações aos países Aliados. Economia da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial Uma das consequências da derrota na Primeira Guerra Mundial foi o esfacelamento do Império Alemão e o estabelecimento de uma república constitucionalista, conhecida como a República de Weimar (1918). O novo sistema político, entretanto, carregava o fardo do pós-guerra, com a economia desestruturada pela perda de exportações, ausência de matérias-primas devido ao bloqueio continental, perda das colônias e o aumento vertiginoso das dívidas do governo, que havia emitido títulos para financiar o esforço de guerra e agora também tinha de arcar com a reparação aos países vencedores. Em tal cenário, a moeda alemã — o Marco — experimentou uma das mais traumáticas curvas de hiperinflação na história. São recorrentes fotografias da época ilustrando a quase inutilidade do dinheiro, com crianças empilhando maços de notas em formato de castelos, pessoas varrendo cédulas para a sarjeta ou simplesmente queimando-as na lareira (o preço do pão chegou a 200 milhões de Marcos em novembro de 1923). O colapso da moeda fulminou os demais fundamentos da economia da Alemanha, que só experimentaria relativa recuperação a partir de 1925. A Grande Depressão alemã De todo modo, o moral alemão já se encontrava afetado pela humilhação do pós-guerra e, de 1929 a 1939, a Grande Depressão voltou a afogar a economia alemã, criando o ambiente propício para a queda da República de Weimar (1933) e para ascensão da retórica revanchista representada por Adolf Hitler e o nazismo. Com Hitler à frente, e ignorando deliberadamente os termos do Tratado de Versalhes, a Alemanha retomou a produção industrial, voltou a se armar e retomou o papel de protagonismo bélico: com a invasão da vizinha Polônia em 1939, deu início à Segunda Guerra Mundial, outro conflito sistêmico do qual saiu como a principal derrotada, em 1945. Novamente, o resultado econômico foi desastroso, desta vez com o agravante de que a estrutura das cidades alemãs foi transformada em ruínas pelos bombardeios. Além disso, o território do país se dividiu entre Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, representando o embate geopolítico que passava a se estabelecer entre o bloco comunista, liderado pela União Soviética, e pelo bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América. Economia da Alemanha na Segunda Guerra Mundial O trauma da Segunda Guerra Mundial levou a comunidade internacional a adotar um novo sistema de governança global, representado principalmente pela Organização das Nações Unidas. No período pós-guerra, a Alemanha Ocidental acabou se beneficiando da reconstrução europeia promovida pelo Plano Marshall. O pós-guerra e a segunda metade do século XX também seriam marcados pela recuperação econômica e pela estabilidade sob governos da CDU (União Democrata Cristã, de centro-direita), como o de Konrad Adenauer (1949-1963). Com a queda do Muro de Berlim e a reunificação (1989), a Alemanha voltou a aspirar a condição de potência. Plenamente recuperada, a pujança econômica alemã foi tão expressiva que, na construção da atual União Europeia, o país sempre foi considerado o motor do bloco regional — não por menos, o antigo Marco Alemão é tido como a base da formulação do Euro como moeda comum para 20 dos 27 países-membros, e o Banco Central Europeu se localiza no centro financeiro alemão, a cidade de Frankfurt. Em 2005 iniciou-se a Era Merkel Eleita para o cargo de chanceler, Angela Merkel (da mesma CDU de Adenauer) entraria para a história 16 anos depois como uma das mais longevas e bem-sucedidas líderes europeias. À frente da Alemanha, Merkel enfrentou uma série de crises dramáticas: a crise financeira global de 2008, a crise da Zona do Euro de 2010, a crise dos refugiados na Europa em 2015, a crise sanitária e econômica da pandemia de Covid-19 em 2020. Alguns números dão conta do desempenho da líder — e da economia da Alemanha — em face destes desafios: Merkel deixou o cargo em 2021 com quase 70% de aprovação, entregando um país cujo PIB cresceu 34% desde o início de sua gestão. Crise de 2008 A crise financeira iniciada em 2007, causada pela bolha imobiliária americana, carregou a Europa e provocou uma recessão generalizada. A deterioração da economia americana atingiu a zona do Euro de forma histórica, causando estagnação e recessão, inclusive na Alemanha. Em 2009, a Alemanha viu seu Produto Interno Bruto (PIB) despencar 5,7%, somado ainda a uma taxa de desemprego de 7,74%. Mesmo no contexto de crise generalizada, a recuperação do país sob a liderança de Merkel surpreendeu. Tanto que, durante as eleições parlamentares de setembro de 2009, a taxa de aprovação da chanceler era de 60%. Crise da Covid-19 Estima-se que a crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19 gerou uma perda de 350 bilhões de euros à economia da Alemanha. De acordo com estudo do Instituto da Economia Alemã (IW), o coronavírus começou impactando a economia alemã em função das restrições sanitárias, bloqueios que limitaram e interromperam o fluxo de várias cadeias de suprimentos, prejudicando processos produtivos. Somaram-se a isso a queda no consumo por parte da população, o recuo dos investimentos privados e a redução dos negócios internacionais. A crise sanitária atingiu a economia do país de tal maneira que o nível pré-Covid do PIB só foi recuperado em 2022. Guerra da Ucrânia e o impacto na Alemanha Já sob a liderança do chanceler Olaf Scholz (do SPD, Partido Social-Democrata, de centro-esquerda), a Alemanha enfrenta outra crise, a da guerra da Ucrânia. Com a União Europeia — e a Alemanha — posicionando-se em primeira hora ao lado dos ucranianos, um dos primeiros embaraços econômicos do conflito (representado pela explosão do gasoduto Nordstream) foi a drástica redução do abastecimento de gás natural russo à União Europeia. A redução da oferta do gás russo afetou diretamente a capacidade energética de diversas indústrias germânicas. Renomado consultor internacional e atualmente assessor da Secretaria-Geral das Nações Unidas, o economista Jeffrey Sachs chegou a comentar que a Guerra da Ucrânia “desorientou” a indústria e a economia alemãs (vídeo em inglês). O futuro da economia da Alemanha Hoje, além das contingências da guerra no leste europeu, a Alemanha tem pela frente os desafios da transição para uma economia verde no segmento mais central de sua indústria, o automobilístico. Afinal, agora os veículos de motor a combustão interna — cuja tecnologia a Alemanha desenvolveu nas etapas iniciais da Revolução Industrial — estão sendo substituídos por veículos elétricos, movidos a baterias recarregáveis. Neste cenário, nem potências como Estados Unidos têm conseguido competir com a China, que domina plenamente a tecnologia necessária, possui acesso a matérias-primas, detém parque industrial suficiente e força de trabalho barata para a produção de qualidade em larga escala. Sobre o estado da economia após a Guerra na Ucrânia, o economista Lucas Lima comenta que o impacto da energia elétrica parece ter sido já superado, e observa que até o preço do gás no atacado já atingiu níveis pré-pandemia. Soma-se a isso o fato de que, em 2023, mais da metade da energia produzida no país foi gerada por fontes renováveis. Já no que diz respeito à indústria automobilística e à produção de veículos elétricos, pondera o economista, a Alemanha pode ser ainda mais resiliente do que parece. “Segundo o último relatório do FMI, realmente alguns setores da indústria alemã sofreram nos anos recentes. Contudo, a indústria automotiva se mostrou mais resiliente, com crescimento de 11% em 2023. A exportação de veículos elétricos nesse mesmo ano cresceu 60%, sendo que Volkswagen e BMW foram responsáveis por 10% das vendas globais desse mercado. Será bem interessante observar a competição entre esses dois países [China e Alemanha] no setor automotivo nos próximos anos". Segundo a análise do especialista, “as indústrias alemãs que conseguiram superar a crise energética e a disrupção na cadeia produtiva causadas pela pandemia adotaram uma estratégia de focar na produção de produtos de maior valor agregado, reduzindo o número de insumos intermediários”. "Agora, um ponto levantado pelo relatório do FMI e que pode ser uma barreira para a indústria alemã no futuro, é o baixo crescimento da produtividade da economia e o envelhecimento da sua população”, analisa. Vale a pena morar na Alemanha na atual situação econômica? De modo geral, sim. Mas depende de seus objetivos e da sua situação no país. Enquanto os níveis de emprego, inflação e atividade econômica dão sinais de lenta recuperação, os interessados em morar na Alemanha devem se atentar para a recente reforma da lei de imigração (2023/2024) do país. Embora necessite de força de trabalho estrangeira para a sustentabilidade de sua atividade econômica, o país tem enviado sinais dúbios no que diz respeito a imigrantes. Lucas Lima destaca que a reforma aprovada pelo Parlamento Alemão trouxe tanto mudanças mais severas para o imigrante quanto alguns incentivos. Dentre os pontos negativos estão restrições, aqueles que solicitam asilo no país e o reforço de poderes policiais para acelerar deportações de estrangeiros suspeitos de envolvimento com associações criminosas. [caption id="attachment_168385" align="alignnone" width="750"] Apesar de desaceleração, o país se mantém como uma das maiores potências mundiais.[/caption] Por outro lado, a Reforma visa atrair mão de obra qualificada, prevendo que estrangeiros de fora da União Europeia ingressem no país diretamente e comecem a trabalhar enquanto aguardam pela aprovação de suas qualificações no exterior. Os trabalhadores, assim, podem permanecer com dependentes na Alemanha por até três anos, caso comprovem a devida capacidade financeira. “A política de atração de mão de obra qualificada se baseia em um sistema de pontos mais flexível que abrange a proficiência na língua alemã e a experiência profissional, concedendo aos imigrantes elegíveis um visto renovável de um ano, durante o qual podem procurar emprego”, comenta Lima. “O requisito de rendimento também foi reduzido e será mais fácil para o requerente trazer consigo mais familiares. Vale destacar que os setores que atualmente sofrem com a escassez de mão de obra são aqueles relacionados aos cuidados de saúde e à educação”, explica o economista. Além de se atualizarem sobre o cenário da economia da Alemanha, aqueles que gostariam de apostar em seu projeto de emigração também contam com a orientação do ebook O sonho de viver na Europa, editado pelo Euro Dicas. Com relatos de diversos brasileiros que já embarcaram em projetos semelhantes, o livro digital ajuda na reflexão dos pontos mais importantes de uma empreitada como essa.

