Morei fora e voltei pro Brasil: o sentimento de quem voltou nem sempre é o mesmo. Afinal, a volta para o país de origem pode acontecer por diversos motivos: remanejamento interno das suas empresas, porque a pessoa, ou alguém da família fica doente, porque a sua experiência de intercâmbio acaba, o seu contrato expira, ou simplesmente porque a pessoa decide voltar.
Não importa o motivo do retorno, todos que voltam precisam se readaptar. Mesmo o Brasil sendo o seu país de origem, morar fora muda quem você é como pessoa, o que você pensa e como você vê a sua própria cultura.
Então se você está pensando em voltar para o Brasil, ou já voltou, este artigo foi escrito pensado em você!
Morei fora e voltei para o Brasil, primeiro impacto
Quando você decide mora no exterior, algumas coisas que no Brasil são consideradas “normais” acabam deixando de ser normais para você.
Eu, por exemplo, sou mulher, e não tinha medo de andar na rua sozinha. É claro que sempre tomava cuidado, afinal desde pequenas somos ensinadas a nos policiar, mas como os casos de roubo e estupro na Europa são muito menores do que no Brasil, você se sente mais relaxada.
Lembro uma vez que fui ao aniversário de uma priminha e quando eu fui sair da festa, o meu primo disse que ia me levar até o carro porque era perigoso eu andar sozinha. Eu sabia que era verdade, e mesmo agradecendo o sentimento de proteção dele, parte de mim, sentiu muita raiva de voltar para uma realidade onde até mesmo andar meia quadra (cerca de 50 metros) já não era mais seguro, mesmo em uma rua iluminada e em uma cidade considerada segura.
Outro grande impacto que tive foi o de chegar no Brasil em setembro de 2018, um mês antes das eleições presidenciais que dividiram o Brasil. Na época, morando na Inglaterra, eu acompanhava algumas discussões pelo Facebook e Instagram e pensava que muita gente no Brasil estava muito apaixonada e deixando de pensar racionalmente quando o assunto era as eleições.
Ao chegar, percebi que eu não tinha ideia da dimensão que aqueles debates eleitorais tinham tomado no Brasil. Me lembrei de uma história que sempre ouvia na igreja quando era pequena. A história dizia que se você colocar um sapo direto numa panela de água fervendo, ele vai saltar na hora. Agora se você colocar o sapo na água na temperatura ambiente e aos poucos for aumentando a temperatura, o sapo vai morrer cozido.
Seguindo esta analogia, eu me sentia como um sapo que havia chegado ao Brasil e estava estranhando toda aquela falta de racionalidade enquanto via as pessoas ao meu redor, acostumadas e com um sentimento ardente que nem elas sabiam explicar.
Como foi a minha adaptação no regresso?
Quando eu voltei, eu não fiz muito esforço para me readaptar, pois eu ficaria apenas três meses e logo voltaria para estudar na Inglaterra.
Como eu já fazia alguns trabalhos online, continuei com eles e também comecei a dar aula de inglês para fazer uma grana enquanto passava um tempo na casa dos meus pais.
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Cotar Agora →Porém, fui fazer exames médicos e duas especialistas recomendaram que eu ficasse para acompanhar alguns problemas de saúde que eu estava tendo. Nesta hora que a minha ficha caiu que talvez eu ficaria mais tempo no Brasil do que eu havia pensado, então eu decidi que iria trabalhar em alguma empresa ou agência da minha cidade para ter outra experiência profissional nacional.
Readaptação no trabalho
Eu trabalho com Marketing desde 2013 e um dos motivos que me fez querer ir trabalhar na Europa foi o de entender como a mesma marca se vende para públicos e países diferentes. Então quando fui chamada para trabalhar em uma agência em minha cidade, eu tive um outro choque cultural.
Mesmo sendo brasileira, vi que o Marketing no Brasil estava sendo trabalhado de uma maneira muito diferente do que a que eu via na Europa e que eu precisava reaprender a me comunicar com as pessoas da minha própria cultura.
Outro choque que tive foi o de como as hierarquias funcionam dentro das empresas brasileiras, mesmo elas sendo pequenas. Dependendo do lugar onde você trabalha, dar uma ideia pode soar até mesmo como uma afronta no Brasil porque muitos gerentes têm o ego bem frágil.
