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Mel Rutkoski

Autor

Mel Rutkoski é psicóloga clínica e psicanalista de orientação lacaniana, além de especialista em Sociologia pela Universidade do Minho (Portugal) e mestre em Psicologia pela Universidade de Aveiro (Portugal). Como psicóloga imigrante que também escuta imigrantes, pesquisa as repercussões da condição de estrangeiro sobre a saúde mental de cada pessoa, especialmente em brasileiros expatriados.

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Familia viajando para morar no exterior
Psicologia para Expatriados

Preparo psicológico para expatriados – parte 3: preparação familiar

Em meus artigos anteriores, expliquei o quanto se adaptar a um novo ambiente demanda maior cuidado de si mesmo, pois requer uma reorganização da estrutura psíquica. Agora, em preparo psicológico para expatriados parte 3, veremos como isso implica, também, preparar quem estará junto nessa jornada. Afinal, é importante ter atenção ao impacto que essa mudança pode ter nos filhos, no(a) companheiro(a) ou em outros familiares. Ao mesmo tempo, é importante considerar aqueles que permanecem no Brasil. É responsabilidade de quem imigra preparar emocionalmente aqueles que ficam? Como fornecer apoio e atenção aos familiares que permanecem no Brasil? Essas são questões relevantes que evidenciam a importância de estender o cuidado psicológico àqueles que nos cercam. A imigração pode afetar uma família de muitas maneiras, e a decisão de partir nem sempre é lógica ou simples de explicar. Quem parte… Antes de iniciar o processo de imigração, você deve considerar cuidadosamente seus objetivos de vida e seus valores pessoais. No entanto, um debate interno não é suficiente quando você está acompanhado(a) nessa jornada. É importante que todos possam se questionar, independentemente do motivo que levou você e os demais a tomar essa decisão. Além disso, todos devem ser capazes de questionar uns aos outros. No amor e na dor? Vejamos o exemplo de quem viaja com um(a) parceiro(a), por exemplo. Com essa classificação, estou me referindo a diferentes formas ou estágios possíveis em um relacionamento. Ao mesmo tempo, o contexto pode variar. Vocês podem ser: Casados(as) no papel, com ou sem filhos; Pessoas que vivem juntas há bastante tempo, mas nunca oficializou a relação; Namorados(as) que terão a primeira experiência vivendo juntos; Um casal em crise ou buscando reavivar a relação; Recém-casados(as) que desejam começar uma nova vida fora do país; E assim por diante… A fase da relação, as expectativas que vocês têm sobre essa relação e o que vocês já viveram juntos — tudo isso e mais um pouco pode influenciar a experiência que vocês terão enquanto casal morando no exterior. [caption id="attachment_150223" align="alignnone" width="750"] Além das burocracias, os casais precisam refletir e conversar sobre os planos e expectativas no novo país.[/caption] Por isso, é importante pensar a respeito e se preparar para algumas questões que vocês possam vir a enfrentar. Vamos pensar em dois casos típicos. Casais que nunca moraram juntos, por exemplo, vão lidar com uma espécie de mudança dupla — não apenas para outra casa/país, mas também em sua vida íntima. Esse processo pode ser complicado, em alguns casos. Inclusive, pelo risco de, inconscientemente, associarmos à outra pessoa as dificuldades passadas na condição de imigrante. Já as pessoas que vivem sob o mesmo teto há mais tempo costumam ter rotinas de casal mais estabelecidas antes de imigrar. Isso tende a se alterar com a mudança de país. Vocês podem acabar passando mais ou menos tempo juntos(as), por exemplo. E isso pode trazer novas questões à tona. Reservem um tempo para refletir e se preparar Antes da viagem, com o foco em trâmites burocráticos ou em metas financeiras, nem sempre pensamos nessas questões. No entanto, refletir a respeito é essencial, tanto individualmente quanto nas conversas com o(a) parceiro(a), para que vocês estejam conscientes e mais bem preparados para lidar com os desafios da vida a dois no exterior. Um olhar para os filhos A imigração é uma jornada compartilhada e requer uma comunicação aberta e honesta entre os membros da família. É fundamental que todos os envolvidos tenham a oportunidade de expressar suas dúvidas, preocupações e expectativas, independentemente do motivo que levou à decisão de migrar. E isso, claro, deve incluir os filhos. Dependendo da idade e da fase de desenvolvimento em que seu filho ou filha se encontra, essa transição pode ser desafiadora. É importante prepará-lo(a) emocionalmente, fornecendo informações sobre o novo país, incluindo: Cultura local; Idioma; Escola/faculdade; Estilo de vida; Atividades de lazer locais. É difícil descrever tudo isso em detalhes ou com um alto grau de certeza antes de emigrar. Por isso, compartilhe o que você sabe e trate tudo com o máximo de leveza possível. Se não souber alguma informação, você pode simplesmente admitir isso e dizer que irá pesquisar — ou mesmo incentivar seu filho a fazer isso. Franqueza não é sinal de fraqueza. É necessário criar um ambiente de apoio e segurança emocional. Toda criança ou adolescente deve se sentir à vontade para expressar sentimentos e fazer perguntas. E os pais devem estar preparados para lidar com as reações emocionais dos filhos, que podem incluir ansiedade, tristeza, raiva — ou mesmo entusiasmo! [caption id="attachment_150227" align="alignnone" width="750"] Integrar as crianças nas atividades de organização da mudança é uma forma de fazê-las se sentirem parte do processo.