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Economia da França em 2024: cenário atual e previsões

Inflação e tensões geopolíticas afetaram a economia mundial nos últimos anos. Como está a economia da França, considerada uma das maiores do mundo, diante deste cenário? Neste artigo vamos responder esta pergunta e compartilhar algumas previsões para o ano de 2024. Economia da França: qual o cenário atual? Com mais de 67,8 milhões de habitantes, a França se mantém como a 7ª maior economia do mundo e a 2ª maior da União Europeia, apesar do tímido crescimento econômico registrado em 2023. O Produto Interno Bruto (PIB) francês, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), chegou a USD 3,04 trilhões em 2023, representando um avanço de 0,9% em relação ao ano anterior. Entretanto, o crescimento do último ano foi abaixo dos 2,5% registrados em 2022 e ainda menor que em 2021, quando o PIB país cresceu 6,8% — conforme dados do Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee). Para 2024, a estimativa do Banque de France é que o cenário se mantenha relativamente estável, mas com crescimento ainda abaixo de 1%. Principais indicadores da economia da França Se você está pensando em morar na França, ou até mesmo investir no país, é preciso acompanhar os principais indicadores para entender a saúde geral da economia e o mercado de trabalho francês. Os indicadores mostram se a economia do país está crescendo ou encolhendo, se a inflação está aumentando ou diminuindo, se a taxa de desemprego está alta ou baixa, entre outras informações relevantes. Para facilitar o processo, listamos a seguir os principais dados da economia da França para você. PIB O Produto Interno Bruto (PIB) é utilizado para medir a produção de bens e serviços do país em um determinado período. Ele reflete o desempenho da economia e é utilizado para avaliar o crescimento econômico, o consumo e o investimento. O Insee é o responsável pela coleta e publicação dos dados da econômica da França e divulga trimestralmente para consulta da população. Confira a evolução do PIB nos últimos anos: [caption id="attachment_167784" align="alignnone" width="750"] Evolução do PIB na França de 2018 a 2023. Fonte: Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos.[/caption] Dívida pública A dívida pública é um indicador que avalia a saúde financeira de um país e sua capacidade de honrar suas obrigações financeiras. Na França, a dívida pública tem sido motivo de preocupação nos últimos anos, com um nível alto em relação ao seu PIB. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2022 a dívida pública da França equivalia a 111,6% de seu PIB, bastante acima da meta de 60% estabelecida para os membros da União Europeia. Em 2023, a dívida pública fechou em 112,40% com relação ao PIB. Inflação na França A inflação mede a variação dos preços dos bens e serviços ao longo do tempo, através do Índice de Preços ao Consumidor (IPC). O indicador também avalia a saúde econômica de um país. A inflação afeta diretamente a vida das pessoas, uma vez que o aumento dos preços reduz o poder de compra da população. Na França, a inflação é monitorada pelo Banco Central Europeu (BCE), que define metas de inflação para os países da zona do Euro, e pelo Insee. Para 2024, a taxa de inflação na França projetada pelo Banco Central é de 2,5% — próxima da meta de 2% anunciada pelo Banco Central Europeu no final do ano passado. [caption id="attachment_167785" align="alignnone" width="750"] Variação da inflação na França durante a última década. Fonte: Inflation.eu[/caption] Em estimativa provisória divulgada pelo Insee, os preços ao consumidor devem aumentar 2,3% em março, após + 3,0% registrados em fevereiro deste ano. A queda, segundo o instituto, se deve aos preços dos alimentos (+1,7%), serviços (+3%), tabaco (10,7%), energia (+3,4%) e bens manufaturados (+0,1%). Em 2023, os preços ao consumidor aumentaram em média 3,7%, o que representou uma desaceleração em relação à média anual de 2022 (5,8%). Taxa de juros de empréstimos A taxa de juros afeta diretamente o consumo e o investimento das empresas e dos indivíduos, como, por exemplo, a compra de casa na França. Na França e na Zona do Euro, a taxa de juros é determinada pelo Banco Central Europeu (BCE), que define o nível de variação das demais taxas com base nas condições econômicas da União Europeia. Conforme a última atualização do BCE (setembro de 2023), a taxa de juros está em 4% ao ano. O indicador tem sido elevado pela autoridade monetária pelo menos desde setembro de 2019. Taxa de desemprego na França A França fechou o quarto trimestre de 2023 com uma taxa de desemprego estável, na casa dos 7,5%, conforme divulgado pelo Insee. A estabilidade se deve ao fato de a taxa ter fechado em 0,1 ponto percentual a mais que o trimestre anterior e +0,4% se comparado ao quarto trimestre de 2022. O número de desempregados atingiu 2,3 milhões de pessoas, ou 29 mil a mais em relação ao trimestre anterior. Entre os desempregados, 571 mil pessoas registradas no quarto trimestre 2023 estavam desempregadas e à procura de uma oportunidade emprego na França há pelo menos um ano, significando 33 mil a mais do que no trimestre anterior. Onde acompanhar os indicadores da economia francesa? Para acompanhar os indicadores econômicos da França, você pode acessar a principal fonte deste artigo, o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (Insee). Além deste órgão, você também pode consultar os dados e previsões econômicas nos seguintes portais para se manter informado sobre a economia na França: • Banque de France; • Eurostat; • Banco Central Europeu (BCE); • Banco Mundial. O impacto dos imigrantes na economia da França A imigração pode contribuir positivamente para o crescimento econômico de um país. A França, que tem um histórico de acolhimento de estrangeiros, registrou 7 milhões de imigrantes em 2021, correspondendo a 10,3% da população total, sem contar as pessoas que estão irregulares. Os dados mais recentes são do Insee, que revelam que 2,5 milhões de imigrantes, 36% deles, adquiriram a cidadania francesa desde a sua chegada à França. A maioria dos imigrantes que vivem na França nasceram na África, dado que corresponde a 47,5% dos estrangeiros no país, seguindo por 33,1% de europeus e 13,6% da Ásia. A população de brasileiros na França corresponde a mais de 80 mil pessoas, segundo o Itamaraty. Segundo dados do Ministério do Interior, em 2023, foram emitidos 2,4 milhões de vistos para França, um aumento de 40,4% em relação a 2022. E um dado curioso é que o agrupamento familiar deixou de ser o principal motivo para solicitação de residência, ultrapassado pelas solicitações de estudantes. [caption id="attachment_168312" align="alignnone" width="750"] Imigrantes contribuem para movimentar a economia na França, como os mais de 80 mil brasileiros que vivem no país.[/caption] Isso é um dos resultados das medidas para facilitar a imigração de profissionais qualificados no país, como os detentores do Passaporte Talento. Mas é fato que os imigrantes ocupam os mais variados postos de trabalho na França, desde os considerados subempregos aos na própria área de estudo. Para se ter uma ideia, na França, 1 emprego a cada 10 é ocupado por um imigrante. Na Île-de-France, a região parisiense, o número aumenta para 1 emprego a cada 5. