Quem me acompanha por aqui sabe que não é a primeira vez que falo sobre transporte público. Já falei da qualidade; comparei brevemente Madri, Barcelona e Valência e até comentei que, para mim, ter um carro na Espanha é (quase sempre) um desperdício. Mas desta vez eu quero te contar minhas histórias de transporte público na Espanha.
Só mesmo contando alguns casos reais é que dá para entender melhor alguns pontos. Casos reais que aconteceram comigo, aliás: dos micos às descobertas. Dá uma olhada!
Correndo atrás do último metrô
Quando me mudei para morar na Espanha, uma amiga veio junto comigo passar os primeiros dias. Além de procurar o cantinho onde eu ia viver, aproveitamos para explorar juntas Barcelona.
Quem já esteve na cidade sabe: é fascinante. Entre tantas obras de Gaudí, museus, parques e monumentos, fica fácil perder a noção do tempo. Esse foi o problema.
Após bater perna o dia inteiro, decidimos finalmente sentar em um bar para comer e tomar algo. Foi só depois de fazer o pedido que reparamos na hora.
— Quando o garçom voltar com a comida, a gente engole tudo bem rápido e vai.
— Mas nem a cerveja ele trouxe ainda.
— Pois é. Mas o último metrô é meia-noite. E se perdemos, como vamos voltar para o Airbnb?
A maratona e as descobertas
Não, nós não pensamos em pegar um táxi. Bebemos a cerveja de um trago e quase nos entalamos com a comida. Pagamos antes de terminar de engolir. Saímos correndo como umas loucas até a estação do metrô e, por um triz, conseguimos. E por sorte, não vomitamos tudo.
Só depois de muitos meses dessa maratona é que descobri que Barcelona tem um excelente serviço de ônibus noturnos, os NitBus. Além disso, o metrô funciona nas sextas-feiras até às 02h e das 05h do sábado até as 24h do domingo sem parar.
Moral da primeira entre as histórias de transporte público na Espanha: a falta de informação pode levar à indigestão.
Tram, um bonde moderno
Eu não gosto de falar no telefone enquanto estou no transporte público na Espanha (e em nenhum outro lugar). Mas nesse caso, como era minha mãe, eu atendi:
— Oi, filha. Tá no trem?
— Não, mãe, to no tram.
— O quê que é isso?
— É tipo um trem, mas que funciona ligado em uma linha elétrica.
— Ah tá, é um bonde, então.
— Isso, isso. É como um bonde.
— Tira umas fotos aí para eu ver.
— Não posso. É proibido tirar fotos e filmar dentro do transporte público.
— Ixi, por quê?
— Pela proteção de dados das pessoas.
— Hm, entendi. Mas como é? É que nem esses bondes abertos que vai gente pendurada do lado de fora?
— Que nada, mãe! É um bonde moderno.
Não podia deixar minha mãe preocupada e achei melhor satisfazer a curiosidade dela. Então, após chegar à minha parada, tirei algumas fotos do tranvía — como dizem aqui em Valência — ou tram — segundo a abreviação barcelonesa.
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Cotar Agora →Funiculì-funicular: o mico alla Pavarotti
Voltemos a Barcelona, aos dias que minha amiga estava comigo explorando a capital catalã. Um dos lugares que queríamos visitar era a montanha de Montjuïc, onde estão localizados o MNAC, a Fundação Joan Miró, o Castelo de Montjuïc, etc.
— Aqui no site diz que “o funicular de Montjuïc permite um acesso cômodo e rápido com transporte público até Montjuïc desde o centro de Barcelona em apenas 2 minutos” – traduzi para minha amiga fingindo uma voz de assistente pessoal — Vamos nessa?
Ela estava um pouco estressada naquele dia com umas questões pessoais e eu queria animá-la. Minha imitação não fez muito efeito, mas decidi não desistir.
Quando chegamos à estação, como não havia muita gente por perto, resolvi fazer uma gracinha com o nome do transporte. Comecei a cantar no meu melhor estilo Pavarotti:
Funiculì-funicular, funiculì-funicular, larara-rara-lara-lara-lararara. Vem, canta comigo. Funiculì-funicular, funiculì-funiculaaaaar…
Ela finalmente deu uma risada. O pior é que não foi só ela. Quando percebi, já tinha um monte de gente me olhando estranho e uns quantos mais rindo da minha cara. Mas valeu a pena. O que a gente não faz pelos amigos?
Muito além de Montjuïc
Minha versão da música pode até não ter sido das melhores (risos), mas nem por isso deixa de ter fundamento. Sabia que a canção italiana “Funiculì, funiculà” foi criada para comemorar a abertura do primeiro funicular do Monte Vesúvio?
Vale comentar também que, além do funicular de Montjuïc, em Barcelona há outros dois transportes do tipo: o funicular de Vallvidrera e o do Tibidabo. Dos 12 funiculares em funcionamento na Espanha, o do Tibidabo é o mais antigo, o que enfrenta o maior desnível e o segundo mais longo.
Uma pintura abstrata no trem de alta velocidade
Entre Sevilha e Córdoba, o caminho mais curto tem aproximadamente 130 km. De carro, o trajeto pode ser feito entre 1h30 e 2h.
Mas se você decidir, como eu fiz, acumular histórias de transporte público na Espanha, pode chegar de uma cidade a outra em cerca de 40 minutos. Isso, é claro, se você optar pelo trem de alta velocidade.
