Mudanças significativas estão sacudindo o mercado imobiliário português nos últimos tempos. Os conhecidos “vistos gold” para investimento imobiliário, que atraíram uma boa quantidade de estrangeiros para o país, chegaram ao fim em outubro de 2023.

Além disso, o governo anunciou o término de novas inscrições no regime especial de IRS (Imposto de Renda de Portugal) para os residentes não habituais (RNH). Os benefícios incluíam isenção ou redução de impostos sobre rendimentos provenientes do exterior, para atrair talentos e investidores estrangeiros para Portugal.

O argumento era de que a chegada de estrangeiros estava contribuindo para o aumento dos preços dos imóveis no país.

O impacto no mercado imobiliário foi leve até agora

O término desses dois incentivos fiscais, destinados a atrair investimentos estrangeiros, provocou incerteza e desconfiança. As medidas suspenderam negócios imobiliários e colocaram outros em risco.

O resultado é uma queda na procura internacional por casas e apartamentos à venda em Portugal. Os dados são do Idealista, portal especializado em imóveis no país.

Investidores estrangeiros continuam fazendo negócios em Portugal

Apesar das preocupações sobre o fim do Golden Visa, até setembro de 2023, o investimento estrangeiro direto em imóveis atingiu um recorde de quase 31 milhões de euros. É um aumento de 14% em relação ao ano anterior, conforme dados do Banco de Portugal. A hotelaria, em particular, continua a ser uma atração para estes investidores.

Uma avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI) confirma que, até agora, foi leve o impacto do fim dos vistos gold e dos benefícios fiscais no mercado habitacional português. O programa foi responsável por cerca de 5% das transações de novas residências na última década.

Segundo o FMI, o mercado imobiliário em Portugal enfrenta atualmente desafios, como a supervalorização dos preços das casas, o que pode representar um risco maior para a estabilidade econômica.

Nesse contexto, espera-se que o investimento imobiliário destinado a Portugal possa migrar para outros países europeus, como Espanha e Albânia.

Estrangeiros ainda buscam por habitação em Portugal

Ao longo dos últimos cinco anos, a procura de casas para compra por parte de estrangeiros em Portugal tem sido uma constante, sempre representando mais de 20% do total, como revela o estudo do Idealista.

Em 2019, esse interesse atingiu seu pico, ultrapassando os 25%. No entanto, a chegada da pandemia em 2020 causou uma desaceleração, devido às restrições à circulação e outros impactos na economia portuguesa.

A partir da segunda metade de 2021 e ao longo de 2022, os estrangeiros voltaram a ganhar protagonismo no mercado imobiliário português, impulsionados por fatores como inflação e a subida dos juros, que afetaram o poder de compra das famílias portuguesas.

Entretanto, em 2023, observaram-se oscilações nessa procura, com meses de aumento e outros de queda, encerrando o ano representando 23,1% do total das buscas.

Fora do alcance da maioria

Não custa lembrar que os preços das casas em Lisboa, por exemplo, ainda são muito atrativos para estrangeiros, sendo cerca de metade dos praticados em Paris ou Zurique. Por outro lado, os preços atuais na capital do país são inacessíveis para a maioria dos habitantes.

Isso é especialmente preocupante porque o poder de compra das famílias está sendo ainda mais afetado pela inflação e altos juros no crédito habitação. Além disso, os salários das famílias portuguesas estão entre os mais baixos da Europa Ocidental.

Procura estrangeira teve altas e baixas em várias cidades

Analisando as 20 maiores cidades, observa-se um cenário diversificado: a procura estrangeira aumentou em algumas, manteve-se em outras e caiu em diversas.

Destaque para cidades como Faro, Ponta Delgada, Portalegre, Beja e Bragança, onde o interesse estrangeiro cresceu entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023. Por outro lado, cidades como Vila Real experimentaram uma queda significativa na procura.

Apartamentos em Lisboa, Portugal
Cidades do interior são as mais afetadas pelo desinteresse nos investimentos imobiliários por estrangeiros.

No final de 2023, quatro cidades destacaram-se por receberem um considerável interesse estrangeiro na busca por imóveis para comprar: Funchal, Ponta Delgada, Faro e Viana do Castelo, onde pelo menos 3 em cada 10 pesquisas no site Idealista eram de estrangeiros. Évora, Coimbra e Beja foram as cidades menos procuradas por essas famílias.