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apresenta estudos sobre efeitos da imigração nas finanças públicas, apontou que na França a contribuição líquida dos imigrantes é estimada em 0,25% do PIB do país, média do período 2006 a 2018. Concluindo que a contribuição dos imigrantes, principalmente nos primeiros 3 anos, para a receita tributária é grande o suficiente para financiar o gasto público adicional gerado por sua chegada. Previsões para a economia da França em 2024 A perspectiva para economia da França para este ano é de estabilidade, mesmo com um crescimento tímido. A recente projeção macroeconômica divulgada pelo Banque de France aponta ainda para uma recuperação do PIB nos anos de 2025 e 2026, juntamente com uma taxa de inflação estabilizada em aproximadamente 2% nos próximos dois anos. Crescimento tímido, mas positivo Em março deste ano, o Banque de France revisou para baixo a estimativa de crescimento do país. Pela nova previsão, a segunda maior economia da zona do euro deverá crescer 0,8% em 2024 — em vez dos 0,9% anunciados em dezembro de 2023. Segundo o chefe do Banque de France, François Villeroy de Galhau, a revisão para baixo é resultado do desempenho registrado no final do quarto trimestre de 2023. Em entrevista ao jornal francês Le Figaro, Galhau afirmou que o país escapará de uma recessão e disse estar confiante em um crescimento mais pronunciado nos próximos dois anos, sendo 1,5% em 2025 e 1,7% em 2026. A previsão do governo francês também havia sido revisada para baixo em fevereiro, caindo de 1,4% para 1%. Na ocasião, o governo ainda anunciou cortes orçamentários de emergência que totalizam 10 bilhões de euros. Isso tudo para manter os planos de redução do déficit na meta francesa. Com o atual cenário da economia da França, vale a pena investir no país? Não há uma única resposta para essa pergunta, mas os indicadores são bastante positivos. De acordo com consultoria Ernst & Young, entre os países europeus, a França lidera pelo 4º ano seguido a atração de investimentos. Pesquisa realizada pelo instituto em 2023 mostra que quase dois terços dos líderes empresariais entrevistados (204 no total) tinham planos imediatos de investir no país. A pesquisa conduzida pela Ernst & Young foi aplicada entre fevereiro e março do ano passado. Já dados do governo mostram que, em 2023, a França registrou 1.815 projetos de investimentos, que devem gerar ou manter 59.254 postos de trabalho ao longo de três anos. Segundo o último Relatório Anual (2023), a abertura de novas empresas na França representou 47% de todos os investimentos, enquanto as expansões 45%. Na análise do governo, esses números refletem a satisfação dos investidores, a confiança deles no país. “Continuamos a propor reformas estruturais, criando empregos bem remunerados em todo o país, para facilitar a atividade dos investidores e atrair projetos de investigação, produção, digitalização e descarbonização. É por isso que este ano apresentarei novas medidas de simplificação e atratividade económica”, afirmou Bruno Le Maire, Ministro da Economia, Finanças e Soberania Industrial e Digital. Um dos pontos positivos destacados pelo governo é a distribuição geográfica dos investimentos estrangeiros. Em 2023, 49% dos projetos e 73% dos investimentos industriais foram realizados em municípios com menos de 20.000 habitantes. A lei francesa favorece o investimento de estrangeiros no país e muitos brasileiros optam por empreender na França nos setores de comércio de alimentos, estética, entre outros. [caption id="attachment_167789" align="alignnone" width="750"] Inovação tecnológica é a chave para movimentar a economia da França e atrair investidores.[/caption] Além disso, o país lançou o plano France 2030, que prevê um investimento de 54 bilhões de euros para transformar de forma sustentável setores-chave da economia (energia, automóvel, aeronáutica) através da inovação tecnológica. Esse plano oferece aos investidores estrangeiros a oportunidade de contribuir para os novos objetivos industriais do país. No Relatório Anual do último ano, 559 projetos registados estão relacionados aos setores prioritários do plano France 2030. Se cogita investir no país, saiba como abrir uma empresa na França. Quais os melhores setores para investimento? A França é uma economia aberta, que atrai turistas, talentos e capital estrangeiro. Se você tem vontade de investir na França e não sabe por onde começar, listamos a seguir os setores que estão em alta: Pesquisa e Desenvolvimento: desde 2007 a França vem aumentando seus investimentos no setor, que incluem fabricação de automóveis, aeronaves e espaçonaves, produtos farmacêuticos, atividades científicas e serviços de TI e informação; Energias renováveis: a França fez da transição ecológica um dos pilares de seu desenvolvimento e tem se comprometido a reduzir sua dependência de combustíveis fósseis, com grande potencial em energia eólica e solar; Tecnologia: a França possui um ecossistema de startups em constante crescimento e uma forte presença no setor de tecnologia, com empresas como a Ubisoft e a OVHcloud. Agroalimentar: a França é um grande produtor agrícola e, seguindo as tendências atuais, tem se destacado na produção de alimentos orgânicos e sustentáveis. Os produtos BIO são muito apreciados pelo público francês. Além disso, o país também é um importante destino para investimentos em imóveis e turismo, que como detalhado, é um dos grandes responsáveis pelo PIB da França. É importante destacar que cada investidor possui um perfil e objetivos. Por esse motivo é importante fazer uma análise cuidadosa do setor em que deseja investir, assim como acompanhar os principais indicadores citados neste artigo. Histórico da economia da França Nos últimos anos, a economia da França passou por diferentes desafios que afetaram significativamente o país, levando a uma desaceleração do crescimento econômico com a inflação no bolso do consumidor. Para entender melhor o cenário atual, fizemos um recorte de três momentos históricos das duas últimas décadas para a economia francesa: a crise de 2008, a pandemia da Covid-19, a guerra na Ucrânia e a recente guerra em Israel. Crise de 2008 na França A crise de 2008, também conhecida como “Crise Subprime” ou “Grande Recessão”, deixou sua marca na economia global devido a sua rápida propagação. Ela ocorreu em 3 etapas: Crise do crédito imobiliário nos Estados Unidos; Crise financeira; Crise mundial. Para entender melhor como tudo começou: os bancos americanos concederam empréstimos a juros muito baixos para famílias de baixa renda. Eles eram chamados de subprime, porque eram uma ação de alto risco. No entanto, o Banco Central dos Estados Unidos (FED) decidiu aumentar a taxa de juros desses empréstimos de 1% a 5% entre 2004 e 2006, por conta da inflação. Com isso, muitas famílias não conseguiram pagar suas dívidas e perderam seus imóveis para os credores. A venda dos imóveis pelos bancos acabou contribuindo para uma queda nos preços do setor imobiliário, devido à oferta maior que a demanda. Ou seja, houve uma desvalorização e prejuízo financeiro, que consequentemente culminou na falência de algumas instituições bancárias. Assim, a crise financeira de 2008 se transformou em uma crise econômica marcada por uma recessão global. Já que através da securitização, os subprimes eram comercializados nos mercados internacionais na forma de títulos. 2 milhões de desempregados na França Na França, a crise ficou marcada pela queda da produção industrial e aumento acentuado do desemprego. Entre o final de 2007 e julho de 2009, a taxa de desemprego aumentou dois pontos e atingiu 9,8%, com mais de 2 milhões de pessoas sem trabalho. O banco BNP Paribas congelou 1,6 bilhão de euros em fundos e outras instituições decidiram fazer o mesmo para reduzir seus riscos, prejudicando o mercado financeiro com um choque de liquidez. O crescimento anual da França atingiu apenas 0,4%, após um aumento de 2,3% em 2007, com todos os efeitos da crise e a desaceleração do comércio mundial. Em dezembro de 2008, o então presidente da França, Nicolas Sarkozy, anunciou a implementação de um plano de recuperação da economia, com financiamento pelo governo em grandes obras e a concessão de auxílios sociais para estimular o consumo e o investimento. Essas medidas ajudaram a estabilizar a economia francesa, mas os efeitos da crise foram sentidos por muitos anos. Crise da Covid-19 na França A crise da Covid-19 afetou significativamente a economia da França. O país foi um dos mais afetados na Europa, com mais de 38 milhões de casos confirmados e 162 mil mortes, dados de abril de 2023. As medidas de restrição para conter a propagação do vírus impactaram fortemente vários setores da economia, especialmente o turismo, a cultura e os serviços de alimentação, com uma queda de mais de 50% em 2020, num