Eu lembro que ficava bem triste, pois na Nokia, eu podia dar ideias para gerentes regionais e globais, com jeitinho, claro, e eles sempre escutavam, sempre buscavam saber como a empresa podia melhorar. E na minha cidade isso era praticamente um tabu.
Aos poucos fui perdendo a vontade de contribuir e dar ideias, percebi que dependendo do lugar onde você está, concordar e balançar a cabeça é a melhor coisa que você faz pela sua saúde mental.
Readaptação na família
Eu fui para a faculdade com 16 anos e depois disso, só voltei para casa para visitar e passar férias. Então, voltar para morar com os meus pais quase 10 anos depois também foi um choque para mim.
Quando você sai da casa dos seus pais, a casa deles deixa de parecer a sua casa. Por mais que eles digam que vão sempre deixar as portas abertas para você e te receber bem, você se sente um estranho.
Você precisa avisar quando vai sair, onde vai, se vai pegar alguma coisa e isso é horrível. Se você já se acostumou a fazer o que quer, quando quer, voltar a dar satisfação para alguém, mesmo que por respeito, é muito ruim.
Confira também um relato do colaborador onde ele diz que a saudade já não é a mesma e saiba como ele conseguiu driblar esse sentimento.
Readaptação na cultura
No Brasil as pessoas geralmente moram com os pais até se casarem — alguns continuam morando com os pais mesmo após casados. Isso é também acontece em alguns países latinos da Europa como Portugal, Espanha e Itália, mas nos países nórdicos e na Inglaterra, você sai de casa para estudar e depois já começa a tomar conta da sua vida.
Então, as pessoas de vinte e poucos anos de lá são muito mais focadas em resolver os seus problemas, do que as pessoas de vinte e poucos anos do Brasil que recebem tudo de mão beijada dos pais e não precisam se preocupar com aluguel.
Eu lembro que quando voltei, percebi que esta facilidade de morar com os pais por muito tempo fazia com que muitas pessoas que conheço que hoje tem mais de 30 anos ainda são muito imaturas com relação a assumir a responsabilidade por suas escolhas e até mesmo por seus erros.
É como se o erro não fosse permitido, sendo mais fácil culpar alguém, até mesmo os pais, do que assumir que fez uma escolha errada. Nos países europeus em que vivi, o pensamento é mais aberto, se você cometeu um erro, você vai lidar com ele e aprender.
Outra coisa que ainda tenho dificuldade para readaptar é com relação ao brasileiro não ser nada objetivo.
O europeu diz o que quer, como quer e é isso — sem ressentimentos.
No Brasil as pessoas dão muitas voltas para dizer algo simples, pois a pessoa pode ficar ofendida e, ao invés de buscar resolver conversando, ela pode criar um drama em cima daquilo. Confesso que isso é o que mais me irrita no Brasil, ter que sempre falar com as pessoas com muitos dedos.
Um grande exemplo disso é o famoso “oi, tudo bem?”. Se você quer me tirar do sério é me escrever só “oi, tudo bem?” e mais nada.
O “tudo bem” é como se fosse uma vírgula no nosso português. Ninguém que te escreve isso realmente quer saber como você está. A pessoa quer te fazer uma pergunta, quer te pedir um favor ou dizer que lembrou de você, mas nunca, NUNCA mesmo ela só quer dizer isso.
Então, eu quando mando uma mensagem já emendo o “tudo bem” com o objetivo da mensagem, afinal mandar só “Oi + mensagem” seria muita grosseria da minha parte. Vai entender!
Outra coisa que me chamou muito a atenção quando eu morei na Noruega é que tudo o que eu ia argumentar, precisa argumentar com fatos e dados. No Brasil a maioria das pessoas não liga para fatos e dados, alguns até ficam bravos se você busca mostrar isso, pois muitos querem apenas que você concorde com as ideias pré-estabelecidas.
Eu acredito que isto está fortemente ligado ao nível educacional das duas culturas. Na Noruega você é ensinado a questionar quem disse, como, onde e por quê.
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Foi mais fácil adaptar ao Brasil ou no exterior?
Como eu morei fora e voltei pro Brasil, posso dizer que a minha experiência me adaptar ao exterior foi muito mais fácil do que me readaptar no meu próprio país.
Quando você vai para um novo país, você busca conhecer um pouco daquela cultura para evitar gafes e para se preparar mentalmente para o novo mundo que te aguarda.
