Depois de 7 anos, voltei ao Brasil. Inútil negar, nunca estive tão ansiosa por uma viagem como fiquei dessa vez. Muitas expectativas, sentimentos contrastantes, sensação de não-pertencimento surgiam frequentemente.

Perguntas como “E se eu não reconhecer mais os meus lugares favoritos?”, “E se a cidade for hostil comigo, mais do que o habitual?” e “E se meus amigos e familiares queridos tiverem mudado tanto que não fará mais sentido manter as relações afetivas?” inundavam minha mente, aumentando a ansiedade.

Deixando a Itália

Em uma noite gélida de sexta-feira, embarquei para o Brasil a partir de Roma. Aquela noite marcava não só o início de minha jornada de retorno, mas também uma série de despedidas: meu apartamento recém-desocupado, minha gatinha Tarsila temporariamente acomodada em um hotelzinho para gatos, a cidade de Perúgia que me acolheu tantos anos.

E um novo início — meu doutorado iniciado em novembro de 2023 que motivou a mudança de cidade.

Entre a exaustão e as turbulências

Estava exausta, tanto física quanto mentalmente, reflexo do estresse dos dias anteriores. Porém, a perspectiva de aventuras novas no horizonte compensava todo o cansaço: uma summer school no Departamento de Ciência Política da USP (onde me formei em 2015), o Carnaval, uma viagem planejada para o Rio de Janeiro, o verão brasileiro.

E, acima de tudo, o abraço acolhedor de amigas e familiares.

Toda viagem que se preze começa com um pequeno drama durante o embarque: passado esse primeiro momento, finalmente experimentei a sensação libertadora do avião decolando. Durante o voo, a ansiedade era tamanha que as horas pareciam não passar, com meu olhar fixo no mapa acompanhando o progresso da viagem.

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Após uma noite de sono interrompido por uma turbulência sobre o Deserto do Saara, aterrissamos em solo brasileiro, sãos e salvos, prontos para começar essa nova etapa da jornada.

A longa espera na imigração

Que demora! Quanta gente! Nesse momento, a ansiedade de finalmente estar de volta misturava-se à impaciência com a fila. Então, meus olhos captaram a sinalização “Passaportes brasileiros”.

Foi um momento eufórico. Sim, finalmente estava em casa. A visão do meu passaporte, as placas em português, e as conversas ao redor, tudo em minha língua, transformaram a espera em um pequeno preço a pagar pela sensação de pertencimento.

Eu não via a hora de pegar a minha mala e ver a minha cidade!

Voltei ao Brasil e peguei fila na imigração
Aterrissei! E peguei uma bela fila na imigração no Aeroporto de Guarulhos. Foto: Bruna Paroni

Reencontro ali mesmo no aeroporto

Ao sair da área de desembarque, ainda imersa na sensação de retorno, encontrei minha querida amiga Bianca. Foi um reencontro emocionante, ocorrido ainda naquele espaço neutro do aeroporto, proporcionando um afago ao coração antes mesmo de pisar fora dele.

Juntas, pegamos um uber para a casa dela e de Luisa, esta última havia parado de me responder no WhatsApp, deixando um mistério no ar.

Surpresa: café da manhã brasileiro

Para minha surpresa, fui recebida com um café da manhã 100% brasileiro, uma verdadeira festa para os sentidos, especialmente depois de tanto tempo longe.

O destaque foi um pudim feito pelo meu amigo Rômolo, que estava simplesmente maravilhoso. E os sucos! Ah, os sucos! Após 7 anos na Itália, onde o costume de tomar sucos naturais não é tão comum, mal podia esperar por esse momento. Luisa, a responsável pelo banquete, havia preparado tudo com carinho, revelando o motivo de sua ausência no WhatsApp.

Eu contei um pouco sobre o café da manhã na Itália. Confesso que não senti falta de comer cornetto e tomar cappuccino. As frutas tropicais ganharam nessa! Scusa, Italia del mio cuore! 