cenário sem pandemia. No segundo trimestre de 2020, França registrou uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 13,8%, o pior resultado desde 1949. Em dezembro de 2020 foi iniciada as vacinações contra a Covid-19 no país, que precisou realizar três confinamentos e fechar suas fronteiras para a entrada de estrangeiros, inclusive para brasileiros. A flexibilização do confinamento e a reabertura da economia, com a liberação de viagens, deu início em maio de 2021 e foi avançando com o aumento da cobertura vacinal na população. Medidas para aliviar os prejuízos na economia Durante a pandemia, o governo lançou as seguintes medidas para retomada econômica da França: Plano “France Relance”, com um investimento de 100 bilhões de euros, com o apoio financeiro da União Europeia, em diferentes setores para acelerar as transformações ecológicas, industriais e sociais do país; Fundo de Solidariedade, para auxiliar financeiramente com 6 bilhões de euros aqueles que tiveram suas atividades afetadas pela pandemia; Linhas de crédito garantidas pelo Estado; Suspensão de aluguéis comerciais para empresas com menos de 250 trabalhadores; Pagamento de salários para pequenas empresas que mantivessem seus funcionários empregados durante a crise; Facilitação do acesso ao seguro-desemprego. Mesmo com as medidas adotadas, a França finalizou o ano de 2020 com uma queda do PIB de 7,9%. Porém, em 2021, o PIB aumentou 6,8% em volume, registrando uma clara recuperação da economia, assim como a melhoria da situação da saúde. Guerra da Ucrânia e o impacto na França A economia francesa começava a se recuperar da pandemia da Covid-19 e passa a sofrer as consequências da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, que eclodiu em fevereiro de 2022. Para começar, a Rússia é o principal exportador de gás, petróleo e carvão para os países da União Europeia, o que desencadeou uma crise energética com as sanções contra o país. Com o aumento do preço do gás e do petróleo, aumenta o custo de produção das empresas e reduz o poder de compra da população, contribuindo diretamente para a inflação no custo de vida na França. Em um ano, o preço do gás teve um aumento de mais de 600%. Segundo o Insee, na França, o preço da energia subiu 30% entre março de 2021 e março de 2022. Subindo mais 14,1% em março de 2023. Medidas para conter a inflação O governo reagiu com medidas para conter o aumento dos preços, que afetou principalmente o setor de alimentos, como grãos e óleo de girassol, que subiu 15,8% em um ano. Cheque energia: auxílio de 100 euros para mais de 5,8 milhões de famílias durante o inverno na França; Subsídio para despesa com gás e eletricidade em grandes empresas; Desconto de combustível: subsídio de 15 centavos de euro por litro aos distribuidores de combustíveis para ser repassado ao consumidor final; Apoio aos setores mais expostos e empresas exportadoras para garantir a disponibilidade de cobertura de seguro de crédito para o comércio; Aumento de 4% nos benefícios sociais; Refeição completa nos restaurantes universitários por 1€ para estudantes de baixa renda. Além disso, devido à guerra, a França, através da Lei de Programação Militar, prevê um investimento de 413 bilhões de euros, no período 2024–2030, para repor os estoques e modernizar os exércitos com o apoio da indústria. Outra ação do governo francês foi acolher os refugiados da Ucrânia. Em 2022, 65.833 ucranianos foram beneficiados com uma autorização de residência temporária (APS) para receber proteção temporária no país. Guerra de Israel impacta a economia da França? Não têm sido muito frequentes análises de especialistas sobre implicações econômicas do conflito em Gaza para o continente europeu e, mais especificamente, para a economia francesa. As poucas análises de instituições de peso do mercado foram publicadas em novembro, logo após o início do conflito (com os atentados do Hamas em 7 de outubro de 2023), projetando impactos significativos caso o conflito ganhasse novas proporções. Esta foi a linha de análise do grupo Goldman Sachs, projetando que a Europa poderia ser atingida economicamente caso o conflito provocasse uma alta no preço da energia, o que afetaria também os fluxos de comércio, condições de financiamento e a confiança do consumidor. [caption id="attachment_145415" align="alignnone" width="750"] As projeções dos analistas é que o conflito de Gaza não vai trazer grandes impactos na economia da França.[/caption] Já o Rabobank, em análise similar, indicou que uma escalada do conflito poderia também afetar os preços dos alimentos e as taxas de juros. Por sua vez, o grupo Allianz Trade previu, também em novembro, que o conflito tinha 75% de chances de produzir apenas impactos limitados à economia europeia. Segundo a análise, o conflito pouco afetaria os preços dos alimentos, e por isso não interferiria na inflação. Outro fato observado na análise foi o de que, embora tenha se elevado rapidamente após o início das hostilidades, em novembro o preço do petróleo já havia voltado a níveis anteriores enquanto o conflito ainda se desenrolava. Quais as principais atividades econômicas da França? A atividade econômica de um país é classificada em três setores: primário (exploração dos recursos naturais), secundário (atividades industriais) e terciário (serviços). Na França, considerado um país com uma das economias mais desenvolvidas e diversificadas do mundo, há uma forte presença nos setores de serviços, indústria e agricultura. A agricultura na França corresponde a 1/4 da produção agrícola total da União Europeia. Com destaque para o trigo, milho, uvas para a produção de vinhos franceses e pecuária. Porém, esse setor corresponde a apenas 1,6% do PIB do país, segundo os dados do Banco Mundial. Para se ter uma noção, em 2021 (Insee), os serviços mercantis, que correspondem ao comércio, representaram 56,5% da economia francesa, seguido pela manufatura, mineração e outras indústrias com 13,01%. A agricultura atingiu 1,9%. Na indústria manufatureira, vale destacar os setores de: Telecomunicações; Eletrônicos; Automobilístico; Aeroespacial; Armamentístico. O setor terciário, que representa os serviços, é o que mais emprega e movimenta a economia, com 71,2% do PIB francês. Não é para menos, já que a França é o maior destino turístico do mundo, recebendo mais de 91 milhões de turistas anualmente. Produção e exportação francesa A França é o 5º maior exportador mundial de bens e serviços do mundo, com 146.200 empresas exportadoras, conforme registrado no 3º trimestre de 2023. Em 2023, as exportações subiram para 607,3 bilhões de euros, um aumento de 1,5% cento em relação ao ano anterior. A maioria das exportações tem como destino União Europeia, sendo os principais clientes: Alemanha, Itália e Bélgica. Segundo o último relatório anual do comércio exterior, produzido pelo Ministério da Economia, as principais exportações francesas são: Aeronáutica e espaço; Perfumes, cosméticos; Produtos agrícolas e agroalimentar; Farmacêuticos. Vale a pena morar na França na atual situação econômica? Para responder a essa pergunta, é preciso analisar seus objetivos no país, além de sua condição financeira, de trabalho, possibilidade de investimento e o que pretende fazer no país. O governo francês está realizando diversas medidas para a população manter seu poder de compra e reajusta o salário mínimo francês anualmente, às vezes até mais de uma vez, para acompanhar a inflação. Eu (Nathane) morei na França, especificamente em Bordeaux em 2022 e fiquei muito satisfeita com tudo o que o país tem a oferecer, desde ao transporte público de qualidade, segurança, oportunidades de cursos profissionalizantes para entrar no mercado de trabalho e um sistema de saúde que funciona. Mas é preciso ressaltar que, em cidades como Paris, o custo de vida é bem elevado. Se você está se planejando para investir na França e migrar para a Europa em busca de mais qualidade de vida, recomendo o ebook “O sonho de viver na Europa”, que retrata a jornada de diversas pessoas que saíram do Brasil com todos os passos para você fazer o mesmo.