[/caption] Muitos pais têm uma visão autoritária da sua relação com os filhos. E isso pode aparecer na hora de mudar para outro país. No entanto, isso pode ser extremamente prejudicial para eles e para a relação familiar. Oferecer suporte contínuo e incentivar o diálogo aberto é essencial para ajudar os filhos a se adaptarem ao novo ambiente. Envolvê-los nas decisões familiares permite que eles expressem suas opiniões e façam parte do processo de planejamento. Assim, todos se sentem mais unidos. A grande família Em alguns casos, há outros familiares que se mudam conosco para o exterior — por exemplo, nossos pais, um irmão ou irmã ou outros parentes próximos. E todos passarão por ajustes emocionais e psicológicos significativos ao enfrentar uma mudança tão grande em suas vidas. Para os familiares que decidem se juntar a nós na jornada da imigração, é essencial considerar suas necessidades e expectativas individuais. Cada pessoa terá suas próprias razões para fazer essa escolha. Alguns objetivos comuns incluem: Ambições profissionais; Oportunidades de estudo; Maior qualidade de vida; Viver perto da família. Por exemplo, são frequentes os casos de pais que decidem se juntar aos filhos no exterior após a aposentadoria, para ficar perto dos netos ou simplesmente em busca de uma vida melhor. Situações parecidas podem ocorrer com outros familiares, para os quais você pode acabar sendo um elo importante na decisão de emigrar. A conversa é fundamental É importante envolver esses familiares nas discussões e decisões relacionadas à imigração. Permitir que eles expressem suas opiniões e preocupações, e incluí-los no planejamento da mudança, pode ajudar a fortalecer os laços familiares e criar um senso de coletividade. Isso é especialmente importante quando vocês não vivem juntos no Brasil, mas passarão a morar sob o mesmo teto fora do país. Essa transição pode começar antes, com a atenção necessária e muito diálogo. Também é importante ter atenção aos casos em que você já vive fora do país e se prepara para receber um familiar. Seja em sua casa, seja morando em outro lugar, essa pessoa certamente contará com você e precisará de algum suporte. Você deve estar ciente da responsabilidade que pode ou não tomar para si. Leia também meu artigo sobre como imigrar sem apoio da família. …e quem fica Normalmente, também deixamos uma parte da nossa família para trás quando emigramos. Como preparar o outro para a distância e as mudanças que ocorrerão em suas vidas? Como oferecer suporte para que eles também possam lidar de maneira saudável com essa mudança desafiadora? Segundo Jacques Lacan, “o amor é dar o que não se tem a alguém que não é". Essa citação sugere que o amor não se limita apenas ao compartilhamento do que já possuímos, mas também envolve a capacidade de dar ao outro o que não temos em nosso poder. Quando emigramos, podemos não ter a presença física constante ou a proximidade geográfica com nossos familiares. Também podemos sofrer a falta que a distância traz. Ainda assim, somos capazes de manter uma relação de compreensão e afeto. É importante, nesse contexto, cultivar uma conexão significativa, compartilhando experiências, sentimentos e mantendo uma comunicação regular. Dessa forma, tanto você quanto seu(sua) familiar podem ter uma adaptação saudável à nova realidade. O lugar do outro Muitas vezes, evitamos falar sobre os nossos medos e inseguranças com a pessoa que irá migrar conosco. Pense que essa pessoa pode estar fazendo o mesmo. E que disfarçar os sentimentos dessa forma provavelmente cobrará um preço mais adiante. Não são raros, por exemplo, os casos de casais que emigram (com ou sem filhos) devido a uma oportunidade de trabalho recebida por um dos indivíduos. Muitas vezes, também pode haver apenas o desejo de um dos dois. Dificilmente ambos terão o mesmo grau de motivação e pensarão da mesma forma sobre a mudança para outro país. Ainda assim, devemos sempre nos mudar com alguém, e não por alguém. E ao sentirmos que há alguma questão conflitante — em nós ou no outro — em relação à migração, devemos trazê-la para a claridade. Em relação aos filhos, isso pode ser mais complexo. Eles são menos independentes e, muitas vezes, veem a si próprios — ou são colocados — em uma posição submissa. No entanto, ainda podem sentir medo ou ficarem ansiosos com a mudança. E você deve encarar isso de uma forma natural, sem culpar seu filho ou fazê-lo se sentir mal. Lembre-se que seus objetivos e expectativas não serão necessariamente os mesmos daqueles que viajam com você — tampouco de quem fica. Inclusive, todos podem estar empolgados, mas por razões diferentes. É preciso respeitar os diferentes sentimentos envolvidos em meio a um processo tão importante. E estar aberto(a) para falar sobre eles.