Comer, comer!

Quem me conhece sabe que passo muito tempo falando sobre comida (e, claro, comendo também). O café da manhã de reencontro não foi apenas um momento de alegria, mas também uma celebração de sabores que há muito não experimentava: mamão da feira, goiabada, café coado, requeijão, doce de leite, paçoquinha, bananinha, quejo minas, pão de queijo!

Cada um desses itens era uma pequena vitória, um lembrete do que torna a culinária brasileira tão única.

Feira de rua em São Paulo
Enquanto estive no Brasil, toda quarta-feira, eu e Bia íamos à feira. Foto: Bruna Paroni

Comida é afeto

A comida vai além da simples necessidade de nutrição. Ela faz parte da nossa identidade, refletindo o como, quando, o quê, com quem e por que comemos. Essas variações, únicas em cada pessoa, família e cultura, tornam a alimentação uma experiência rica e diversificada.

Durante minha estadia, uma única regra: nada de comida italiana ou ítalo-brasileira, com uma única e deliciosa exceção – a pizza de São Paulo, de padaria. Não via a hora de comer a de calabresa com muita cebola (aqui, meu vegetarianismo falhou).

O primeiro almoço

O almoço com a família paterna foi outro momento marcante de minha estadia. Ao lado de tia, vovó e primo, fomos a um restaurante nordestino, e para beber, pedi um suco de maracujá fresquinho. Nada consegue expressar a felicidade que senti com essa explosão de Brasil em meu palato!

Saudade daqui!

Apesar da imersão na gastronomia local, houve algo que senti falta: o azeite extra-virgem de alta qualidade e acessível, um elemento da culinária italiana que permeia de norte a sul do país.

O primeiro final de semana: inesquecível

Eu, Bia e Luisa passamos juntas o meu primeiro final de semana em São Paulo (e vários outros!) conversando, tomando cervejinha estupidamente gelada (finalmente!),visitando o Sesc Pompeia, um dos meus lugares preferidos de São Paulo, com direito a uma passadinha em frente ao meu Palmeiras!

Uma visita ao SESC Pompeia
Luisa, eu e Bianca no Sesc Pompeia, um dos lugares onde nos despedidos lá em 2017. Foto: Bruna Paroni

A rotina e a viagem

Chegou a segunda-feira. Alguns medos foram surgindo.

“Será que não é arriscado sair sozinha e ir a pé para o metrô?”.

Minhas amigas vão. Eu só saberia se tentasse. Admito, as primeiras vezes foram tensas. Moto para lá, para cá. Olhar mil vezes antes de atravessar. Cadê a bolsa, ah, sim está perto do meu corpo. O celular também. Não deveria ter usado essa bolsa, melhor a pochete. Ah, não, melhor a bolsa. A eco bag foi uma péssima escolha. Toda vez será assim?

Chegando no metrô, sem Bilhete Único, sem acesso ao store dos aplicativos do Brasil, mais um perrengue chique (descobri que não existe mais a versão Comum sem cadastro obrigatório). Preciso sacar dinheiro? Taxa de R$25,00, melhor pegar uber? Ok, tudo resolvido. Os amigos estão aí para isso. As pessoas desconhecidas também. A cidade hostil, de repente, pareceu mais familiar do que nunca.

Resolvi burocracia

Fazia 7 anos também que não renovava a minha CNH – ou seja, desde que me mudei para a Itália. Não consegui acreditar: acordo numa sexta-feira às 7h, entro no site do Poupatempo só para tentar, e não é que tinha vaga às 8h30? Lá vai eu correndo para me arrumar.

Mas deu certo, às 9h eu já tinha colhido as digitais, tirado foto e agendado o exame médico. Fácil e indolor.

E até colei grau!

Aproveitei para colar grau na Licenciatura. Enrolei por bons 9 anos, acreditam? Na Universidade de São Paulo, o curso de Letras confere o título de “Bacharel”, então eu já estava na graduação quando decidi cursar também a “Licenciatura”, oferecida pela Faculdade de Educação.