crescimento dos movimentos anti-imigração na Europa
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Sentimento anti-imigração cresce em toda a Europa – conheça o contexto em diversos países

Juntamente com as questões climáticas, as políticas migratórias — ou a ausência delas — são uma questão contemporânea central. O avanço do sentimento de anti-imigração na Europa, fechamento de fronteiras, restrições a vistos e permissões de residência e até mesmo deportações têm se tornado assunto frequente na imprensa e nas redes sociais, por mais que esse não seja um movimento novo. A chamada crise migratória existe e tem raízes profundas, mas o que se vê na superfície é geralmente a utilização dessa pauta para alimentar discursos xenófobos e, consequentemente, grupos políticos extremistas. Países como Alemanha, Itália, França, Holanda, Reino Unido, e mais recentemente, países nórdicos e Portugal têm aparecido no noticiário como cenários de crescente pressão migratória e episódios mais frequentes de xenofobia. Crise da imigração na Europa exige mudanças profundas Este tipo de repercussão, entretanto, não deve ofuscar a complexidade do fenômeno. Pesquisadora brasileira da Universidade de Brasília (UnB), Christiane Machado Coelho pondera que as migrações possuem caráter multifacetado. Logo, quando se fala em crise migratória, deve-se também avaliar todos os fatores desse contexto. Coelho pesquisa a imigração de brasileiros em Portugal e afirma haver uma tendência a desclassificar, desumanizar, criminalizar e homogeneizar os imigrantes, como se fossem todos iguais. “Diferenças sociais, étnico-raciais, religiosas, políticas, geracionais e culturais são, muitas vezes, negligenciadas. Este processo acaba contribuindo para uma certa estigmatização dos imigrantes. Este tipo de visão está muito presente na opinião pública e é utilizado em debates políticos que enfatizam os imigrantes como uma ameaça, responsáveis pela crise social contemporânea”. Ela lembra também que, no caso das migrações, as crises podem ser associadas a mudanças. E uma mudança recente foi a pandemia da Covid-19, que impactou economicamente o mundo todo. Em momentos de crise, afirma, há uma tendência a criar ‘bodes expiatórios’, os quais passam a ser “vistos como responsáveis pela ‘descaracterização’ dos países e pelo aumento da insegurança e da violência”. [caption id="attachment_162254" align="alignnone" width="750"] Christiane é pesquisadora especializada em assuntos de migrações para Portugal. Foto: Christiane Machado Coelho[/caption] Difícil falar em solução. Para a pesquisadora, o que se precisa fazer é pensar em formas de controlar os fluxos irregulares, garantir direitos e deveres para os imigrantes e tirar da invisibilidade e da precariedade as parcelas de imigrantes que não conseguem ter seus direitos garantidos. Ou seja: “[...] políticas públicas que sejam claras e eficazes em termos de critérios, garantias e direitos para imigrantes e refugiados”. É preciso uma resposta à crise migratória na Europa que seja eficaz, mas não pautada por valores discriminatórios. Enquanto essa resposta não chegar, provavelmente haverá um crescimento de grupos radicais, como os da extrema-direita, mobilizados pela polarização entre nacionais e estrangeiros — “nós” e “eles”. Um breve olhar sobre alguns países europeus indica haver ainda um longo caminho até uma resposta eficaz e humanizada à crise migratória. Portugal: partido Chega avança com pautas de fomento à xenofobia Quase 800 mil estrangeiros residem oficialmente em Portugal, segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (RIFA). Sem contar a população que vive irregularmente no país, pode-se dizer que os estrangeiros representam 8% da população portuguesa. Entre 2021 e 2022, o aumento da população imigrante residente foi de praticamente 12%, sendo 2022 o sétimo ano de aumento consecutivo. A maioria dos imigrantes em Portugal é brasileira (30%), seguida de cidadãos do Reino Unido e de Cabo Verde. Na esteira do crescimento no número de estrangeiros no país, cresce também o partido ‘Chega’, com seu discurso anti-imigração. Após conquistar sua primeira cadeira no parlamento português em 2019, o ‘Chega’ cresceu em popularidade e se tornou a terceira força no Parlamento em 2022. No discurso populista, falas contra a população cigana, informações falsas sobre reagrupamentos familiares e desinformação sobre a Segurança Social são usados como forma a alimentar a xenofobia e o racismo entre a população — estratégia alinhada ao viés da extrema-direita, apesar de o partido rechaçar essa classificação. Imigração em Portugal desacelera o envelhecimento demográfico O economista, Miguel Teixeira Coelho, faz uma análise sobre os fluxos migratórios em Portugal, tanto de saída de portugueses quanto de entrada de estrangeiros. Nesse vaivém, o censo português de 2021 apontou um decréscimo populacional de 2,1% em relação a 2011. Tal fato, para Teixeira Coelho, pode ter consequências econômicas e sociais inquestionáveis para o país a longo prazo. Afinal, a demografia é um ativo crucial para o desenvolvimento econômico de qualquer país. No caso do desenvolvimento e da economia de Portugal, a imigração pode não ser a única solução, mas atende em parte. “A captação de imigrantes com competências e capacidade de responder às necessidades da economia nacional poderão mitigar os efeitos de ‘um inverno’ há muito anunciado”, ressalta Teixeira. Em Portugal, um dos efeitos positivos dos imigrantes é a taxa de natalidade, maior entre os estrangeiros que residem no país, pontua Teixeira. Outro benefício, segundo o economista, é que a imigração atenua o envelhecimento demográfico, já que a população estrangeira é, em sua maioria, mais jovem. E, para garantir a sustentabilidade do sistema de Segurança Social, lembra o especialista, é necessária uma estrutura demográfica que o suporte. “O desafio, no entanto, é encontrar um modelo de controle dos fluxos migratórios rigoroso, transparente e auditável, que permita uma integração digna e plena a todos aqueles que, respeitando os valores das sociedades democráticas ocidentais, escolheram Portugal como destino para trabalhar e viver”. AfD cresce na Alemanha e população reage O ano de 2024 começou atípico na Alemanha. Já na terceira semana, 1,4 milhão de pessoas tomaram as ruas de diferentes cidades para protestar. O motivo: a notícia de que membros do partido Alternativa para Alemanha (AfD) teriam discutido, em segredo, planos para expulsar imigrantes da Alemanha. A reunião em questão foi com um líder extremista austríaco. Após a revelação, a reação nas ruas foi imediata — apesar de no país não serem comuns manifestações do tipo e de tamanha proporção. As ruas, então, traduziram a atual composição da população alemã, já que quase um quarto dela tem o que o governo chama de ‘histórico de imigração’. Os protestos reacenderam o debate sobre proibir a AfD no país, partido de extrema-direita alvo de investigação por suspeita de afronta aos direitos fundamentais, previstos na Constituição, e à ordem democrática alemã. A revelação de um plano de deportação em massa é mais um capítulo dessa história. A AfD poderá ter representatividade no Parlamento Europeu Com poucos anos de oposição, a sigla vem cavando cada vez mais representação política. Pesquisas eleitorais recentes apontam que o partido deverá ter sucesso este ano, tanto no Parlamento Europeu quando nos pleitos locais. Com soluções simplórias para problemas complexos e um discurso fácil, ao mesmo tempo que radical e ameaçador, a AfD seduz cada vez mais eleitores, especialmente no leste alemão. Um eleitorado que, segundo analistas, não se incomoda com o discurso extremista e preconceituoso dos líderes do partido. Parlamento alemão responde com aprovação da lei que facilita obtenção de cidadania Coincidentemente, ou não, enquanto o país fervia e se mobilizava contra os fatos relevados sobre a AfD, a câmara baixa do Parlamento alemão aprovou a lei que facilita o acesso à nacionalidade. A aprovação foi recebida como uma mensagem de que a Alemanha continua aberta aos imigrantes e precisa deles. O texto aprovado permite acumular a cidadania alemã juntamente com a de outros países e ainda reduz de oito para cinco anos o tempo para solicitar a nacionalidade, para o caso de imigrantes que vivem legalmente no país. Medo vs esperança: relato de uma brasileira residente na Alemanha “Se o AfD chegar ao poder, os direitos das minorias seriam reduzidos ao status de tolerância e a diversidade cultural na sociedade diminuiria”, afirmou o especialista em ultradireita David Begrich, ouvido pela Deutsche