Na parte 2 do preparo psicológico para expatriados falamos sobre o que fica pra trás
Psicologia para Expatriados

Preparo psicológico para expatriados – parte 2: o que fica pra trás?

Em meu texto anterior sobre preparo psicológico para expatriados, destaco a importância de não negligenciar a saúde mental durante o processo de migração. Muitas vezes, os aspectos financeiros e burocráticos recebem maior atenção. Afinal, são vistos como precondições para que a mudança ocorra. No entanto, é fundamental se preparar emocionalmente para lidar com os desafios que surgem desde a fase de planejamento até a adaptação a um novo país. Retomo agora alguns pontos importantes sobre o tema. Continue a leitura para refletirmos sobre o que deixamos para trás ao emigrar, o tempo que levamos até começarmos a nos adaptar e se vale a pena investir ou desistir de um sonho em busca de uma nova vida. O que você deixa para trás? Quando decidimos emigrar, é comum deixarmos para trás uma parte de nós mesmos, de nossas raízes, afetos, rotinas e costumes. Essas perdas podem desencadear uma série de emoções e sentimentos conflitantes, como a tristeza, a angústia, a saudade e a sensação de vazio. Freud destacou a importância do processo de luto para a elaboração de perdas significativas em nossa vida. Para a psicanálise, esse processo é fundamental para criarmos espaço para novas experiências e relacionamentos. É preciso dar tempo e espaço para que isso ocorra. Afinal, apenas com o reconhecimento e aceitação das perdas podemos nos reinventar e encontrar novos significados para nossa vida. Quando enfrentamos dificuldades diárias, temos a tendência de (tentar) sufocar sentimentos que possam parecer inconvenientes. Isso é comum em um processo de adaptação a um novo país, quando o instinto de sobrevivência acaba sendo colocado muitas vezes em primeiro plano. Por exemplo: queremos nos dedicar a um trabalho novo ou a novas relações de amizade — e achamos que sentimentos ruins podem nos tirar o foco nesse contexto. No entanto, o nosso inconsciente costuma dar “notícias” dos sentimentos reprimidos. Isso pode aparecer de diferentes formas — por exemplo, quando nos tornamos incapazes de aceitar o novo. O mais saudável é entender que algumas coisas simplesmente não podem ser deixadas para trás. Pelo menos, não antes de você encará-las de frente. E isso pode ser fundamental para que você consiga seguir em frente. Quanto tempo leva para se adaptar? Como já vimos anteriormente, o processo de adaptação a um novo país pode ser desafiador e envolver uma série de dificuldades. Elas podem estar relacionadas a aspectos como: Diferenças culturais; Barreira do idioma; Clima; Estilo de vida; Mudanças na rotina. Esses desafios podem variar de acordo com sua personalidade, histórico de vida e experiências prévias. Cada pessoa tem um tempo e uma forma de lidar com isso. Ou, em outras palavras: é relativo. Ainda assim, alguns fatores tendem a acelerar sua adaptação. Para se ambientar em uma nova cultura, é importante entender e aceitar sua própria cultura e identidade. Isso ajudará a evitar conflitos internos que possam impedir sua adaptação. Será difícil