Examinemos de perto as regiões onde a procura pelos estrangeiros caiu mais:

Vila Real

Situada na região do Douro, Vila Real enfrenta uma redução na procura estrangeira por imóveis, apesar de sua bela paisagem e proximidade com o Parque Natural do Alvão.

Agora, eles representam 22,8% do total das buscas, o que é 4% a menos do que no ano passado. Além disso, houve uma diminuição de 1,8% em comparação com o trimestre anterior.

Braga

A busca de estrangeiros por Braga, cidade conhecida pelo seu patrimônio histórico e religioso, também diminuiu. Houve uma queda de 3,6% em comparação com o ano passado e uma variação trimestral de −2%. Agora, eles representam 20,4% do total de buscas.

Viseu

Em Viseu, famosa pela sua arquitetura medieval e pela tradicional Feira de São Mateus, a procura estrangeira igualmente diminuiu. Houve uma queda de 2,9% em comparação com o ano anterior e uma variação trimestral de −3,6%. Agora, os estrangeiros representam 25,2% do total de buscas.

Coimbra

A busca por estrangeiros em Coimbra, conhecida pela sua rica história acadêmica e cultural, também caiu. Houve uma diminuição de 2,3% em comparação com o ano anterior e uma variação trimestral de −3,2%. Agora, os estrangeiros representam 16,3% do total de buscas.

Mercado imobiliário dá sinais de desaceleração

Apesar do fim dos vistos gold e dos benefícios fiscais, os preços das casas continuam a subir, mas em algumas regiões, o ritmo começou a diminuir. Em Lisboa, a região mais cara do país, registrou-se a primeira queda nos preços em dois anos, ainda que levemente. No entanto, para muitos que procuram uma residência na capital, essa mudança ainda é difícil de ser percebida.

O impacto do fim do visto gold foi um pouco mais perceptível no mercado de compra de imóveis. O setor de vendas não foi afetado e mantém uma tendência de crescimento. Segundo Maria João Canha, head of consultancy da Worx, empresa do ramo imobiliário, o maior problema de Portugal continua sendo a escassez de imóveis, ainda que:

“[…] se verifique, em termos gerais, menos transações efetuadas e um maior tempo dos ativos em venda, a que certamente não são alheias a subida das taxas de juro, maior dificuldade na obtenção de crédito e uma retração da economia europeia”.

Enquanto no resto da Europa a tendência é de queda nos preços das casas, em Portugal, a subida continua, mas num ritmo mais lento. O mercado imobiliário, antes em ascensão, agora dá sinais de desaceleração e possíveis ajustes nos preços.

A menos que haja uma crise econômica grave no país, é pouco provável que os preços das casas caiam consistentemente.

Menor interesse de estrangeiros em alugar

As mudanças nesse mercado tão dinâmico não se limitam apenas à compra e venda de imóveis.

Também foi observada uma diminuição no interesse estrangeiro em arrendar (alugar) casas no país, embora os estrangeiros ainda representem mais de 22% da procura total de casas, tanto para compra quanto para arrendamento.

As cinco nacionalidades que mais procuram casa à venda em Portugal:

Posição Nacionalidade
1º lugar Franceses
2º lugar Ingleses
3º lugar Americanos
4º lugar Alemães
5º lugar Suíços

Uma observação interessante é que os brasileiros perderam destaque nesse período, saindo do top 5 de compradores, após uma presença constante desde 2019.

Agora, as cinco nacionalidades que mais procuram casa para alugar:

Posição Nacionalidade
1º lugar Brasileiros
2º lugar Americanos
3º lugar Espanhóis
4º lugar Alemães
5º lugar Ingleses

Qualidade de vida ainda é o maior atrativo de Portugal

Os estrangeiros continuam interessados em Portugal, principalmente devido ao clima agradável, qualidade de vida, segurança e bons serviços de saúde e educação que o país oferece — e nem tanto pelos regimes fiscais.

Espera-se que o fim dos vistos gold e do regime de residentes não habituais continue tendo um impacto pequeno na compra e aluguel de casas por estrangeiros, resultando em uma leve diminuição nos preços dos imóveis. No entanto, os especialistas preveem que o término desses regimes não deve resolver o problema de acesso à habitação no país.