Welle em 2023. E esse é o temor de muitos imigrantes que moram na Alemanha, como o caso da brasileira Flávia Ricetti, que completou quatro anos no país. Após a revelação do suposto plano de deportação de imigrantes, Flávia diz que, em um primeiro momento, sentiu medo. Como se o já conhecido discurso anti-imigração — sentido diariamente por quem é imigrante na Europa — tivesse tomado proporções maiores e fosse, talvez, factível. Afinal, soma-se a esse fato o real aumento do apoio popular ao partido AfD no país. Esse sentimento foi gradualmente dando lugar à esperança, à medida que ela viu as ruas de diferentes cidades alemãs serem ocupadas por pessoas de todas as origens para protestar contra os últimos acontecimentos. [caption id="attachment_162257" align="alignnone" width="750"] Flávia tem esperança de que o discurso anti-imigração não vai ganhar espaço. Foto: Flávia Ricetti[/caption] Flávia também acredita que planos radicais e extremistas contra imigrantes não terão forças para vingar no país, considerando o passado alemão e como o país é cobrado e vigiado pelo restante do mundo decorrente desse passado. Entretanto, a extinção da AfD é pouco provável na avaliação da brasileira: “Eles sabem até onde podem ir e, por isso, agem sempre no limite da legislação e, por isso, é muito difícil que sejam proibidos de atuarem”. Ela entende que será preciso lidar com a pressão do partido: “ [...] principalmente porque o discurso dos líderes da extrema-direita alemã é que as manifestações que ocorreram são uma forma de ataque aos alemães, e não ao partido em si, o que faz aumentar a polaridade e a tensão 'nós contra eles'”, avalia. Entre países nórdicos, extrema-direita ganha espaço por meio de coalizões Entre os países nórdicos, alas radicais da direita vêm conseguindo apoio consistente na Suécia e na Finlândia. Os dois países são governados por coalizões formadas, entre outros, por siglas da direita mais radical, com discurso anti-imigração. Na Suécia, o atual governo vem reiterando a necessidade de uma política migratória mais restritiva e com deportações. Apoiado pelos Democratas Suecos (a linha mais radical), o governo planeja restringir as condições para concessão de benefícios sociais a migrantes não-europeus e impedir o acúmulo de subsídios sociais, a fim de desestimular a emigração. Se na Suécia a extrema-direita aparece como mera apoiadora do governo, na Finlândia ela o compõe. Uma das cadeiras ocupadas é a de presidente do Parlamento do país, ocupada por Jussi Halla-aho (partido Os Finlandeses), que possui um histórico de falas racistas, xenófobas e homofóbicas, inclusive com condenações pelo Supremo Tribunal finlandês. Itália é o país do bloco europeu mais alinhado à extrema-direita Na Itália, a extrema-direita encontrou espaço, voz e vez. Giorgia Meloni, líder da direita radical italiana, ocupa desde 2022 o cargo de primeira-ministra do país, a primeira mulher a assumir o posto. Ela é a principal liderança do partido Irmãos da Itália, cujas raízes políticas estão no Movimento Social Italiano (MSI), tido como um resquício do fascismo. Apesar de rejeitar o rótulo de neofascista, Meloni ostenta posicionamentos controversos, incluindo o lema “Deus, pátria e família”, o mesmo que popularizou o ditador fascista Benito Mussolini (1883-1945). Ela ainda se posiciona contra os direitos LGBT e é a favor do bloqueio marítimo da Líbia para impedir que imigrantes do norte africano desembarquem na Europa. Após a eleição de 2018, quando teve 4% dos votos, Meloni se aliou a Silvio Berlusconi e ao partido de extrema-direita Liga, liderado pelo polêmico ex-ministro do Interior, Matteo Salvini. Venceu. Aprovação de metade da população Com aprovação interna na casa dos 50% e posicionamentos que acalmam os ânimos dos aliados ocidentais, como o apoio à Ucrânia diante da invasão russa, Meloni mostra que sabe andar sobre o muro. Mas nem sempre malabarismos retóricos são suficientes para contornar o passado da primeira-ministra. O ano de 2024 mal havia começado quando jornais de todo mundo noticiaram mais um ato de manifestantes da extrema-direita italiana fazendo uma saudação fascista. Dessa vez, a manifestação ocorreu em frente à antiga sede do grupo MSI, dia 07 de janeiro, em homenagem a três neofascistas assassinados em 1978. Meloni é uma das cofundadoras do partido Irmãos da Itália, que tem origem no MSI, mas nem ela, nem o partido se pronunciaram sobre o ocorrido. Holanda surpreende e extrema-direita é realidade Na Holanda, a virada da extrema-direita no fim de 2023 surpreendeu os europeus. O populista Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade (PVV), venceu as eleições com 23% dos votos. A vitória, conforme especialistas, se deve muito à frustração do eleitorado holandês com o avanço da pobreza, o déficit habitacional e a atual política de migração. Em 2022, a população imigrante na Holanda aumentou em aproximadamente 220 mil pessoas, quase o dobro registrado em 2021, puxada pela população ucraniana que buscou asilo no país. Apesar de não contar com a maioria parlamentar e ainda sem conseguir formar o governo, a vitória da extrema-direita assustou. A Holanda se torna, assim, mais um exemplo de como o discurso populista anti-imigração na Europa, que atribui aos estrangeiros a decadência socioeconômica, reverbera no eleitorado europeu. No Parlamento há 25 anos, Wilders construiu sua popularidade e suas campanhas a partir de posicionamentos extremistas anti-União Europeia, anti-Islã e contra imigrantes (especialmente refugiados). Geert Wilders coleciona ofensas à comunidade muçulmana num país em que turcos e marroquinos representam as maiores populações imigrantes. Governo francês anuncia medidas para não perder eleitores para a extrema-direita Na vizinha França, enquanto a extrema-direita cava o apoio do eleitorado para as eleições europeias, o presidente Emmanuel Macron anuncia medidas para resistir e amenizar as insatisfações da população. Entre elas, um projeto de lei para impulsionar o crescimento e a redução de impostos para a classe média. As ações foram anunciadas em coletiva de imprensa, no dia 17 de janeiro, e interpretadas por analistas como uma tentativa de reforçar seu legado e desafiar as investidas do partido Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen. [caption id="attachment_162261" align="alignnone" width="750"] O avanço do sentimento de anti-imigração cresce ainda mais contra árabes e muçulmanos em decorrência da guerra.[/caption] O anúncio ocorre após disputas legislativas internas que desgastaram o governo, como aquelas sobre a idade para a aposentadoria e a nova e polêmica lei da imigração na França. Esta última foi aprovada pelo Parlamento francês em dezembro do ano passado, com o apoio tanto do partido de centro Renascimento, de Macron, quanto da direita radical de Marine Le Pen. Após passar pelo Conselho Constitucional, a lei da imigração foi promulgada pelo governo com a revogação — total ou parcial — de 35 artigos. Entre eles, artigos inseridos por pressão dos partidos de direita e extrema-direita, que tornavam a legislação ainda mais dura do que a versão promulgada. Novo Pacto de Migração e Asilo da UE deve ser formalizado até junho Comemorado por muitos e questionado por outros tantos, o acordo em torno do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo da União Europeia (UE) foi anunciado à comunidade internacional às vésperas do Natal de 2023. Apesar do anúncio de dezembro, as conversações seguem até fevereiro, com formalização prevista para antes das eleições para o Parlamento Europeu, em junho. Foram mais de três anos até que Parlamento Europeu e o Conselho da UE chegassem a um acordo sobre o sistema comum de governança para questões de refugiados e imigrantes. O novo sistema deve substituir o atual Regulamento de Dublin — estabelecido em 1990 e reformado duas vezes. “Nosso objetivo era encontrar uma abordagem justa e pragmática para gerir conjuntamente a migração na UE. Trata-se de um passo crucial para dotar a Europa dos instrumentos necessários para gerir a migração”, afirmou Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia. O acordo, no entanto, é criticado por instituições como a Anistia Internacional. Segundo Eve Geddie, Diretora do Gabinete das Instituições Europeias da organização, as reformas acordadas têm potencial de provocar um retrocesso no direito de asilo na Europa nas próximas décadas: “O seu resultado provável é o aumento do sofrimento em todas as etapas da viagem de uma pessoa que procura asilo na UE. Desde a forma como são tratadas pelos países fora da UE, passando pelo acesso ao asilo