compreender o outro sem entender como funciona o seu próprio sistema de valores e crenças. Encontrar pessoas que compartilham seus interesses e valores também pode ajudar a reduzir a sensação de isolamento e ansiedade. Isso pode ser alcançado em comunidades de brasileiros, mas não necessariamente. Aliás, é importante não forçar relações pessoais e não basear expectativas em vínculos frágeis. Por fim, é importante buscar ajuda quando necessário — por exemplo, por meio da terapia. Assim, você pode lidar melhor com as dificuldades e com a ansiedade que costuma surgir nesse processo. Investir ou desistir de um sonho? Ao decidir emigrar, é comum que tenhamos sonhos e expectativas para nossa nova vida. A escolha entre investir ou desistir desses sonhos pode ser um processo doloroso e complexo, que envolve uma reavaliação de fatores como: Oportunidades de trabalho e estudo; Estabilidade financeira; Qualidade de vida obtida; Saudade da família. A decisão deve levar em conta não apenas as suas necessidades e desejos, mas também a realidade e os limites do novo país. Afinal, muitas vezes, entendemos como fracasso um resultado que condiz perfeitamente com as condições oferecidas pelo lugar. É preciso avaliar com cuidado as possibilidades e estar preparado(a) para lidar com as frustrações e desafios que podem surgir. Ok, você pode não ter atingido seus objetivos iniciais e, talvez, muito do que sonhou já pode parecer fora de questão. Mas isso significa que a sua vida é ruim? Quais são os parâmetros? Também pode ocorrer o contrário: a meta inicial foi atingida, mas você se sente insatisfeito(a) ou até mesmo infeliz. A verdade é que muitas vezes ficamos presos a valores e expectativas que não refletem mais a nossa realidade. Afinal, o tempo nos faz produzir novos desejos e questionamentos. Podemos nos sentir bem mesmo que tudo tenha ocorrido diferente do que esperávamos — assim como podemos nos sentir infelizes com a vida que sonhamos um dia. Abrindo caminhos A adaptação ao novo ambiente requer uma reorganização da estrutura psíquica, uma mudança nas defesas e na forma de lidar com as emoções. O mais importante é entender que as coisas têm um tempo para acontecer. Você pode fazer o seu melhor para tornar tudo mais rápido e fácil. No entanto, muitas vezes, terá que aceitar o ritmo do lugar e das pessoas à sua volta. A mudança para um país exige certa agilidade para resolver burocracias e questões do dia a dia. Da mesma forma, você pode ter que dedicar boa parte do seu tempo ao trabalho. Por isso, a condição de imigrante vai sempre exigir um esforço adicional de adaptação. E você dificilmente poderá parar para resolver todas as questões que passam pela sua mente enquanto o restante da sua vida acontece. Ainda assim, é possível refletirmos sobre a nossa própria condição enquanto resolvemos o que vem pela frente. Isso exige alguma dose de serenidade e a prática crua de continuar caminhando. É como andar por uma floresta. Quanto mais vezes você passar pelo caminho e repetir essa experiência, mais a terra irá se assentar. Leia também a terceira parte da série Preparo psicológico para expatriados: preparação familiar.

