Quando somos apresentados a alguém, é normal surgir a pergunta: “o que você faz?”. E isso não ocorre à toa. A vida profissional, em grande medida, nos identifica. O trabalho define a forma como somos vistos e as relações que mantemos com outras pessoas.

Ao mesmo tempo, ou justamente por isso, a atividade profissional influencia a visão que temos de nós mesmos. É normal não nos sentirmos realizados no trabalho, por exemplo. E isso pode ter um impacto grande sobre a nossa saúde mental. Mas pode ser ainda mais difícil lidar com esse problema e manter a cabeça no lugar quando acabamos de nos mudar para outro país.

Por que nos sentimos assim?

Um dos motivos é a própria dificuldade para evitar esse assunto. No contexto de imigração, nós costumamos conhecer diversas pessoas que também acabaram de se mudar. E as perguntas sobre trabalho tendem a ser frequentes nessas rodas de conversa.

Além disso, nossas aventuras em terra estrangeira tornam-se um tópico frequente de família e amigos (bem como de qualquer pessoa interessada em nossas vidas, seja quais forem as suas motivações).

Mas há outros fatores, mais complexos, que podem tornar o trabalho no exterior uma fonte de angústia para muitas pessoas. A seguir, eu explico quais são esses fatores e de que formas podemos lidar com os seus efeitos sobre a saúde mental.

Desafios da recolocação profissional para imigrantes

Muitas pessoas que emigram costumam encontrar dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho. Afinal, nem sempre conseguimos emprego na mesma profissão ou cargo que tínhamos no Brasil. Isso pode ocorrer devido a fatores como:

  • Restrições legais (falta de visto, necessidade de validar diploma etc.);
  • Barreira do idioma;
  • Preconceito no mercado de trabalho;
  • Falta de emprego na área.

Uma das saídas encontradas costuma ser a mudança de atividade profissional. Um emprego em outra área pode trazer benefícios importantes ao profissional, como estabilidade financeira e condições de se legalizar no novo país.

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Dependendo do contexto e das perspectivas do imigrante, essa pode ser uma solução de curto prazo ou uma mudança definitiva. No entanto, nem sempre é fácil.

O sentimento de frustração

Seja qual for o caso, você pode se sentir frustrado(a) ao trabalhar fora de sua área de formação. Ao mesmo tempo, pode sentir que suas qualificações e experiências anteriores foram em vão. No limite, essa condição tende a produzir uma sensação de perda da identidade. Afinal, começamos a nos apresentar de outra forma ao mundo.

O sentimento de frustração pode ser pior quando o indivíduo passa a trabalhar em áreas de pouco prestígio no Brasil. É o caso, por exemplo, de um profissional graduado que começa a trabalhar como garçom ou servente de obra.

Muitas vezes, infelizmente, um bom salário pode não ser suficiente para aplacar a perda de autoestima e, em alguns casos, até mesmo a sensação de vergonha pela nova profissão.

Mulher brasileira trabalhando em call center
Muitos brasileiros entram no mercado europeu trabalhando em atendimento ao consumidor

E a frustração pode se tornar angústia

Essa angústia pode ser reforçada em determinadas situações. Um ambiente precário, uma relação abusiva com o empregador ou com a chefia, clientes mal-educados etc. tendem a reforçar a aflição de qualquer trabalhador. E situações assim devem ser evitadas, esteja você nos Estados Unidos, em Portugal, na Austrália ou em qualquer outro lugar — incluindo o Brasil!

No entanto, há questões mais complexas, como a barreira da língua e a própria condição de estrangeiro. Esses aspectos tendem a reforçar, em certos casos, o sentimento de inferioridade e a dificuldade de comunicação no trabalho. Além disso, o imigrante pode estar longe da família e dos amigos, o que diminui o suporte emocional.

Mas afinal, como lidar com isso tudo?

Existem formas de lidar com isso, é claro. Mas nenhuma delas passa por frases prontas ou autoengano. É preciso estar consciente das escolhas que se faz e dos motivos por trás delas.

Um emprego específico pode:

  • Ajudar você a obter o visto de residente?
  • Proporciona as viagens dos seus sonhos?
  • Pode sustentar sua família enquanto você procura trabalho na sua área?
  • Permite economizar o suficiente para trazer sua família do Brasil?

Todas essas podem ser boas razões para erguer a cabeça e seguir em frente. No entanto, você deve estar ciente, também, dos efeitos que a insatisfação com o trabalho continuará tendo sobre a sua saúde mental.

As dimensões do trabalho

Seja qual for o seu novo emprego em outro país, você provavelmente terá que se adaptar a novas atividades, sistemas de trabalho diversos ou, muitas vezes, a um nível hierárquico diferente do que ocupava anteriormente.

Você pode ter que executar tarefas mais físicas, por exemplo, ou que exijam um contato próximo ao público. Pode deixar para trás um escritório animado para atuar em uma função mais solitária. Ou mesmo abrir mão de um cargo de liderança no Brasil para responder a um gerente mais jovem em outro país.

E tudo isso tende a afetar a sua experiência. Afinal, para além da função material, o trabalho produz sentido em outras dimensões importantes de nossas vidas.