e ao apoio jurídico nas fronteiras europeias, até ao seu acolhimento, este acordo destina-se a dificultar o acesso das pessoas à segurança”, ressalta Geddie. A extrema-direita avança no Parlamento Europeu Faltando menos de cinco meses para as eleições do Parlamento Europeu, as pesquisas apontam para a formação de um parlamento com a maior representação de partidos de extrema-direita da história do bloco. O cenário não chega a ser uma novidade, considerando que partidos de extrema-direita vêm conquistando cada vez mais espaço nas eleições nacionais e locais do bloco. Após as eleições de 2019, dos sete grupos políticos integrantes do parlamento, dois incluem siglas de extrema-direita. O partido Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) é composto por 67 eurodeputados de 16 países. Ele agrega, entre outros, os partidos Irmãos de Itália (da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni), Vox (Espanha) e o Partido Lei e Justiça (Polônia). Impulsionados pelo bom desempenho do partido Irmãos de Itália, o grupo CRE apareceu nas últimas pesquisas com 11% na projeção de assentos do Parlamento europeu. Já o Identidade e Democracia (ID) tem 58 eurodeputados, de 8 países, e inclui os partidos Reagrupamento Nacional (de Marine Le Pen, na França), AfD (Alemanha) e a Liga (do italiano Matteo Salvini), entre outras siglas. Em pesquisa recente da Europe Elects, o ID aparece com 12% na projeção de assentos, melhor desempenho desde fevereiro de 2020, conforme noticiado pela EuroNews. Sentimento antissemita e islamofóbico está em crescimento na Europa Desde o dia 7 de outubro de 2023, início do conflito entre Israel e Hamas, o mundo assiste ao aumento de manifestações antissemitas e islamofóbicas. Prédios, casas e monumentos amanhecem com pichações de estrela de Davi, muçulmanos e árabes são hostilizados e ameaçados nas ruas e nas redes sociais. Segundo o Ministério dos Assuntos da Diáspora de Israel, países como Alemanha, França e Reino Unido tiveram o maior aumento de atos violentos, profanações de cemitérios e ameaças contra as comunidades judaicas. Em Londres, as ofensas islamofóbicas aumentaram 140% segundo a Polícia Metropolitana, ouvida pela Euronews. Na Alemanha, país que apoia a retaliação de Israel na Faixa de Gaza, cidadãos de origem muçulmana e árabe denunciam que foram fiscalizados e interrogados pela polícia sem motivo. Populações muçulmanas e árabes da Europa, conforme divulgado pelo jornal Valor Econômico, temem que o conflito fortaleça a islamofobia e o estigma sobre essa população. Se já se vive uma tendência de criminalização de imigrantes e responsabilização por crises econômicas e sociais, um quadro assim reforçaria ainda mais o discurso da extrema-direita, que já retrata muçulmanos e árabes como um perigo interno.

Violência x política migratória Suécia são problemas que precisam ser resolvidos
Notícias Suécia

Violência entre gangues aumenta na Suécia e governo reage com ações anti-imigratórias

Violência x política migratória, esse é o cenário atual da Suécia, país conhecido por ser um dos mais seguros do mundo. Os pouco mais de 10 milhões de habitantes vêm enfrentando uma escalada de violência urbana entre gangues. Desde setembro, notícias sobre confrontos, explosões e assassinatos são frequentes em jornais de todo o mundo, arranhando a imagem de tranquilidade e segurança que o país cultiva. O governo de centro-direita foi rápido em apontar culpados: as políticas de incentivo à imigração e, consequentemente, a população imigrante. O discurso oficial encontra ressonância no eleitorado que elegeu, em 2022, a coalizão de direita que indicou primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson. Onda de violência em várias cidades suecas Atualmente, a taxa de mortalidade por crimes com armas de fogo na Suécia é a segunda mais alta da Europa, atrás apenas da Albânia, segundo os dados mais recentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Em 2010, a Suécia ocupava a 14ª posição no ranking. Apesar de parte significativa dos crimes ligados a gangues se concentrar nas principais cidades suecas (como Estocolmo, Gotemburgo, Malmö e Uppsala), a onda de ataques já extrapolou essas divisas e hoje chega a cidades menores. Dados divulgados pela imprensa sueca apontam para 50 pessoas mortas em tiroteios em 2023, sendo 12 apenas em setembro. Se confirmado, o mês de setembro de 2023 será aquele com o maior número de mortes por arma de fogo desde que esse tipo de registro começou a ser feito no país, em 2016. Estopim da violência Conforme amplamente divulgado pela imprensa internacional, o pico de violência registrado em setembro deste ano está ligado ao mercado de armas de fogo e drogas no país, com uma camada a mais de complexidade. Relatos dão conta de que uma das principais organizações criminosas da Suécia, conhecida como Foxtrot, estaria passando por divisões e disputas internas, resultando em duas facções distintas. Uma particularidade das gangues suecas é o aliciamento de adolescentes e jovens para atuação na linha de frente dos ataques, com manuseio de armas e explosivos. O uso de explosivos é outra característica da violência entre gangues no país. A estratégia, em muitos casos, é utilizada contra a residências de familiares de membros de facções concorrentes. Já são mais de 140 registros de explosões em território nacional, de janeiro a dezembro de 2023. Violência de gangues não é exatamente uma novidade O crescimento da violência entre gangues na Suécia não é de hoje. Desde o início da década 2000, o país vem assistindo a um aumento constante dos crimes relacionados ao comércio de armas de fogo e drogas, além de índices de mortes em tiroteios acima do que seria esperado para o país nórdico. Segundo o Conselho de Prevenção ao Crime (Brå), em 2022, foram registrados 116 casos de violência com morte na Suécia, sendo 54% com uso arma de fogo. A média na última década foi de 98 casos por ano. Do total de mortes, 75% foram registradas nas regiões metropolitanas de Estocolmo, Oeste e Sul. Desigualdade social como motor da violência urbana Entre as causas apontadas por especialistas para a crise vivenciada pela Suécia na segurança pública estão o aumento da desigualdade social e, consequentemente, da pobreza. Nesse contexto, a desigualdade pesa mais sobre os ombros da população imigrante, marginalizada ao longo de décadas. Este cenário alimenta as organizações criminosas, que se aproveitam da situação de vulnerabilidade e de falta de oportunidades para aliciar crianças e jovens. Tal estratégia não é exclusividade do crime organizado sueco, mas uma prática que extrapola fronteiras geográficas. [caption id="attachment_159534" align="alignnone" width="750"] Gangues suecas são famosas por aliciar crianças e jovens para atuar no tráfico de drogas.[/caption] Pesquisa recente divulgada pelo Brå aponta que, das pessoas suspeitas de crimes em 2022, 43% tinham menos de 30 anos. Dentre eles, os jovens entre 15 e20 anos representavam 19% de todos os suspeitos. Quando analisado o tipo de crime cometido pelo público jovem, as categorias com maiores proporções de jovens são: Tráfico de drogas (39%); Crimes contra pessoa (32%); Roubo (20%). Em entrevista recente ao jornal The Guardian, Felipe Estrada Dörner, professor de criminologia na Universidade de Estocolmo, afirma que, para desacelerar o aliciamento de jovens por partes das gangues urbanas, é preciso agir para reduzir as desigualdades sociais. “Punições mais severas, nas quais o governo investe muitos recursos agora, não resolverão esses problemas”, frisa o especialista. Medidas foram criadas para barrar o aumento da violência Para além da revisão da política imigratória e de integração, o governo sueco vem investindo em operações de segurança pública e mudanças na legislação. Também em setembro, os militares foram acionados para reforçar a ação da polícia. Desde então, o Exército auxilia com logística, trabalhos forenses, gerenciamento de explosivos e demais funções especializadas nas quais os militares possam ser úteis, explicou o primeiro-ministro Ulf Kristersson. Entre as operações de segurança pública está o confisco de armas e de explosivos em barreiras policiais. A legislação criminal também vem sendo revisada e atualizada, segundo o primeiro-ministro. Uma das mudanças permitirá uma prevenção mais efetiva, a partir de interceptação de comunicações entre membros do crime organizado. Em julho de 2023, o governo já havia anunciado o aumento da pena contra membros de organização criminosa considerados culpados. O Estado sueco também definiu como crime o aliciamento de crianças e adolescentes