Mulher com bloco de notas fazendo preparo psicológico para expatriados
Psicologia para Expatriados

Preparo psicológico para expatriados: como lidar com os desafios

Muitas vezes, quando tomamos a decisão de emigrar, o preparo psicológico é colocado em segundo plano. Às vezes, sequer é considerado. Normalmente, no topo da nossa lista de prioridades está o planejamento financeiro, além de questões burocráticas que a mudança exige. No entanto, a atenção à saúde mental é importante até mesmo para que essas etapas do planejamento sejam concluídas de forma equilibrada. Priorize seu bem-estar emocional A decisão de emigrar tem um grande impacto na vida emocional. Essa mudança pode trazer desafios diferentes dos que você imaginou inicialmente. É comum haver situações de estresse, sentimentos de solidão e inadequação. Por isso, um preparo psicológico adequado é essencial. Se você está pensando em emigrar ou já está em outro país, saiba que priorizar o seu bem-estar emocional é essencial para enfrentar as adversidades que podem surgir nessa nova vida. Questione-se Antes de começar o processo de imigração, é importante pensar nos seus objetivos de vida e nos seus valores pessoais. Por que você quer viver no exterior? O que é importante para você? Analisar suas motivações pode ajudá-lo(a) a ter uma visão clara do que deseja alcançar indo morar no exterior. Muitas vezes, a decisão de emigrar é motivada por frustrações e adversidades que vivemos em nosso país de origem. Embora a distância possa ajudar em alguns aspectos, dificilmente será uma solução. A mudança geográfica não irá blindar você de seus problemas, principalmente aqueles que você carrega há muito tempo. O que já vivemos nos acompanha como uma bagagem para qualquer lugar. Por isso, é fundamental saber o que você carrega nessa mala: lembranças, valores, desejos, frustrações. Isso para que você não acrescente a dor de experiências passadas aos momentos difíceis que possivelmente terá em outro país. Sim, um processo de imigração pode fazer eco de sofrimentos anteriores. Quando nos conhecemos melhor, estamos mais preparados para enfrentar certos desafios. Tudo é a nossa história de vida e aquilo que fazemos com ela. É possível conciliar saúde mental com uma mudança para o exterior? Entenda. Não existe lugar perfeito O exercício de autoquestionamento pode fazer com que você chegue a questões simples, mas nem sempre consideradas. Você pode questionar se o país ou cidade onde foi morar permite a manutenção de hábitos diários fundamentais para o seu bem-estar. Pode ser uma atividade física específica, um tipo de alimentação, a conveniência de morar perto do trabalho, a atuação em sua área profissional etc. É importante lembrar que não existe um lugar perfeito. É possível que o novo país tenha desvantagens, mesmo que também proporcione diversos benefícios para você. É normal ver problemas em um lugar a partir de seus próprios valores e necessidades — ou simplesmente não gostar do lugar que escolheu para morar! O mais importante é a forma como você lida com essas questões e o quanto as vantagens que você observa superam as adversidades encontradas. Ter tudo às claras, sem idealizações ou