É necessário aprender espanhol antes de ir morar na Espanha? Não dá pra se virar na Espanha só com o portunhol? Ou será que o português e o espanhol não são assim tão parecidos como imaginamos?

Para responder a essas perguntas, eu poderia simplesmente te dar minha opinião. Afinal, faz quase 5 anos que estou morando em terras ibéricas. Mas acho que fica mais claro se eu te contar algumas histórias engraçadas e curiosas sobre essa mescla de idiomas. Vamos lá!

Com a língua entre os dentes

1 – Meu nome é Tátylla (leia-se Tátila). Ok, até no Brasil meu nome é considerado estranho. A questão é que os espanhóis não conseguem pronunciá-lo. De jeito nenhum. Primeiro, eles me chamam de ‘Tatílha’ (pronunciando os ‘t’s com a ponta da língua entre os dentes). E quando tento explicar como é de verdade, eles dizem ‘Txátxila’. É um caso perdido.

2 – Meu marido tem um amigo chamado Ramón. O problema é que o ‘R’ em espanhol nunca se pronuncia com a garganta, mas com a ponta da língua (como o nosso ‘R’ de ‘arara’). O som correspondente ao nosso ‘R’ de garganta é o do ‘J’ para eles. E aí, sem querer, eu já chamei algumas vezes o moço de ‘Jamón’ (presunto em espanhol).

Pata de jamon serrano
Uma pata de ‘jamón serrano’ (leia-se ramón serano), um presunto curado muito consumido por aqui. Foto: Tátylla Mendes

3 – Recentemente, eu fui com meu marido visitar o Brasil. Quando nós dois conversávamos em espanhol, todos os brasileiros entendiam a maioria da conversa. Mas quando eles tentavam falar com meu marido em português ou em portunhol, ele não entendia quase nada. Por quê? Justamente por causa da pronúncia, mas também pela grande quantidade de expressões próprias e gírias que usamos.

Falsos amigos

Para aprender a pronunciar como os espanhóis, eu usei por algum tempo esse truque de colocar a língua entre os dentes. Mas acho que a questão da pronúncia (apesar de gerar algumas pequenas confusões) nem é assim tão grave.

O maior problema, na minha opinião, são os falsos amigos. O que em português chamamos de falsos cognatos. Aquelas palavras que são idênticas na hora de escrever, mas têm significados completamente diferentes.

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Para exemplificar, confira estas histórias baseadas em fatos reais sobre os “perigos” do portunhol:

¿Quieres tapas?

Ana estava na Espanha há apenas alguns dias. Mas se virava bem em portunhol e aquele dia, com os amigos do curso no bar, não teve dúvidas na hora de pedir:

– Uma cerveza, por favor.
–¿Caña, tercio o copa? – perguntou a garçonete.

Ana fez cara de quem não entendeu. O bar estava cheio e a garçonete foi perdendo a paciência.

–A ver, hay caña, tercio y copa. Hay clara, lager, ale y tostada. ¿Qué quieres? – insistiu a garçonete com cara de poucos amigos.

Ana se sentiu ainda mais perdida. Eram muitas opções e ela não sabia bem a que se referiam. Os amigos, conversando entre eles, não ajudaram.

pedir uma cerveja em portunhol
Um copo de ale sem ‘tapas’, uma palavra que pode causar confusão em portunhol. Foto: Tátylla Mendes

–Venga, chica. No me enrolles. Te pongo una caña clara, ¿vale? ¿Quieres tapas o qué? – disse a garçonete já visivelmente irritada.

Ana então se indignou. Tudo bem que ela estava demorando para responder. Mas que tipo de pergunta era aquela? A garçonete queria sair no tapa, era isso? Ana se levantou nervosa.

Percebendo a confusão, um amigo segurou o braço de Ana e fez o gesto de levar uma porção de alimento à boca dizendo ‘tapas’. Ana então entendeu: ‘tapa’ era um petisco. Sem graça, ela se sentou novamente e disse simplesmente: “Não, gracias”.

Pegar o ônibus é uma infração

Rafael estava em uma praça espanhola com quatro paradas de ônibus ao redor. No mapa do Google não conseguia descobrir qual delas era a indicada. Decidiu perguntar:

– Hola, donde posso pegar ônibus pra la ‘plaia’? – disse Rafael em portunhol.

A mulher franziu o cenho. Rafael repetiu pausadamente apontando para as paradas:

– Pegar ônibus pra la ‘plaia’.

Um rapaz ao seu lado começou a rir. A mulher seguiu seu caminho. Rafael se virou para ver quem ria.

– Pegar o ônibus é uma infração, sabia? – disse o rapaz que estava rindo, outro brasileiro na Espanha.
– Ah, foi mal. Mas como assim uma infração? – perguntou Rafael sem entender.
– ‘Pegar’ em espanhol quer dizer ‘bater’ – explicou o outro – É como se você quisesse dar porrada no ônibus, ou seja, danificar o transporte.

Rafael arregalou os olhos e riu de si mesmo. Depois disse:

– Ah, beleza. Mas onde eu posso pegar o ônibus pra praia?

Mira estes cachorros, ¡qué monos!

Em seu terceiro dia na nova escola espanhola, Clarinha foi ao zoológico com sua turma. Estavam observando os ursos quando uma amiguinha lhe disse:

–Mira estes cachorros, ¡qué monos!

Cachorros? – pensou Clarinha, que já tinha aprendido que urso em espanhol é ‘oso’. Além disso, ela sabia que ‘mono’ queria dizer ‘macaco’. Mas não tinha nenhum cachorro e nenhum macaco por ali. Apenas ursos.

