O impulso de sair do Brasil surge por diversas motivações. Mas, surpreendentemente, grande parte de quem deseja morar fora do país apoia-se em fatores externos ou exemplos de outras experiências de morar em outro país na hora da decisão. Saiba por que morar no exterior não é para todo mundo. E evite frustrações.
Morar no exterior não é para todo mundo: a razão
Conheça a ti mesmo. A frase é de Sócrates, o filósofo grego mestre de Platão. Mas ela nem precisava vir de um autor tão célebre: caso escrita na traseira de um caminhão, teria a mesma profundidade. Desde que moro fora do Brasil, é comum me fazerem a clássica pergunta “como faço para morar fora?”. Costumo devolver com outra questão: “qual é a sua motivação para se mudar do Brasil?”.
A maioria usa apresenta uma lista. Entre as motivações, eis as mais ouvidas:
- fugir da violência;
- não aguento mais o governo;
- o Brasil é uma bagunça:
- no Brasil tem corrupção;
- quero morar num lugar mais civilizado (sic);
- o brasileiro é mal educado;
- o Brasil não tem jeito;
- conheci um(a) estrangeiro(a) e me apaixonei;
- quero um futuro melhor para os meus filhos.
E por aí vai…
Poucas vezes – ou quase nunca – ouço alguém dar um motivo de fato pessoal e intransferível. As razões costumam estar ligadas a fatores externos e esta é a razão principal de por que morar no exterior não e para todo mundo. É claro: crises econômicas, guerras, instabilidade política ou direitos civis cerceados por ditaduras sempre movem pessoas ao êxodo ao redor do mundo.
Mas aqui estamos considerando apenas quem não passa por nenhuma situação crítica extrema. Falo de quem toma a decisão por conta própria – ou de comum acordo com a família. Então, morar no exterior é para quem sabe como se comporta em situações de mudança. E quem não se deu conta disso, por favor, volte cinco casas.
5 perguntas antes de se mudar
Mas como saber se morar no exterior é para você? No caso de mudança por vontade, a primeira dica para quem pensa em viver longe do Brasil é desenhar a sua jornada do imigrante. A ideia é fazer uma espécie de diário pessoal, que pode iniciar com respostas para as 5 questões seguintes:
1. Por que se mudar?
Qualquer razão para uma mudança que não seja uma predisposição para transformar completamente a vida atual deve ser considerada como secundária. Porque o motivo pode ser um, mas nada será como antes. Isso é certo. É a boa notícia é: pode ser muito melhor.
2. Para onde se mudar?
Questione-se sobre qual é a sua afinidade com o país almejado. Desde traços culturais, como comida e estilo de vida, passando por política de imigração. E, claro, a língua pode ser um fator extremamente desmotivador para quem começa uma nova vida longe do Brasil. Então, ir para um país onde se fale um idioma conhecido ao menos em nível intermediário ajuda muito.
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3. Quando se mudar?
Claro que tudo isso vai depender de uma série de questões. Período de ano letivo, quando se vai estudar, pode ser um parâmetro. Mas até a estação do ano pode ser um fator decisório. Sair de um país tropical para enfrentar direto um inverno no hemisfério norte, por exemplo, pode dificultar a adaptação.
4. Como se mudar?
Aqui precisam ser avaliadas as condições pessoais. Tudo vai depender de quanto se tem de dinheiro, de quanto tempo se pretende ficar, se quer ir em caráter temporário ou definitivo. E aí vale pedir ajuda.
Deixar um amigo ou alguém da família com procuração, ver se consegue guardar objetos na casa dos pais, irmãos etc., ver se vale a pena alugar a casa ou deixá-la sob cuidados de alguém de confiança. Tentar organizar o máximo possível o que fica para trás ajuda a enfrentar as novidades a serem encaradas na nova vida.
5. O que penso fazer no outro país?
Esse aspecto é super importante. Pesquise muito, ouça histórias e elabore um roteiro de possibilidades. Tente também entender as leis do país em relação ao trabalho de estrangeiros. Caso tenha uma profissão regulamentada, procure saber se vai ser preciso validar o diploma no país onde pretende morar.
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Comparar o novo país com o Brasil
Parece desnecessário dizer, mas muitas vezes é no óbvio que a tal jornada do imigrante desanda. Por exemplo, todo mundo parece saber que morar fora não é turismo. No entanto, há quem se ressinta aos primeiros obstáculos e aí entra num processo delirante de endeusar o Brasil.
Já vi muitos comportamentos assim de brasileiros morando fora. Reconheço ser inevitável fazer comparações, afinal, não podemos simplesmente apagar nossas referências da mesma forma que damos backspace no teclado. Mas este comportamento só reforça a ideia de que morar no exterior não é para todo mundo.
Mas eu acredito que nada precisa ser fatalista. Uma pessoa apegada ao país pode começar por se livrar do hábito de ver a vida pelo retrovisor. Por que, uma vez em terra estrangeira, é recomendado fincar os dois pés no país escolhido. Porque esse negócio de um pé lá e o outro cá só serve para distender o músculo da virilha emocional.
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Morar fora é como casar
Quando decidimos mudar de país é parecido com quando decidimos engatar num relacionamento amoroso. Trata-se de uma decisão na qual a gente se engaja cheio de expectativas, não tem muito jeito.