autoengano, pode ajudá-lo(a) a tomar decisões equilibradas sobre os desafios e oportunidades que virão pela frente. Como lidar com o sentimento de viver no exterior e se sentir preso emocionalmente ao Brasil? Entenda. Como lidar com o estranho? O acompanhamento psicológico pode ser um grande aliado nesse processo. Inicialmente, ele ajudará você a compreender os motivos da sua decisão de emigrar. Também levará você a enfrentar as expectativas e medos relacionados com essa mudança. Além disso, o acompanhamento psicológico pode dar suporte para que você lide melhor com a saudade da família e amigos. Ao mesmo tempo, você pode amparar-se nele para encarar o processo de adaptação a uma outra cultura, novas relações de afeto e tudo aquilo que é diferente em sua nova realidade. Para além de questões financeiras e burocráticas, o imigrante costuma passar por experiências particularmente difíceis. A discriminação, por exemplo, faz surgir um sentimento forte de inadequação. Muitas vezes, isso provoca uma perda de identidade e o anseio por nos adequarmos àquilo que achamos que o outro espera da gente. Permita-se viver a adaptação Nesse processo de busca por um novo lugar no mundo, dificilmente sairemos imunes às idealizações que criamos para nós mesmos com base em relações de afeto (família, amigos, companheiros, colegas de trabalho). Afinal, nos identificamos com base naquilo que pensamos ser o desejo dos outros. Esse encaixe faz parte da vida. Afinal, quando o outro deixa de ser estranho, há um processo de identificação e reconhecimento. Sentimo-nos mais seguros ao lado dessa pessoa. Funciona da mesma forma quando falamos sobre nós mesmos — por exemplo, em uma sessão de análise. É preciso lidar com a estranheza de ser quem somos para nos sentirmos mais confiantes. [caption id="attachment_144053" align="alignnone" width="750"] Se sentir necessidade, busque apoio psicológico, que pode ser presencial ou mesmo online.[/caption] Durante o processo de imigração, confiar, confidenciar, contar com o outro passa a ser mais difícil. Isso gera uma angústia inquietante, pois estamos de frente ao desconhecido. Em relação ao outro e a nós mesmos, você pode passar a questionar: Afinal, o que se espera de mim? Reconhecer essa estranheza costuma ser uma tarefa desafiadora. Como nos situamos nesse novo lugar? Infelizmente, não existe uma receita única e aplicável a todos. Em um processo de terapia, não há solução instantânea para os nossos problemas, especialmente no caso da psicanálise. A psicanálise não mascara o sofrimento. Em geral, é um processo demorado, com altos e baixos, semelhante a uma mudança para outro país. Com o suporte adequado, podemos encontrar satisfação no mundo, mesmo passando por dificuldades. Mas isso exige muito de nós mesmos. E, vale sempre lembrar que morar fora pode ser uma oportunidade de se reinventar. Hoje ficamos por aqui, mas o assunto continua Nos próximos textos, seguimos com algumas perguntas que podem ajudar em seu preparo emocional. O que você deixa para trás? Quanto tempo leva para se adaptar? Investir ou desistir de um sonho? E talvez a pergunta mais importante: como estar aberto para o novo, com tanto de velho em mim?

