Com uma das maiores crises imobiliárias dos últimos anos, compartilhar apartamento na Alemanha pode ser a única alternativa para quem vem de fora e precisa se estabelecer no país. Para nós, brasileiros, pode parecer bastante assustador em um primeiro momento, mas garanto que a experiência tem tudo para ser enriquecedora e positiva.

A seguir, conto um pouco da minha experiência vivendo em um WG em Karlsruhe durante a pandemia do Covid-19 e trazer os pontos positivos e negativos de compartilhar a moradia com pessoas estranhas.

O que é um WG?

Antes de mais nada, vamos decifrar esse palavrão alemão. “Vêguê” é como você vai pronunciar essa sigla, que vem de Wohngemeinschaft. Traduzindo, o termo significa literalmente “apartamento compartilhado”.

Se morar na Alemanha está nos seus planos, principalmente se você for estudante, vá se familiarizando com essa palavrinha, pois é bem provável que ela faça parte da sua rotina.

Essa cultura de compartilhar na Alemanha é bem comum e se reflete em diferentes situações, desde dividir a mesa com estranhos em um bar até a moradia. Para se ter uma ideia do quão “normal” isso é na vida dos alemães, segundo o Statista, 4,62 milhões de pessoas viviam em um WG em 2022 no país. E detalhe, esse é o valor mais baixo desde 2018.

Portanto, esse tipo de moradia é amplamente aceito pelos alemães. É uma opção econômica e prática para estudantes e também muito vantajosa para imigrantes que procuram um apartamento “de entrada”.

Por que fui morar em um apartamento compartilhado na Alemanha?

Eu já contei como vim parar na Alemanha em 2019 no meu primeiro texto aqui do Euro Dicas. De forma resumida, vim com um visto de trabalho e férias, o Working Holiday, para acompanhar meu marido (na época namorado), no doutorado sanduíche em Karlsruhe, uma cidade universitária localizada no estado de Baden-Württemberg.

Ele foi para a Alemanha em setembro de 2019, e eu o segui em dezembro daquele ano. Durante os três meses que ele esteve lá antes de mim, ele buscou um apartamento para que já tivéssemos um lugar para morar quando eu chegasse.

No entanto, ali foi quando nos deparamos com a dura realidade de alugar apartamento na Alemanha. Planejávamos viver principalmente com a bolsa de doutorado do meu marido, que era de 1.300€. Com essa quantia, descobrimos que era inviável alugar um apartamento mobiliado para nós dois e ainda pagar por aquecimento, energia, internet e alimentação.

Então, a opção foi compartilhar um apartamento com outros estudantes, o que nos permitiria viver sem passar perrengue.

Como alugar um apartamento compartilhado?

Se você chega na Alemanha procurando apartamento, vai encontrar dois obstáculos. O primeiro é a pressa para economizar, já que no começo você provavelmente vai ter que ficar em hotel ou, se tiver sorte, num Airbnb de longa estadia.

O segundo desafio é o tempo. Se você permanece no país por mais de 90 dias, tem a obrigação de se registrar na cidade – o famoso Anmeldung – num prazo de 14 dias. E para fazer isso, você precisa de um comprovante de onde está morando. E é aí que a coisa complica.

Então, antes de confirmar sua estadia em um Airbnb, hostel ou hotel, verifique se eles fornecem o documento chamado Wohnungsgeberbestätigung, pois é isso que você precisa para se registrar na cidade.

Se o lugar oferecer esse documento, você pode usar esse endereço para se registrar. Depois que fizer sua mudança para o novo lar, é só fazer um agendamento com o Ausländerbehörde novamente e atualizar o endereço, num processo conhecido como Ummeldung.

Fachada do Castelo de Karlsruhe
Karlsruhe é uma cidade super tranquila no estado de Baden-Württemberg. Foto: Ana Lisboa

Além disso, você vai precisar comprovar sua renda. Se você tem uma bolsa de estudo, a universidade pode fornecer esse comprovante. Caso contrário, você pode apresentar uma conta bloqueada com o saldo mínimo exigido pelo tipo de visto para Alemanha que você tiver.