— Meu amor, o que você prefere: o trem de meia distância por 11€ ou o de alta velocidade por 18€? — perguntou meu marido.
— Ah, vamos no de alta velocidade. Não é muito mais caro. E eu nunca fui. Será uma nova experiência.
Dizer que a experiência foi rápida é quase uma redundância. Mas eu gostei. O trem era bastante cômodo e, enquanto viaja pela Espanha, você não sente que está a quase 300 km/h.
O que mais muda é a vista. Do lado de fora, a paisagem vai se convertendo em uma pintura abstrata. As árvores, as construções e as estradas tomam a forma de pinceladas velozes. As cores se mesclam. É quase poético o contraste com o azul e branco de um céu igualmente fugaz. Até que você chega ao seu destino e tudo volta ao seu devido lugar.
Um susto quando o ônibus se inclinou
Esta é uma das histórias de transporte público na Espanha que, na verdade, é uma pequena confissão. Serei franca. Quando vi pela primeira vez um ônibus se inclinar, eu me assustei um pouco.
Eu estava em pé dentro do veículo, mais ou menos perto da porta. Ou seja, senti na pele essa emoção. Quer dizer, me desequilibrei ligeiramente. Não cheguei a cair — sejamos sinceros — porque a inclinação não é absurda nem repentina. Mas me assustei um pouco.
O que acontece é que alguns ônibus contam com um sistema de inclinação para os passageiros com mobilidade reduzida poderem sair do veículo.
Eu já tinha visto ônibus com rampas e elevadores para essa mesma finalidade. Me senti um pouco matuta por não conhecer o tal sistema de inclinação. Mas tudo tem uma primeira vez, não é mesmo?
Outras modernidades do transporte espanhol
Faixas exclusivas para ônibus (e táxis) não são nenhuma novidade. Mas facilitam a vida de quem usa o transporte público espanhol. O mesmo passa com o ar-condicionado nos veículos (durante o verão valenciano é imprescindível) e as entradas USB para carregar o celular.
Outra coisa muito conveniente é poder descobrir quantos minutos faltam exatamente para o seu ônibus passar. Além do mostrador digital na parada, dá para consultar na internet ou aplicativo pelo número da parada, antes mesmo de sair de casa.
As TVs e alta-vozes nos veículos que anunciam as paradas também auxiliam os mais distraídos. Para completar, se você não tem o cartão do ônibus nem dinheiro trocado para pagar o motorista, pode pagar com cartão de débito diretamente na maquininha.
Lotação: a gente também vê por aqui
Eu não estava atrasada, mas estava impaciente. Tinha um compromisso importante e precisava cruzar a cidade de ônibus. O mostrador digital dizia que o veículo estava “próximo”, ou seja, a menos de 1 minuto. Mas quando o ônibus apareceu, no visor dianteiro estava escrito “Complet” (completo, lotado).
Ao ver que duas pessoas saíram do veículo, eu e outra mulher ignoramos o letreiro e subimos pela porta do meio. A prática é comum por aqui, já que não existe cobrador e dá para pagar nas maquininhas do meio ou de trás. O incomum foi a reação do motorista.
Ele certamente devia estar tendo um mau dia porque se levantou e começou a gritar comigo e com a mulher. Dizia que tínhamos que descer. Que o ônibus estava completo. Que existem regras.
Tentamos argumentar que duas pessoas haviam saído. Que havia espaço. Mas não teve jeito. Enquanto não saímos, ele não arrancou o ônibus e essa é mais uma das minhas histórias de transporte público na Espanha.
Um contraponto necessário
A verdade é que já estive em outros ônibus bem mais “completos” (no Brasil e aqui também). Um dia, durante as últimas Fallas de Valência, tivemos que deixar três metrôs passarem porque nem empurrando com todas as forças havia espaço para entrar.
Digo isso para fazer um contraponto, porque acho que é sempre bom lembrar que nada na vida é perfeito. O transporte público espanhol tem suas vantagens e modernidades. Mas também lota algumas vezes.
Também tem gente mal-educada (e gente bem-educada). Tem gente tocando no metrô em troca de algumas moedas (principalmente em Barcelona). Nunca vi ninguém vendendo nada dentro de metrôs ou ônibus. Aposto que deve ser proibido.
O transporte público nosso de cada dia
O número de pessoas que utilizam o transporte público na Espanha supera os 400 milhões de passageiros ao mês.
Aliás, em cidades como Madrid, Barcelona e Bilbao, as pessoas preferem utilizar o transporte público do que o carro particular para ir trabalhar e/ou estudar. Aqui em Valência, somando ônibus, metrô e tranvía, foram mais de 18 milhões de passageiros somente em abril.
Comento esses dados para demonstrar como é comum utilizar o transporte público por aqui. Pessoas de todas as idades e classes utilizam essa forma de transporte para se deslocar nas cidades e também entre uma cidade e outra.
Apesar de fazer também muitos trajetos caminhando, eu sou uma das passageiras assíduas da rede pública de transportes espanhola. Deve ser por isso que falo tanto sobre o tema. São tantos quilômetros rodados quanto histórias para contar. Mas desta vez vou parando por aqui, porque já está quase na hora do meu ônibus passar.
Quer se mudar para o país Ibérico e acumular as suas próprias histórias de transporte público na Espanha? Recomendo a leitura do ebook Como Morar na Espanha, que vai te ajudar com todo o planejamento de mudança.