Consegui encerrar esse longo processo de enrolação, considerei uma pequena grande vitória pessoal! Claro que houve perrengue: deixei minha Certidão de nascimento na Itália, então tive que tirar a segunda via. Praticidade também nos cartórios: em 20min eu já tinha o documento em mãos.

Bruna e a cidade

Como é fácil conhecer novas pessoas no Brasil! Estava morrendo de saudade disso. Quando você vê, o pessoal da mesa do lado já está na sua mesa, conversando; os amigos dos seus amigos já são seus amigos. E assim vai…

O verão contribui para isso, acredito, deixando tudo mais leve e divertido (ainda bem!).

Pessoas, pessoas e mais pessoas!

Apesar de tudo, gosto muito de grandes cidades. Confesso ter gostado de não me sentir sozinha nunca: no metrô, no ônibus, na rua, nos museus, nos restaurantes. Pessoas em tudo que é canto.

Para quem vive há quase dez anos em cidades com menos 200 mil habitantes, foi bom reascender a alma da “metropolitana” aqui.

Informalidade

Outro ponto da cultura italiana é o alto grau formalidade, principalmente se é comum frequentar ambientes universitários ou muito hierárquicos. Foi bom voltar à USP e trocar ideias com doutorandos e pesquisadores sobre nossas pesquisas, sem aquele grauzinho de formalidade que existe na Academia italiana.

Acredito que esse é um ponto favorável. Quando você estuda dinâmicas do seu país morando longe, é importante reviver a cultura na própria pele. Ainda mais se as trocas forem pertinentes e de forma leve.

Trânsito, ninguém merece!

Quando deixei a Itália, peguei um trânsito absurdo em Roma. Lembro de ter pensado: “Se é assim, já chegarei preparada!”. Dito e feito: eu, usuária do transporte público, sempre me recusei a dirigir (motivo pelo qual fiquei todos esses anos com a carteira de motorista vencida).

Pegando uber, esse estresse voltou. Engarrafamento e calor, a receita para se estressar, não é mesmo?

Avenida Paulista
Eu amo um SESC. Visitei três, inclusive o da Avenida Paulista, inaugurado após a minha mudança para a Itália. Foto: Bruna Paroni

São Paulo é uma cidade cara

Eu até parei de fazer a conversão. Falei para mim mesma “gaste como se você estivesse na Itália”. Porque mesmo ganhando em euros, achei algumas coisas muito caras mesmo, principalmente fazer mercado e sair para jantar.

Como é bom ser cacheada no Brasil!

Outra saudade: produtos para cabelo cacheado! Não pensei duas vezes, fui a um salão de cabeleireiros só de cabelos cacheados. Finalmente fiz um tratamento de acordo com o meu tipo de cabelo. Me senti em casa.

Isso sem falar na oferta de produtos que existe nas perfumarias. Minha amiga Tamirez me deu uma mousse inagualável. Já avisei, quando acabar, quero outra!

Turistei também!

Quanta coisa tem para fazer na cidade! Eu, que há 7 anos, moro em cidade pequena, nunca mais tinha me sentido tão viva e com vontade de sair. Muitas partes da cidade para visitar, muitos lugares novos para conhecer, e os velhos para rever.

Fiz a turista no Sesc Avenida Paulista, no MASP, no carnaval, no centro, casas de parentes, bairros da infância. Tudo isso evitando o trânsito!

Realizei um sonho: conheci o Rio de Janeiro!

Depois de longos 31 anos de existência, eu finalmente pude conhecer a Cidade Maravilhosa! Que emoção! Até hoje não consigo descrever o que vivenciei.

Revi dois grandes amigos, conheci muitos italianos (falei italiano todos os dias em que estive por lá). Não vejo a hora de voltar. Um deles é o Iugh, carioca da gema, amigo-historiador que conheci em Perúgia durante o mestrado dele.