O bom de ser estudante é que muitas vezes a universidade pode ajudar na busca por um lugar para morar. Algumas até oferecem alojamento próprio, mas essa opção não se aplicava a nós, já que eu não era aluna. Meu marido procurou assistência no Escritório de Estudantes Internacionais do KIT, e eles ajudaram a encontrar um WG onde pudéssemos viver juntos.

Geralmente esses apartamentos já são mobiliados e você não precisa comprar muita coisa. No máximo, toalhas e roupa de cama e alguns utensílios de cozinha, caso você queira ter seus próprios.

Como é compartilhar apartamento na Alemanha?

Eu diria que compartilhar apartamento na Alemanha foi uma experiência positiva. No entanto, isso é algo muito pessoal e vai depender das pessoas, do estilo de vida e da sua disposição para conviver com outros em um espaço compartilhado.

Acredito que a chave para tornar essa experiência agradável é a comunicação aberta e respeitosa com os colegas de apartamento. Também é bem importante estabelecer regras claras desde o início, especialmente em relação à limpeza, uso de áreas comuns e horários, para evitar mal-entendidos.

Normalmente, essas regras já são estabelecias pelo proprietário, mas nem sempre é assim. Tínhamos a vantagem dele morar no andar de baixo e estar sempre nos visitando para resolver qualquer questão.

Porém, em alguns casos, quem define as regras são os próprios moradores, pois existem diferentes “tipos” de WG. Aliás, não é uma regra ele ser composto só por estudantes. Na Alemanha é bastante comum que pessoas de diferentes idades e estilos de vida morem juntas em um apartamento.

Vantagens e desvantagens de morar em um apartamento compartilhado na Alemanha

Lembro que no meu curso de integração, que terminei em junho de 2023, esse assunto surgiu em algum momento e a troca foi bastante interessante, pois a maioria dos meus colegas viviam dessa forma por serem refugiados da guerra da Ucrânia.

É claro que o contexto é completamente diferente. No caso deles, muitos moravam com a família inteira – incluindo esposa, filhos e mãe – em um apartamento compartilhado, e imagino que a experiência não seja das melhores.

Na minha opinião, esse formato de moradia é mais adequado para pessoas solteiras ou, no máximo, para casais, como foi o nosso caso. De qualquer forma, quando se trata de pesar os prós e contras de compartilhar apartamento na Alemanha, parece haver um consenso, independentemente da estrutura familiar de cada um.

O lado positivo

Em primeiro lugar, a economia é a principal vantagem em compartilhar apartamento na Alemanha. Com os aluguéis no país tendo aumentado 7,5% no início de 2023 e 27% em Berlim desde novembro de 2022, arcar com o aluguel sozinho torna-se um desafio para muitos estudantes.

De acordo com dados do Destatis de 2021, quase 38% dos estudantes na Alemanha estavam em situação de risco de pobreza. Esse risco era ainda maior para aqueles que moravam sozinhos ou apenas com outros estudantes.

O que é importante salientar é que no aluguel do WG, muitas vezes outros custos estão inclusos, como aquecimento, energia e internet, tornando ainda mais vantajoso esse formato.

Em 2019, o valor para um quarto de aproximadamente 35m² para mim e meu marido custava 620€. Nesse valor, já estava previsto taxa de rádio e TV, luz, aquecimento, água, internet e limpeza.

Fachada de prédio residencial em cidade alemã, comum para quem opta compartilhar apartamento na Alemanha
Esse era o prédio do nosso WG. Nosso quarto era o do terceiro andar, com aquela janela enorme. Foto: Ana Lisboa

Outro benefício de compartilhar um apartamento na Alemanha é a rica troca cultural e a chance de conhecer pessoas diferentes enquanto pratica outros idiomas. No nosso WG, originalmente éramos sete pessoas: quatro brasileiros, incluindo eu e meu marido, e três indianos.

Confesso que a interação não era tão grande, pois o pessoal passava a maior parte do tempo na universidade. Além disso, depois veio a pandemia de Covid-19, que limitou ainda mais nosso contato social.

No entanto, quando nos encontrávamos na cozinha – que era uma das áreas compartilhadas – sempre havia alguma interação. Também costumávamos fazer pratos brasileiros para compartilhar, como bolo de cenoura e brigadeiro, e em troca, os colegas cozinhavam algo típico da Índia para nós experimentarmos.

