Os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores do Brasil publicaram, junto com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), uma cartilha para orientar e informar sobre direitos e serviços disponíveis aos brasileiros fora do país.

O documento aborda situações como violência doméstica, tráfico de pessoas, conflitos sociais, repatriações e exploração do trabalhador no estrangeiro.

Tráfico de pessoas é uma realidade entre Brasil e Europa

Para citarmos um exemplo importante, foram registrados 725 crimes de tráfico de pessoas em Portugal entre 2008 e 2022. Os dados são do Boletim Tráfico de Pessoas: Estatísticas da Justiça 2008-2022, do Ministério da Justiça.

E este tipo de crime não acontece apenas em Portugal. Estatísticas da União Europeia mostram que, em média, são mais de 7 mil pessoas por ano. Em 2022, mais de 10 mil cidadãos foram vítimas de tráfico de pessoas. E o número pode ser ainda mais alto, pois muitos casos acabam não sendo identificados.

Gráfico apresenta número de vítimas de tráfico humano na União Europeia entre 2013 e 2022.
Número de vítimas de tráfico humano na União Europeia aumentou em 2022. Fonte: Eurostat.

E o que é exatamente o tráfico de pessoas?

Na própria definição da União Europeia é o “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recepção de pessoas através da força, fraude ou engano, com o objetivo de as explorar para obtenção de lucro”. A maioria das vítimas são crianças e mulheres, mas há um crescimento do público masculino, principalmente para a execução de trabalhos forçados.

Cartilha apresenta exemplos de tráfico e exploração

A Cartilha do governo brasileiro aborda, de forma bastante didática, alguns exemplos recorrentes:

“[…] um dia aparece uma proposta perfeita para jogar futebol em outro país e ganhar muito dinheiro ou para ir trabalhar como babá durante o dia no exterior, também com um ótimo salário. Cuidado com propostas encantadoras ou que tenham pouca informação sobre o trabalho a ser realizado. Pode ser um caso de tráfico de pessoas”.

No material, também são descritas características que identificam o crime de tráfico humano:

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“Um importante aspecto que configura o tráfico é a retirada da pessoa de um local familiar, ou seja, onde há vínculos e referências, para outro onde estará mais vulnerável a ser submetida a uma forma de violência. No caso de traslado para outro país, há uma perda considerável das referências e informações que uma pessoa possui para sua proteção.”

Vale lembrar que o fato de a pessoa até ter concordado com a proposta recebida inicialmente, qualquer alteração no que foi combinado pode configurar uma situação de tráfico de pessoas. E não são poucos os casos em que uma pessoa se torna “refém” de uma situação em que até os seus documentos ficam retidos como garantia de pagamento de uma dívida que nunca se extingue.

Exploração sexual lidera os casos

O Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas (2017-2020), do Ministério da Justiça brasileiro, mostra que a principal forma de exploração de brasileiros e brasileiras no exterior é a sexual, seguida pela exploração do trabalho. Situações como prostituição forçada ou produção de material pornográfico sem o consentimento da pessoa são exemplos mais comuns.

Há muitos casos, como os retratados na cartilha do governo brasileiro, de mulheres contactadas para trabalhar como modelo, e depois descobrem que foram enganadas.

E há também, como chegou a ser divulgado pela imprensa no Brasil, situações em que brasileiras foram resgatadas de rede de exploração sexual em Londres. Tudo começou, segundo as vítimas, com uma falsa concessão de bolsa para estudar inglês de graça no exterior.

O documento com as orientações tem um capítulo específico para os que pretendem sair do país por terem recebido convites para trabalhar como modelo, músico, dançarino ou dançarina, por exemplo. Além das recomendações, há uma cartilha específica para propostas recebidas nestas áreas de atuação.

Trabalho doméstico e futebol: onde os brasileiros são mais explorados

O roteiro do golpe é quase sempre o mesmo: o imigrante começa o trabalho com uma dívida contraída com o empregador para o pagamento da passagem aérea, da documentação necessária para a viagem e a regularização do emprego. A partir daí, a dívida só aumenta, com alimentação, moradia, roupa, numa verdadeira bola de neve da qual é difícil escapar.