Porém, quando o assunto é relacionamento com um ser humano, a gente tem consciência – ou ao menos seria bom ter – de que a vida a dois está longe de ser um paraíso. No caso de quem embarca para outras paragens a fim de fincar bandeira, não deveria ser diferente.
A boa notícia é: assim como existe divórcio, existe a possibilidade de voltar ou ir para outro lugar. Não deu certo, não gostou, a carga emocional de morar fora do país foi mais dura do que o esperado? Não se condene. Acredite: voltar é muitas vezes mais corajoso que partir.
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Quem teve mãe, certamente já ouviu “você não é todo mundo”, quando tentava convencê-la a deixá-lo fazer algo usando o argumento “mas todo mundo faz”. Então, já adianto em spoiler o porquê de morar fora não ser para todo mundo: pelo simples fato de que ninguém é todo mundo.
Mas por que, raios, tantas pessoas se dão tão bem e outras têm tanta dificuldade de adaptação quando decidem morar no exterior? Depende muito do que você considera “se dar bem”. Vou contar um segredinho: não julgue pelas aparências. Nem sempre a realidade corresponde à verdade.
Não julgue sobretudo a felicidade de alguém pelos retratos nas redes sociais. Porque elas são o palco iluminado do outro. E a gente não deve julgar os nossos bastidores, muitas vezes tão desarrumados, pelos palcos alheios.
Não desencorajo ninguém a ouvir as experiências de quem já vive ou viveu fora. Apenas sugiro fazer um filtro. Meu pai costumava dizer: ao escutar um conselho, guarde-o na gaveta. Ele poderá ser útil em algum momento, ou você vai jogá-lo fora por falta de uso.
Juntar-me ou não aos brasileiros no exterior?
Outro mito muito interessante daquilo que chamo da “jornada do imigrante” é a máxima de que quem mora fora tem que se conectar à comunidade local e evitar brasileiros. Nossa, como escutei coisas do tipo “afaste-se dos brasileiros e faça amizades com os franceses”. Só esqueceram de me entregar o manual…
Porque, vamos combinar, esse conselho é carregado de preconceito e, acredite, bem desalinhado da realidade. Basta um minuto de reflexão para constatar isso. Pergunte-se: como as amizades nascem? Olhe ao seu redor e analise: quem são seus amigos hoje? Como eles surgiram na sua vida? Quais elos permitiram a continuidade de suas relações?
Aviso sem medo de errar que não há nenhuma diferença. Portanto, as suas conexões com as pessoas locais serão como em qualquer lugar do planeta: vão acontecer baseadas em afinidades e convivência. E refletirão a vida que você vai levar.
Quando ouço conselhos do tipo “cuidado para não se limitar à comunidade brasileira no exterior” a garganta arranha para não soltar em alto e bom som: ignore! Primeiro por uma razão muito simples: brasileiros estão em todo lugar. Já os encontrei, sem mentira, até em um tour num deserto do Rajastão.
Depois, considero o cúmulo da contradição alguém com ideia de se tornar imigrante já chegar rejeitando justamente… os imigrantes. Veja bem: não estou dizendo para considerar todo brasileiro como um amigo em potencial. Longe disso. Mas daí ter “nojinho” do seu compatriota é um pouco demais.
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Passaporte não define caráter
Como boa carioca que sou, uso o verso de um samba enredo para tentar desanuviar qualquer tentativa de maniqueísmo: a mão que faz a bomba, faz o samba. Então, brasileiro, chinês, congolês, albanês e francês é tudo gente. Com tudo que há de sublime e de mesquinho incutido na condição humana.
De minha experiência, posso dizer que fui aberta a todos. E isso me trouxe desde uma brasileira mau caráter que puxou meu tapete em uma empresa, até brasileiros que me estenderam a mão com, por exemplo, meu primeiro emprego de “carteira assinada” na França.
É só vida, amigos e amigas. Não há escudo protetor 100% eficaz contra decepções na convivência com humanos. A não ser que o sonho de morar fora seja viver numa montanha inabitada e virar ermitão. O lado positivo é que há gente fina, elegante e sincera de toda nacionalidade. E caráter não tem passaporte.
A bagagem que nunca extravia
Ao morar fora descobrimos duas coisas básicas: o Brasil não é tão ruim quanto imaginávamos e o mundo aqui fora não é tão carinhoso quanto esperávamos. Sendo assim, morar no exterior pode ser uma roubada para quem espera muito do que vem de fora.
Afinal, a viagem mais importante antes de arrumar malas e mochila será sempre para dentro de nós mesmos.
Parece filosofia de botequim? Sem problemas. Sócrates certamente devia tomar uns vinhos com os amigos enquanto refletia sobre ideias geniais, tais como aquela sobre o autoconhecimento, com a qual abri esta coluna.
Carregue a frase junto com seu passaporte e lembra dela sempre. Pois se existe uma certeza na decisão de mudarmos de país é a de que trazemos nós mesmos na bagagem. E essa, meus amores, é muito difícil de ser extraviada…
A experiência de cada brasileiro no exterior é única, por isso, reunimos no livro O sonho de viver na Europa várias histórias de quem decidiu recomeçar no Velho Continente. Assim, você entende melhor porque morar no exterior não é para todo mundo.