Em relação à segurança, como mulher, inicialmente fiquei um pouco apreensiva por dividir o espaço com desconhecidos. Mas, com o tempo, percebi que isso era uma vantagem. Você nunca se sente sozinha e sempre há alguém disposto a ajudar. Sem contar que a maioria está passando por situações semelhantes às suas, especialmente por sermos todos estrangeiros.

Os principais desafios

Não tenho muitas críticas sobre a experiência de compartilhar apartamento na Alemanha, mas as questões de privacidade e limpeza são as que mais se destacam.

Em nosso WG, cada morador tinha seu próprio quarto, enquanto dois banheiros e uma cozinha serviam como espaços comuns, e uma pequena varanda. Uma pessoa era paga pelo proprietário para fazer a limpeza semanal desses espaços, mas a manutenção diária era responsabilidade dos moradores.

Quanto à privacidade, não era um problema tão sério, já que cada um tinha seu espaço pessoal e todos respeitavam. A questão era mais sobre adaptar certos hábitos, como cuidar para não esquecer a roupa na hora do banho e sair só de toalha pelo apartamento, ou gritando para alguém ajudar (como aconteceu comigo).

O que mais me incomodava era o aspecto da limpeza. A regra era que cada pessoa limpasse a cozinha após usá-la, o que nem sempre acontecia. Além disso, as panelas eram compartilhadas e frequentemente ficavam sujas, deixando você sem opções para cozinhar.

Além disso, cada morador tinha seu nicho aberto na cozinha para guardar alimentos e quaisquer outros itens. Por serem expostos – sem portas e bem desorganizados – sempre tinha aquela sensação de sujeira e bagunça.

As geladeiras também eram compartilhadas e muitas vezes acontecia dos colegas “esquecerem” comida estragada ou ocuparem mais espaço do que deveriam. No entanto, nada que uma boa conversa ou um bilhetinho em cima da mesa não resolvesse.

Regras do WG

Tinham placas em todos os cantos do WG com “lembretes”. Mas, as regras eram simples: manter a ordem e respeitar os horários de silêncio.

Além disso, é comum que alguns custos, não inclusos no aluguel, sejam divididos entre os moradores. Por exemplo, itens de higiene comum, como sabão para a máquina de lavar louça, detergente, esponja, saco de lixo, sabonete e papel higiênico.

Cada pessoa era responsável por comprar um desses itens e monitorar quando estava acabando. Anotávamos o custo e o nome do comprador em um papel na geladeira, e, no fim do mês, um de nós fazia as contas para ver quanto cada um devia.

Também era revezado o dia de quem trocava o lixo – e isso às vezes gerava discussões, pois nem todos cumpriam essa tarefa. Fora esses detalhes, o ambiente era bastante tranquilo e fácil de gerenciar.

Minha experiência um pouco traumatizante

Ah, a primeira vez que você coloca os pés em solo estrangeiro é como viver em uma caixinha de surpresas! Lá estava eu, descobrindo cada cantinho como se fosse uma criança.

Lembro que uma das coisas que mais gostava de fazer era ir ao mercado. Cada ida era um produto novo que eu levava para casa para experimentar. Numa dessas, fiquei viciada em um pepino em conserva fatiado, que eu devorava em praticamente todas as refeições.

Após uns dois meses comendo quase dois vidros de pepino por semana, começaram a sair bolinhas pelo corpo e uma coceira horrível. Só não achei que era catapora, pois já tinha tido – e meu marido não tinha sido afetado. Então, a culpa era do pepino! Porém, as marcas e a coceira seguiam lá.

Em uma chamada de vídeo com a minha irmã, comentei sobre essa questão e mandei fotos. Ela disse em um tom de brincadeira “isso aí parece picada de percevejo”. É claro que desdenhei, mas a semente da dúvida já tinha sido plantada.

Fiquei com aquilo na cabeça, mas logo descartamos a possibilidade, pois eu e meu marido dormíamos na mesma cama. Por que a coceira só me afetaria? Comecei a restringir outros alimentos para ver se reduzia, e, na verdade, o problema só piorava.