– Estás mentindo. – disse Clarinha em tom autoritário para a amiga.

Ouvindo isso, a professora se aproximou e depois de entender o que passou desfez logo a confusão:

–Mira, Clarita, los cachorros son los animales pequeños, los hijos. Tu amiga se refería a los ositos. Y cuando dijo ‘qué monos’ quería decir que son bonitos. Tú, por ejemplo, eres muy mona.

El presunto asesino

Na aula de jornalismo, o professor ligou a televisão e colocou uma notícia para todos analisarem. A repórter dizia:

–El presunto asesino es el novio de la víctima.

Otávio não se aguentou e caiu na gargalhada imaginando algo como um presunto Sadia assassinando uma mortadela. Todos ficaram em silêncio, olhando para ele espantados. O professor rompeu o gelo:

–¿Qué pasa, Otávio?
–El presunto assassino… Perdón – disse Otávio ainda tentando segurar o riso.
–Sí, y qué? – perguntou o professor.
– É que no tiene sentido um presunto assasino, ¿tiene? – disse Otávio ainda rindo.
–Claro que sí, quiere decir que no saben si es o no el asesino; que presumen que es, pero no lo saben al cierto.

Otávio finalmente entendeu. Finalmente olhou ao redor e viu que agora todos estavam rindo dele. E decidiu que finalmente já era hora de aprender melhor o espanhol.

Dame un rato

Elena estava dividindo apartamento com duas jovens espanholas. Aquele dia elas tinham combinado de ir ao mercado juntas.

– Vamos? – disse Elena.
–Dame un rato – respondeu uma de suas companheiras.
– Quieres que yo te dê um rato? – disse Elena fazendo cara de nojo.
–Sí, sí, solo un rato – replicou a companheira antes de entrar no banheiro.

Sem entender, ainda com cara de nojo, Elena foi até o quarto da outra companheira.

– Maria disse que quiere um rato. Que quiere dizer? Ela tiene algum hamster que nunca vi?

A outra companheira caiu na gargalhada.

–No, tía. Ella quiere que la esperes un momento. No hay hámster ni ratas por aquí. Como máximo, el ratón (mouse) del computador.

Boa!

Paulo (brasileiro) e Jordi (espanhol) estavam fazendo uma trilha. Quando já estavam um pouco cansados de caminhar, Jordi sugeriu:

–¿Paramos un poco?
– Boooa! – respondeu Paulo dando ênfase à palavra.
–¿Qué? ¿Dónde? ¿Dónde? ¿Llamamos la guardia? – disse Jordi assustado olhando para o chão.

Trilha em Montserrat na Catalunha
Trilha semi pavimentada em Montserrat, Catalunha. Foto: Tátylla Mendes

Paulo olhou também para o chão para tentar entender porque Jordi tinha se assustado. Já ia se sentar em uma pedra quando o amigo disse:

–¡Cuidado, hombre! Mejor nos vamos. Me dan mucho miedo las boas.
– No, yo queria dizer que es una boa ideia parar un poco. Boa… como diz, em espanhol? É… buena ideia – tentou explicar-se Paulo.
–¡Ostia! – exclamou Jordi aliviado. – Boa en castellano es una serpiente. No me asustes así, chaval.

¡Esto está exquisito!

Fernanda tinha convidado suas amigas espanholas para ir à sua casa. Ela ia cozinhar sua receita especial: lasanha de berinjela. O prato foi servido entre aplausos. Já nas primeiras garfadas, Amalia comentou:

–Tía, ¡esto está exquisito!

Fernanda não entendeu o que tinha de esquisito. Mas preferiu levar a crítica numa boa. Deu uma risada sem graça e continuou comendo. Minutos depois, foi Rocío quem comentou:

–Fer, perdona, ¿pusiste pimientos?
– No, no, não tem pimenta. No es nada picante – disse Fernanda.
–No, pimiento, digo, el verde este – explicou Rocío –. Perdona. Me sabe mal decírtelo ahora, pero no me gustan los pimientos.

– Ah, pimiento es pimentão. Entendi. O que no entiendo é isso de ‘saber mal’. Tudo bem que no te gusten los pimientos. Puede tirar. Mas no sei o que tiene de esquisito en el plato. Es una lasanha de ‘berinjena’, bem normal – respondeu Fernanda já sem conseguir se controlar.

–Eh, tranquila, tía. Rocío solo lamenta no habértelo dicho antes que no le gustan los pimientos y sí, puede sacarlos – disse Amalia. – Y yo lo que dije es que me parece exquisita tu lasaña de berenjena, o sea, que está demasiado buena, que a mí me encanta, ¿entiendes?

Também já contei aqui sobre o meu fim de ano à espanhola.

Um mogollón de diferenças

Antes de vir morar na Espanha, eu passei dois anos estudando espanhol. Muita gente me dizia que era um desperdício, já que o português e o espanhol são idiomas muito parecidos. E em parte essa similaridade é real, mas apenas EM PARTE. A verdade mesmo é que:

1. Há muitas palavras parecidas, mas a pronúncia é bem diferente;
2. Há várias palavras iguais com sentidos absolutamente diferentes;
3. Há um mogollón de (muitas) palavras e expressões completamente diferentes.

Então, respondendo àquelas perguntas lá do início, eu diria que dá sim para sobreviver com o portunhol. Quem vem só passear e turistar, por exemplo, não precisa fazer nenhum cursinho antes.

Mas se a ideia é morar na Espanha, estudar, trabalhar, etc., eu acho que o ideal é começar a aprender a língua com alguma antecedência. Assim, pelo menos, fica mais fácil evitar que te la den con queso ou que se lie la parda.