Seguir em frente é o único sentido e até mesmo voltar significa seguir em frente. Decidir tirar os pés do próprio chão, cujo solo é conhecido, cujo terreno está medido, onde se planta, onde não se planta, onde é possível colher ou não, é um ato de coragem. Perguntam então porque se faz isso, se é um ato tão duro consigo mesmo.

Esse trecho faz parte do prefácio de Volta para tua Terra, uma importante coletânea de poetas estrangeiros (muitos deles brasileiros) que vivem em Portugal.

Volto a essa passagem com frequência para refletir sobre a minha condição de imigrante que também escuta imigrantes. Principalmente, porque ela deixa claras as semelhanças entre a mudança para um país estrangeiro e o início de um processo de análise.

Uma passagem para o desconhecido

Ambas as jornadas envolvem um certo grau de incerteza e a sensação de estar entrando em território desconhecido. É comum imaginar o que nos espera, mas a verdade é que não temos ideia do que realmente iremos encontrar.

Assim como ocorre em um início da imigração, o começo na análise pode trazer uma série de questões, preocupações e incômodos. O medo do desconhecido, a ansiedade e a insegurança são sentimentos comuns a ambos os processos.

No entanto, eles também podem se transformar em algo libertador e transformador.

Ao embarcarmos nessa viagem, precisamos estar cientes das dificuldades que podem surgir. Mas também é importante estarmos prontos — ou quase isso — para enfrentá-las. Isso significa, em geral, abrir-se a novas ideias e perspectivas, sem medo de pôr em questão crenças e valores próprios.

Eu contra o mundo

Por que tanto a chegada a um país estrangeiro quanto o início de análise são tão difíceis? Quando se entra em movimento, há um encontro com a alteridade: a relação que o sujeito tem com o outro, com o diferente.

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Lacan diz que o sujeito é construído em relação ao outro. Não há um “eu” autônomo e coerente, mas sim uma série de identidades fragmentadas que são formadas através das interações com o outro. O outro é um elemento fundamental na constituição do sujeito. E a alteridade, portanto, é própria da experiência humana.

Lacan afirma que o sujeito também se define em oposição ao outro. E que essa oposição é o que dá sentido ao sujeito. O outro é o lugar da falta, daquilo que o sujeito não é. Consequentemente, a oposição leva o sujeito a querer preencher essa falta.

Compreender a alteridade é importante para perceber a relação que o sujeito tem consigo mesmo e com o mundo ao seu redor.

Muitas vezes, as pessoas interrompem a análise por medo de enfrentar os efeitos desse encontro com a alteridade. No processo de imigração, ocorre algo semelhante. O sujeito se sente paralisado frente ao desconhecido, pois teme encontrar emoções dolorosamente familiares.

Outro universo ao redor

A imigração é motivada, normalmente, pela busca de novas oportunidades, desafios e crescimento pessoal. No entanto, ao mesmo tempo em que pode se tornar uma jornada importante de autoconhecimento e desenvolvimento, torna-se também, muitas vezes, uma fonte de sofrimento emocional.

O ato de emigrar pode ser tão desafiador quanto desordenado. Deixar o lugar onde se nasceu e cresceu para começar uma nova vida em outro país costuma ser um processo repleto de incertezas e ansiedade (aproveite e leia mais sobre ansiedade na imigração).

Já escrevi em outros textos como a mudança de país pode resultar em uma série de perdas. Isso inclui, por exemplo, a separação da família e da comunidade próxima. De forma mais geral, sentimos falta do pertencimento cultural e da identidade que formamos em nosso local de origem.

Mulher imigrante sozinha
Falta de sensação de pertencimento e identidade são sentimentos comuns na imigração e no processo de análise.

Algumas pessoas podem sentir-se deslocadas em seu novo ambiente, sem saber como se encaixar ou se conectar com outras pessoas. Isso pode levar a sentimentos de solidão e tristeza, bem como a uma sensação de perda de si mesmo(a).

O sujeito costuma sentir algo parecido após as primeiras sessões de análise. Mesmo que esteja geograficamente no mesmo lugar, o mundo ao seu redor já não é o mesmo. E o estranhamento pode ser ainda maior à medida que o que trazemos dentro nos choca, aflige ou desafia.

Adeus às armas

Muitas vezes, o medo de enfrentar emoções difíceis que surgem nesses processos, como tristeza, raiva, culpa e vergonha, pode desaguar em medo de julgamento ou rejeição. Fragilizados, buscamos ainda mais a aceitação e o afeto do outro, mas nem sempre lidamos bem com isso.

No poema Roll the Dice, Charles Bukowski escreve:

Se você vai tentar, vá até o fim / não há sentimento algum como esse / você estará sozinho com os deuses e as noites arderão em fogo.

Outro poeta, Paul Valéry, disse certa vez que “deve-se entrar em si mesmo armado até os dentes”.

É esse o desafio ao qual nos submetemos quando nos tornamos estrangeiros: desarmarmos a nós mesmos para que possamos nos reconhecer em nossas fragilidades. E é isso também que enfrentamos em um processo de análise.

Após muito trabalho, pode haver um encontro com aquilo que deixamos cair ao longo do caminho. Podemos fazer as pazes com nossas dúvidas e deixar para trás as certezas que não existem mais.

Assim, é possível viver uma vida menos idealizada, com menos culpa e livre dos roteiros grandiosos que nos impomos em meio a devaneios de satisfação plena.

Boa jornada!