Até que um dia, antes de dormir, cansada disso tudo, resolvemos virar o colchão e voilà! Encontramos os percevejos.

Corta para eu surtando, claro! Noites em claro, remédios caseiros, receitas da mãe e da vó, armas químicas, você decide. Nada funcionava. Nossa solução foi aspirar os malditos do colchão e montar um acampamento do outro lado do quarto, sem a cama, para afugentar os bichinhos.

Drama à parte, quando a pandemia esvaziou alguns quartos do apartamento, acionamos o proprietário. Ele contratou uma empresa de dedetização e nos mudamos para o quarto do lado.

É claro que antes de aceitar a troca, fizemos uma boa inspeção. E assim, com o quarto limpo e a consciência tranquila, voltei a comer meu pepino em paz!

Compartilhar apartamento na Alemanha durante a pandemia

O começo da pandemia foi bem difícil, pois ainda não tínhamos tantas informações e orientações de como lidar com o vírus. Tivemos bastante medo no início e, com o agravamento da situação no Brasil, queríamos estar perto da família.

Mulher posando para foto em parque
Durante o lockdown era permitido frequentar os parques, mantendo o distanciamento. Foto: Ana Carolina Lisboa

Naquele momento, o apartamento estava quase vazio; éramos apenas eu, meu marido e o Ravi, nosso colega indiano que fazia pós-doutorado no KIT. Durante os primeiros meses, nossa interação foi mínima e, quando um abria a porta do quarto, o outro fechava imediatamente para evitar o contato.

Seguimos assim, até que a situação na Alemanha melhorou. Recebemos um novo morador e com o tempo, passamos a interagir novamente, aliviando o clima e tornando nossa convivência mais fácil e acolhedora.

Dicas para uma experiência bem-sucedida

Se você está pensando em compartilhar apartamento na Alemanha, confira algumas dicas para que a sua experiência seja o mais positiva possível:

Siga as regras

Não, regras não foram feitas para serem quebradas. Ao menos não nesse caso. Acredito que se todos respeitassem as diretrizes, viver juntos seria super tranquilo. Mas, claro, sabemos que nem sempre é assim. Então, preste atenção na próxima dica que vou dar.

Diálogo é tudo

Sempre tem alguém que tenta escapar das regras ou responsabilidades, mas não se preocupe. Na maioria das vezes o diálogo funciona. Se você manifestar seu incômodo com alguma situação de maneira amigável, é bem provável que a solução chegue mais rapidamente do que você imagina.

Tenha sempre o contato do proprietário

Ter um bom relacionamento com o proprietário ou, pelo menos, manter o contato dele sempre acessível é super importante.

Qualquer problema que estava fora do nosso controle – como os percevejos – contatávamos o dono e ele resolvia prontamente a situação. Além disso, ele pode ser um contato valioso em casos de emergência.

Compre seus itens de cozinha – e etiquete todas as suas coisas

Após alguns meses, descobrimos que a melhor forma de evitar estresse com utensílios de cozinha era ter os nossos próprios. Comprar itens básicos como uma frigideira, colheres e potes pode fazer toda a diferença para a sua paz de espírito enquanto você estiver compartilhando um apartamento na Alemanha.

Também é útil etiquetar todas as suas coisas, sejam elas comida ou utensílios, para evitar que se tornem de uso comum.

Vale a pena compartilhar um apartamento na Alemanha?

Sem dúvida, compartilhar um apartamento na Alemanha é uma escolha inteligente, especialmente para o bolso. Também é uma oportunidade incrível para se conectar com pessoas de diversas culturas e absorver novos aprendizados todos os dias.

Seja para quem vem a estudo ou trabalho, essa experiência pode suavizar sua transição, dando-lhe o espaço e o tempo para se adaptar às novas regras e rotinas com menos pressão.

Lembre-se que viver em um país estrangeiro é um verdadeiro teste de resiliência, e você só descobre quão resiliente é quando enfrenta desafios cotidianos. Essas experiências não só enriquecem sua bagagem cultural, mas também abrem portas para um novo nível de autoconhecimento. Por isso, se você tem a chance, abrace essa jornada com mente e coração abertos!