O trabalho doméstico é o que mais explora a mão de obra feminina, com o agravante de ser uma atividade realizada em um ambiente privado onde é mais fácil encobrir os abusos.

No caso do futebol, muitos jogadores, grande parte deles ainda menores de idade, se deixam levar pelas falsas promessas de ascensão social e profissional e aceitam propostas sem assinar contratos, sem vistos de trabalho ou autorização para atuar no país de destino.

Nessa situação, muitos têm o pagamento sonegado, o passaporte retido e passam a viver sob o total controle dos agenciadores ou empresários. Vale lembrar que o problema não se restringe ao público masculino e também pode afetar as atletas.

Polícia da Croácia fazendo fiscalização em ônibus
Apesar da fiscalização nas fronteiras brasileiras e europeias, o tráfico humano registra números elevados.

Reportagem do jornal português Diário de Notícias, do fim de 2022, ilustra um dos muito casos que aconteceram em Portugal. Jogadores estrangeiros, a maioria brasileiros, que chegaram para começar em um clube pequeno e, em poucas temporadas, passar para um grande time.

“Entregaram dinheiro supostamente para a inscrição na Federação Portuguesa de Futebol e o seguro, pagaram as passagens de avião. Ninguém os inscreveu e o clube nem chegou a competir. Sem dinheiro e sem saber onde estavam, passaram fome.”

De acordo com uma fonte do antigo SEF (hoje chamado AIMA) ouvida pela reportagem, “o tráfico no futebol é encarado mais recentemente pelo Ministério Público e pelas autoridades em geral, e há também uma maior sensibilidade dos Órgãos de Polícia Criminal para tornar o processo mais célere”.

Naquela ocasião, o SEF tinha oito processos associados ao futebol, seis por auxílio à imigração ilegal e dois por tráfico de seres humanos, além de casos de falsificação de documentos.

“Há um mecanismo para trazer cidadãos estrangeiros para os legalizar em Portugal e muitas vezes são utilizadas relações laborais fictícias. No caso do futebol, os clubes são usados abusivamente ou são os próprios que entram no esquema. São jovens e vêm na expectativa de que alguém repare neles e os leve para um clube maior. É uma ilusão que não tem correspondência com a realidade”, indica o texto da reportagem do Diário de Notícias

Em situação de fragilidade procure a rede consular do Brasil

A orientação do governo brasileiro é simples e direta: sempre que houver uma situação de fragilidade envolvendo brasileiros, deve-se procurar um posto da rede consular brasileira (embaixadas ou consulados do Brasil)

“Ao receber o relato de um possível caso de tráfico de pessoas ou situação de contrabando de migrantes, o agente consular fornecerá todas as orientações necessárias para a pessoa no sentido de assegurar sua proteção, assim como tomará as providências cabíveis no limite da sua competência laboral.”

Em Portugal, o pedido de apoio às vítimas de tráfico humano pode ser feito pelo telefone 964 608 288. O serviço de apoio funciona 24 horas, todos os dias da semana.

Brasileiros lideram os pedidos de ajudar para voltar ao país

As causas podem nem sempre estar diretamente ligadas ao tráfico de pessoas, mas centenas de brasileiros recorrem a um programa da Organização Internacional das Migrações (OIM) em busca de recursos para conseguirem voltar ao Brasil.

Em 2022, dos pouco mais de mil pedidos de suporte a partir de Portugal, cerca de 900 eram brasileiros. Nesse mesmo ano, de todos os pedidos de retorno recebidos pela OIM, 13 casos eram de cidadãos de outros países que foram vítimas de tráfico humano.

Segundo o coordenador do programa em Portugal:

“[…] há pessoas que, recorrendo às redes sociais, às redes informais e aos vídeos no YouTube, constroem uma imagem acerca de Portugal que não é uma imagem que corresponde à realidade”.

A falta de planejamento para imigrar tem gerado desemprego, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e à habitação, reforçando a situação de fragilidade dos imigrantes.