O significado do trabalho

Para o psicanalista Christophe Dejours, o trabalho pode ser tanto uma fonte de cansaço quanto de equilíbrio. Na ausência de liberdade, autonomia e reconhecimento, por exemplo, o trabalho pode provocar sofrimento psíquico no indivíduo, que passa a não encontrar mais sentido naquilo que faz.

Um exemplo disso é quando seu chefe não lhe dá a oportunidade de sugerir uma mudança ou expressar suas insatisfações. Outra situação comum, que escuto com frequência na clínica, é de pessoas que ocupam cargos de nível hierárquico abaixo do que estavam acostumadas e são pouco valorizadas na hora de tomar uma decisão.

Mas a experiência também pode ser muito positiva

Em sentido inverso, um ambiente de trabalho pode oferecer valores positivos para o indivíduo, que vão bem além da remuneração e do status. Uma relação amistosa com os colegas e com a chefia, a valorização de suas qualidades e a perspectiva de crescimento, por exemplo, podem ser fatores importantes para o equilíbrio no trabalho.

Assim, mesmo em uma profissão diferente ou em um nível hierárquico inferior ao que estava acostumado(a), você pode ver sentido e sentir-se mais confortável com o que faz.

grupo de colegas no ambiente de trabalho
É possível aproveitar a oportunidade para fazer networking

“O que estou fazendo aqui?”

Há momentos em que nada parece fazer sentido e você se pergunta: “afinal, o que eu estou fazendo aqui?”.  Em muitos casos, há algo importante “prendendo” você a um trabalho em outro país. Mas nem sempre essa relação fica clara. Principalmente, naqueles dias mais difíceis.

É importante ter clareza sobre os seus propósitos e lembrar o sentido de estar em um determinado emprego. Ele pode ser o seu sustento, mas também a melhor chance de obter um visto de residente, conhecer outros lugares e culturas, ajudar financeiramente um familiar, economizar dinheiro, financiar seus estudos ou outros sonhos importantes para você.

Seja sincero consigo mesmo(a) e avalie o quanto está disposto(a) a enfrentar as mudanças em nome desses objetivos. Passar por adaptações é fundamental, mas sempre respeitando seus limites.

Permita-se conhecer o novo

Estar aberto(a) para novas experiências também pode ser algo enriquecedor, mesmo quando nos deparamos com situações difíceis e inesperadas. Na condição de imigrante, muitas dessas situações são inevitáveis, mas podemos aprender bastante com elas.

Muitas vezes, um emprego diferente do que tínhamos no Brasil pode ser uma porta para oportunidades profissionais interessantes. Ao mesmo tempo, pode ajudar na construção de relacionamentos e trazer aprendizados importantes — incluindo uma boa dose de autoconhecimento!

Não perca o contato

Para encarar melhor as mudanças e ter serenidade nos momentos mais difíceis, é essencial ter alguém com quem partilhar suas dúvidas, incertezas e angústias. Não caia na armadilha de se isolar em momentos de dificuldade.

Se você sente que não consegue falar sobre seus problemas com outras pessoas, há sempre a opção de procurar ajuda profissional, mas ter uma rede de apoio também é muito importante.

Se os seus familiares ou amigos mais próximos estiverem distantes, fale com eles por chamadas de vídeo ou mensagens, por exemplo. Além de aplacar a saudade, a manutenção de vínculos afetivos reduz o sentimento de solidão e pode trazer alívio nos momentos mais difíceis.

pai e filho fazendo uma video chamada
Manter o contato com seus amigos e familiares é importante para a adaptação

Não se esqueça, também, de quem está por perto. Sempre que possível, troque experiências com outras pessoas que estejam enfrentando questões parecidas. Há muitos outros imigrantes com dificuldades em um novo tipo de trabalho e dúvidas sobre o que fazer a seguir.

Ao compartilhar impressões, você não se sentirá tão sozinho(a). E ouvir a si próprio(a) em uma conversa também pode trazer uma tranquilidade maior em relação às suas escolhas, além de facilitar a tomada de novas decisões.

Recapitulando

Ufa, a sessão foi longa! Mas conseguimos tocar em diversos pontos importantes para quem está insatisfeito(a) com um trabalho em outro país.

Como eu disse, a vida profissional ajuda a moldar a nossa identidade e as nossas relações com outras pessoas. Então, uma mudança de emprego, carreira ou nível hierárquico pode ter um impacto grande em nossas vidas. E isso pode se tornar algo ainda maior em meio ao turbilhão que é viver no exterior.

Lembre-se sempre dos motivos que o fizeram chegar até aqui

Para encarar isso de frente, tenha sempre claras as suas motivações ao abrir mão de uma certa condição no Brasil, por exemplo. Pode ser um projeto de vida de longo prazo, necessidades financeiras mais imediatas ou algo mais específico, como um visto ou a viagem dos seus sonhos. As coisas se tornam mais fáceis quando fazem sentido.

Além disso, mesmo em um trabalho diferente do que você está acostumado(a) a fazer, é possível encontrar elementos positivos: relações humanas, desenvolvimento de habilidades, uma nova visão de mundo. Estar aberto(a) a esses aspectos pode ajudar bastante em sua adaptação.

Por fim, contar com uma boa rede de apoio pode ajudar a manter os olhos abertos e o coração quente onde quer que você esteja. Mande notícias!