Paciente em sessão de análise
Psicologia para Expatriados

Semelhanças entre migrar para o exterior e o processo de análise

Seguir em frente é o único sentido e até mesmo voltar significa seguir em frente. Decidir tirar os pés do próprio chão, cujo solo é conhecido, cujo terreno está medido, onde se planta, onde não se planta, onde é possível colher ou não, é um ato de coragem. Perguntam então porque se faz isso, se é um ato tão duro consigo mesmo. Esse trecho faz parte do prefácio de Volta para tua Terra, uma importante coletânea de poetas estrangeiros (muitos deles brasileiros) que vivem em Portugal. Volto a essa passagem com frequência para refletir sobre a minha condição de imigrante que também escuta imigrantes. Principalmente, porque ela deixa claras as semelhanças entre a mudança para um país estrangeiro e o início de um processo de análise. Uma passagem para o desconhecido Ambas as jornadas envolvem um certo grau de incerteza e a sensação de estar entrando em território desconhecido. É comum imaginar o que nos espera, mas a verdade é que não temos ideia do que realmente iremos encontrar. Assim como ocorre em um início da imigração, o começo na análise pode trazer uma série de questões, preocupações e incômodos. O medo do desconhecido, a ansiedade e a insegurança são sentimentos comuns a ambos os processos. No entanto, eles também podem se transformar em algo libertador e transformador. Ao embarcarmos nessa viagem, precisamos estar cientes das dificuldades que podem surgir. Mas também é importante estarmos prontos — ou quase isso — para enfrentá-las. Isso significa, em geral, abrir-se a novas ideias e perspectivas, sem medo de pôr em questão crenças e valores próprios. Eu contra o mundo Por que tanto a chegada a um país estrangeiro quanto o início de análise são tão difíceis? Quando se entra em movimento, há um encontro com a alteridade: a relação que o sujeito tem com o outro, com o diferente. Lacan diz que o sujeito é construído em relação ao outro. Não há um "eu" autônomo e coerente, mas sim uma série de identidades fragmentadas que são formadas através das interações com o outro. O outro é um elemento fundamental na constituição do sujeito. E a alteridade, portanto, é própria da experiência humana. Lacan afirma que o sujeito também se define em oposição ao outro. E que essa oposição é o que dá sentido ao sujeito. O outro é o lugar da falta, daquilo que o sujeito não é. Consequentemente, a oposição leva o sujeito a querer preencher essa falta. Compreender a alteridade é importante para perceber a relação que o sujeito tem consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Muitas vezes, as pessoas interrompem a análise por medo de enfrentar os efeitos desse encontro com a alteridade. No processo de imigração, ocorre algo semelhante. O sujeito se sente paralisado frente ao desconhecido, pois teme encontrar emoções dolorosamente familiares. Outro universo ao redor A imigração é motivada, normalmente, pela busca de novas oportunidades, desafios e crescimento pessoal. No entanto, ao mesmo tempo em que pode se tornar uma jornada importante de autoconhecimento e desenvolvimento, torna-se também, muitas vezes, uma fonte de sofrimento emocional. O ato de emigrar pode ser tão desafiador quanto desordenado. Deixar o lugar onde se nasceu e cresceu para começar uma nova vida em outro país costuma ser um processo repleto de incertezas e ansiedade (aproveite e leia mais sobre ansiedade na imigração). Já escrevi em outros textos como a mudança de país pode resultar em uma série de perdas. Isso inclui, por exemplo, a separação da família e da comunidade próxima. De forma mais geral, sentimos falta do pertencimento cultural e da identidade que formamos em nosso local de origem. [caption id="attachment_141810" align="alignnone" width="750"] Falta de sensação de pertencimento e identidade são sentimentos comuns na imigração e no processo de análise.[/caption] Algumas pessoas podem sentir-se deslocadas em seu novo ambiente, sem saber como se encaixar ou se conectar com outras pessoas. Isso pode levar a sentimentos de solidão e tristeza, bem como a uma sensação de perda de si mesmo(a). O sujeito costuma sentir algo parecido após as primeiras sessões de análise. Mesmo que esteja geograficamente no mesmo lugar, o mundo ao seu redor já não é o mesmo. E o estranhamento pode ser ainda maior à medida que o que trazemos dentro nos choca, aflige ou desafia. Adeus às armas Muitas vezes, o medo de enfrentar emoções difíceis que surgem nesses processos, como tristeza, raiva, culpa e vergonha, pode desaguar em medo de julgamento ou rejeição. Fragilizados, buscamos ainda mais a aceitação e o afeto do outro, mas nem sempre lidamos bem com isso. No poema Roll the Dice, Charles Bukowski escreve: Se você vai tentar, vá até o fim / não há sentimento algum como esse / você estará sozinho com os deuses e as noites arderão em fogo. Outro poeta, Paul Valéry, disse certa vez que “deve-se entrar em si mesmo armado até os dentes”. É esse o desafio ao qual nos submetemos quando nos tornamos estrangeiros: desarmarmos a nós mesmos para que possamos nos reconhecer em nossas fragilidades. E é isso também que enfrentamos em um processo de análise. Após muito trabalho, pode haver um encontro com aquilo que deixamos cair ao longo do caminho. Podemos fazer as pazes com nossas dúvidas e deixar para trás as certezas que não existem mais. Assim, é possível viver uma vida menos idealizada, com menos culpa e livre dos roteiros grandiosos que nos impomos em meio a devaneios de satisfação plena. Boa jornada!

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