para o crime organizado. Governo culpabiliza políticas migratórias Reagindo aos ataques de setembro, o governo sueco, liderado pelo primeiro-ministro Ulf Kristersson, depositou a violência na conta das políticas migratórias. Em suas declarações, Kristersson pontuou ainda falhas nas políticas de integração: “Com uma política de integração que praticamente não tem requisitos (para os migrantes) e nenhum incentivo à integração na sociedade, esta elevada imigração criou uma Suécia dividida”. A coligação, que se elegeu defendendo deportações, sugeriu rapidamente medidas para dificultar a entrada de imigrantes. Em outubro, Kristersson anunciou restrições à concessão de benefícios sociais a imigrantes não-europeus visando desestimular novas chegadas. Especialistas se opõem aos argumentos do governo Especialistas no assunto veem este discurso como oportunista, para sustentar políticas anti-imigração. Um estudo conduzido pela polícia sueca e divulgado pelo The Guardian mapeou as áreas mais vulneráveis do país, aquelas onde ocorre a maioria dos crimes graves. Tais regiões concentram apenas 5% da população do país, sendo a maioria desse percentual composto por imigrantes, além de filhos e netos de imigrantes, mas que já nasceram na Suécia. Apesar da pesquisa jogar luz sobre a marginalização das populações imigrantes, que acabam sendo as que mais sofrem com o avanço da desigualdade no país, os dados são utilizados por uma perspectiva anti-imigração. Conforme contra-argumentou Felipe Estrada Dörner ao The Guardian: "Os fatores socioeconômicos são os que mais constituem os riscos de acabar no crime, e não a etnia das pessoas". Quem faz uma leitura semelhante do cenário é a jornalista e escritora sueca Elisabeth Åsbrink. Em 2022, em entrevista à BBC, Åsbrink observou que a Suécia vem passando por mudanças estatais estruturais, as quais acabaram por transformar o Estado de bem-estar social do país. Especificamente, tais mudanças, segundo Åsbrink, afetaram o sistema educacional, a previdência e o mercado de trabalho. E esse novo contexto, segundo ela, abriu brecha para o discurso de que os problemas enfrentados hoje pelo país se devem à imigração, argumento que reforça manifestações xenófobas. O que diz quem é imigrante na Suécia Mairon Giovani é brasileiro, pesquisador ambiental e ama conhecer o mundo — tanto que mantém um blog pessoal sobre suas experiências de viagem. Morando na Suécia há alguns anos, ele garante que o país é seguro. “Ninguém vai ser assaltado à mão armada no ponto de ônibus e ter o celular roubado”, enfatiza. Segundo o pesquisador, a violência existe, é fato, mas ocorre nas áreas mais periféricas das cidades, longe dos olhos da maior parte da população. Além disso, conta ele, há o perfil cultural do povo sueco, que mantém um comportamento um tanto indiferente a essas questões, conduta que a própria atuação da imprensa local reflete. Com isso, a violência não é um assunto recorrente em conversas ou em jornais. [caption id="attachment_159725" align="alignnone" width="750"] Mairon é pesquisador e viajante. Mora na Suécia desde 2017. Imagem de arquivo pessoal.[/caption] Mas, como um bom pesquisador e escritor, Mairon identifica questões culturais, históricas e políticas responsáveis pelo que vem ocorrendo no país. Para o brasileiro, existem dois fatos importantes que explicam muito a situação: a baixa capacidade dos suecos de integrar quem vem de fora e o papel assumido recentemente pelo país no narcotráfico. A sociedade sueca — em sua essência — não tem um perfil integrador, e isso impacta diretamente a vida dessas pessoas imigrantes, em especial dos refugiados que buscam asilo no país, ou seja, não vieram com proposta de emprego ou por questões de reunificação familiar. “Quem é imigrante sente nitidamente isso”, revela, acrescentando que os suecos respeitam a individualidade a ponto de não se esforçar pela integração. “Ou seja, houve uma ‘guetização’ muito grande, muito pouca mistura dessas populações. Temos uma segunda geração que são cidadãos suecos, filhos de imigrantes que nasceram aqui e vivem uma exclusão econômica que persiste. São populações social e economicamente vulneráveis”. Ainda na análise do brasileiro, o perfil reservado dos suecos, que inclusive se percebe na economia e nas relações políticas e internacionais, faz com que sejam até mesmo um pouco tolerantes com a fiscalização, incluindo a fiscalização contra o narcotráfico. Suécia acabou entrando na rota do tráfico Sabendo disso, as redes de tráfico internacional viram no porto de Helsinborg uma possibilidade de porta de entrada, principalmente de cocaína, analisa o pesquisador. Assim, de repente, a Suécia está se vendo em um papel mais central no tráfico internacional de drogas e não sabe lidar com isso, o que é também um problema de administração pública. “Então soma-se a isso a falta de incorporação social das populações marginalizadas”, completa. O contexto da violência na Suécia, analisa Mairon, lembra um pouco o que ocorre no México, com a disputa de um cartel contra o outro pelo mercado das drogas. "E o governo sueco em vez de resolver essa questão, explora um aspecto do problema (da imigração) para se promover politicamente”, ressalta. A ideia é dificultar o acesso de imigrantes de fora da UE Sob a justificativa de que a violência entre gangues está relacionada às políticas de imigração das últimas décadas, o governo sueco vem reiterando a necessidade de uma política de imigração mais restritiva e com deportações — o que é bandeira da atual gestão desde que assumiu o poder. Esta política restritiva seria, inclusive, uma moeda de troca utilizada pela coligação governamental para assegurar o apoio do partido de extrema-direita Democratas Suecos. Nessa linha, o governo planeja restringir as condições para concessão de benefícios sociais a migrantes não-europeus e impedir o acúmulo de subsídios sociais, a fim de desestimular a emigração para a Suécia. Mairon explica que, para frear a imigração, o governo está se inspirando na estratégia adotada pela Dinamarca há alguns anos. Uma dessas medidas é o aumento do tempo necessário para conseguir a cidadania sueca. Outra estratégia já adotada é o aumento do piso salarial necessário para conseguir uma permissão de trabalho do país, o que pode comprometer a economia a médio e longo prazo. “Eles subiram muito esse piso e ainda de forma retroativa, a ponto de entrar em choque com os interesses das empresas. Essa medida pode deixar vários setores da economia descobertos, porque o mínimo salarial exigido agora pelo governo não é compatível com o que é praticado pelo mercado. As empresas alertam que essa estratégia não é realista, porque a economia depende dessa força de trabalho e vai ser impactada”. Hoje, cerca de 20% da população é imigrante Um quinto da população sueca é imigrante, mas o país, conhecido durante anos por políticas flexíveis de imigração e de asilo, convive hoje com um discurso xenófobo crescente. As estatísticas apontam alguns picos de imigração a partir da década de 1960, com uma onda de refugiados iranianos na década de 80 e outra de iugoslavos nos anos 1990. [caption id="attachment_159540" align="alignnone" width="750"] 2026 foi o pico mais alto de imigração na Suécia. Fonte: Statistics Sweden[/caption] O país atingiu o maior número de imigrantes em 2016, reflexo da onda migratória de refugiados para a União Europeia a partir de 2015, principalmente de sírios. Desde então, a Suécia vem registrando uma diminuição no número de imigrantes que entram no país anualmente. Segundo o Departamento de Estatística sueco, pouco mais de 102 mil pessoas migraram para a Suécia em 2022. O número é maior do que o registrado nos anos 2020 e 2021, porém menor do que nos anos anteriores a 2020. Movimento anti-imigração na Suécia Ano a ano os movimentos anti-imigração vêm crescendo e o termômetro dessa força foram as últimas eleições suecas, em 2022. Um quinto do eleitorado votou no partido de extrema-direita Democratas Suecos (SD), que hoje apoia a coalizão de direita que indicou o atual primeiro-ministro Sueco, Ulf Kristersson (Partido Moderado). O SD não compõe formalmente o governo, mas, com o desempenho nas últimas eleições, a sigla se firmou como a segunda maior força política do país, com 73 cadeiras no Parlamento. Criado em 1988 por simpatizantes do nazismo, o SD tem um posicionamento historicamente ultranacionalista e anti-imigração. Para observadores da política sueca, o desempenho do SD nas últimas eleições surpreendeu, já que o partido entrou no Parlamento apenas em 2010.

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