Agora para voltar, quase ninguém se prepara. Você pensa que já sabe como vai ser, afinal é seu país, sua cultura. Então, você já conhece até mesmo como funcionam as regras sociais não escritas.
Mas é aí que mora o problema:
Coisas que você julgava como normais deixam de ser e você começa a reparar até mesmo nas coisas estranhas que brasileiros fazem.
Algumas você acha engraçado e outras começam a te incomodar.
Quando você está fora e se sente estranho, você ainda consegue se reconfortar, afinal, você é um forasteiro naquele país. Mas quando você volta e se sente um forasteiro no seu próprio território, você não sabe se o problema está com você que mudou de mais ou com as coisas ao seu redor que parecem que “mudaram de menos”.
Como eu morei fora e voltei pro Brasil, posso garantir que nestas horas é interessante conversar com quem vive e já viveu o mesmo que você para entender que não está sozinho.
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O que mais mudou na minha vida desde que retornei
Quando eu voltei, percebi que além de sentir mais calor e ser a chata que sempre pedi para ligar o ar e/ou ventilador quando mais ninguém estava com calor. O meu corpo também sofreu para se readaptar ao clima seco do Cerrado.
Também tive que aprender a ser menos direta e dar voltas antes de falar alguma coisa, principalmente dentro de um ambiente de trabalho, pois muitas vezes as pessoas não conseguem separar que a crítica a uma ideia não é uma crítica a uma pessoa.
Coisas que comecei a apreciar no Brasil
Eu comecei a apreciar mais os planos espontâneos e de última hora que às vezes fazemos no Brasil. Seja uma viagem, ou simplesmente uma saída no bar com os amigos. Como os noruegueses e ingleses são mais metódicos, nem sempre você vai conseguir fazer algo espontâneo, vai precisar marcar com alguns dias, senão meses, de antecedência.
Também comecei a apreciar mais os almoços e encontros de família. Como na Noruega e na Inglaterra, família é geralmente pai, mãe e filhos, os natais são pequenos e eles não acontecem com tanta frequência.
Os almoços de família no Brasil são verdadeiros eventos com netos, primos, bisnetos, avós, muita comida, muita falação e muitas risadas. Agora, quando participo destes almoços e encontros, procuro aproveitar mais estes momentos, às vezes até mesmo em silêncio, só desfrutando da companhia de todos.
Dicas para quem planeja voltar a morar no Brasil, depois de morar fora
Eu morei fora e voltei pro Brasil e as minhas experiências valeram a pena, mas também sei que morar no exterior não é para todo mundo e os motivos da volta são os mais variados. E está tudo bem!
Como você pode ter percebido, voltar a morar no Brasil pode ser mais difícil do que parece no primeiro momento. Talvez você se sinta fora do seu lugar, que os seus amigos não te entendem e que ninguém sabe o que você passou.
Acredito que uma excelente maneira de lidar com esta volta, é procurando ajuda profissional. Um psicólogo pode te ajudar a navegar pelos sentimentos novos que vão surgir uma vez que você volte para a sua casa.
O sentimento de “inadequação” pode demorar para passar ou até mesmo não passar.
Então, a melhor coisa que você pode fazer não é rejeitá-lo, mas sim aprender mecanismos para viver com ele de maneira que ele não te atrapalhe no dia a dia.
Do mesmo jeito que você passou por um choque cultural ao sair do país, você precisa entender que também vai passar por isso ao retornar, afinal você mudou! Não se sinta mal, faz parte e a maioria das pessoas que voltam passam por isso. Esse é um sentimento de quem voltou que acaba sendo compartilhado por todos (ou pela maioria).
Você vai perceber que muitas coisas mudaram, inclusive a vida e rotina dos seus amigos. Então, não fique apegado somente as coisas que vocês faziam no passado, busque sair e conhecer novas pessoas.
Tente aprender um novo esporte, ou um novo instrumento. Criando uma nova rotina e uma nova rede de apoio, você vai ver como a sua readaptação vai ser muito mais fluida. Afinal, você estará focando em se desenvolver como pessoa no presente, sem ficar só olhando para o passado ou se sentindo ansioso pelo futuro que é incerto para todos nós.
Então é isso, eu morei fora e voltei pro Brasil, o sentimento de quem voltou pode ser igual ou diferente do meu. Porém, espero que a minha experiência e que este artigo tenham te ajudado a se preparar mentalmente para sua volta e te dado um pouco de conforto, caso você já esteja de volta.
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