Amigos no Forte de Copacabana
Eu e Iugh, no Forte de Copacabana. De Perugia para o Rio! Foto: Bruna Paroni

E a violência?

Como disse acima, foi um pouco tenso no início. Não vivi nenhum caso de violência, mas a sensação de alerta constante se ativou em mim desde que pisei no país. Dentro do carro, a pé, barulho de moto. Vou sair com que bolsa para ficar me preocupando muito.

“Fulano, você pode esperar eu entrar, por favor?”, dizia para os motoristas de aplicativo. Dava gorjeta pelo serviço quando eram eles que falavam “Fique tranquila, te espero entrar no prédio”. Quando chegava motorista mulher, me dava um alívio.

De olho no celular!

Realmente, não poder mexer no celular em paz é uma das coisas que mais choca quando voltamos para o Brasil. Eu adotei a estratégia de utilizar dois: um, o meu mesmo, deixei em casa (com os aplicativos dos bancos); outro, só com aplicativo da uber, whatsapp e Instagram).

Confesso: eu vi de tudo. Gente mexendo em super iPhones no centro de São Paulo ou em Copacabana sem nenhum receio.

Cada realidade, um problema

A desigualdade tão despida e cruel também é outro aspecto que chamou a minha atenção. Há pobreza na Europa, há uma grande desigualdade entre norte e sul do continente, assim como há um contraste muito forte entre norte e sul da Itália, sobretudo após a pandemia (e não sou eu quem fala, são os dados oficiais, cujo resultado mostra um número impressionante de italianos vivendo abaixo da linha da pobreza).

Na Itália, apesar de as jovens gerações não conseguirem pagar aluguel e os bancos não cederem empréstimos, pois não têm uma garantia própria de sustentação (o que leva muitos a colocarem o imóvel ou o empréstimo no nome dos pais), os italianos têm um teto sob o qual morar. Embora haja um alto nível de inflação, não passam fome.

Aqui, nada autocompadecimento por ser brasileira

E com isso não quero inflar minha síndrome de vira-lata, olhando para o Brasil com olhos cheios de limitações. O problema da desigualdade é real, e acho que todo brasileiro e toda brasileira quer solucioná-lo.

É justamente essa dificuldade estrutural em sobreviver que leva o Brasil a se rediscutir, a se repensar.

Também vi uma sociedade que acolhe cabelos e corpos de várias texturas e cores, volumes e origem. Que repensa o lugar do outro e o próprio, que se diverte e segue a risca compromissos.

Balanço da viagem de volta ao Brasil

Foram 45 dias mais do que especiais e cheios de significados para mim. Por mais que meus amigos já tivessem avisado que eu iria viver uma coisa muito intensa, eu não dava tanta importância. E vivi. Mesmo!

Como foi bom ver que meus amigos mudaram, evoluíram. Fiquei tão orgulhosa de cada um deles, de ver que apesar dos mil problemas do dia a dia, estão “evoluindo”. Porque mudamos todos, mas a amizade prevaleceu. Lu, Bia, Tami, Gabi, Rômolo, Luisa, Matheus, Gui, já estou com saudades!

Foi estranho, e, ao mesmo tempo, importante rever meus parentes, e perceber que o tempo voou. Vivi alguns momentos de tristeza, mas consegui também matar a saudade e poder abraçar minhas avós uma “última” vez.

Resgate da minha identidade

Foi importante também, de certa forma, poder recuperar a minha identidade, relembrar de onde vim para poder conseguir chegar onde quero. Quero levar sempre comigo todas essas sensações e nunca mais quero ficar tanto tempo assim longe do Brasil.

Voltaria a morar no Brasil?

Sinceramente, eu não sei. Com a pandemia aprendi que nenhum plano dura por muito tempo. Pode ser que sim, pode ser que não. Quem sabe, não é mesmo? Eu só sei que não vejo a hora de voltar e jogar conversa fora com as minhas pessoas preferidas desse mundo!