É verdade, a Itália é o país do macarrão. Quase sempre, quando pensamos na culinária italiana, nos vêm à cabeça pratos como lasanha, carbonara, nhoque. Não é para menos, existem cerca de 300 tipos de macarrão no país da bota, variando de acordo com a região e a origem dos ingredientes, a tradição culinária, se fresca ou seca, recheada, longa, curta, ao forno, frio como salada…

Se por um lado a variedade de massa não é um elemento cultural indiferente, por outro não podemos ignorar outro alimento, o pão na Itália.

O consumo em números

Mas o pão na Itália não fica atrás do macarrão. Em termos de tipologia de pão, existem cerca de 250 tipos de pão na culinária italiana.

Cada uma das 20 regiões italianas produz um pão diferente: com sal ou sem sal, com fermentação ou não, alto, baixo, crocante, macio, com azeite de oliva ou sem, e assim vai… Podemos dizer que uma vantagem de morar na Itália é poder experimentar todos esses pães, além de conseguir observar de perto a ligação dos italianos com o pão.

Já em relação ao consumo, estima-se que um italiano consuma cerca de 40 kg de pão na Itália por ano, quase o dobro do consumo de macarrão, que estaria por volta de 20 kg/ano. Esse número confirma, portanto, a onipresença do pão nas mesas dos italianos.

Pão de Altamura
Pane di Altamura, candidato a Patrimônio cultural imaterial da UNESCO

“Companatico”, o pão na Itália fica no meio

Uma das minhas palavras favoritas em italiano é “companatico”. Já aconteceu várias vezes de eu ter que preparar textos ou livros traduzidos para o português e ter de achar uma solução adequada, em que o público final (brasileiro) perca pouco com a tradução.

Não é para menos. Em primeiro lugar, não existe uma correspondência exata em língua portuguesa. Esse termo, que entrou na “língua italiana” somente no século XVI, vem do latim e é composta por “pane” e a preposição “con”. Ou seja, aquilo que acompanha o pão.

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Mas calma, não seria o pão o grande acompanhamento das refeições? É verdade, em muitos casos, quando comemos frios ou molhinhos (como húmus ou a “sardella” ítalo-brasileira), até mesmo azeite e manteiga, o pão é fundamental. Mas e quando falamos de refeições principais?

Por mais que ideia de “companatico” seja parecida com a “mistura” (em algumas regiões do Brasil), ela não é precisa.

Normalmente, ela se refere ao acompanhamento do nosso arroz com feijão. Diferentemente do “companatico”, a “mistura” pode ser até mesmo uma carne, enquanto na Itália tudo aquilo que é proteína é considerado “secondo piatto”. O “primo piatto” é composto de carboidratos (macarrão!).

Importante elemento antropológico e social

O pão é presente na tradição cristã (católica, judaica, protestante, evangélica…). Basta pensar na missa católica (hóstia), no Padre-Nosso, ou até mesmo quando Jesus decide dividir o pão.

Também na tradição culinária itálica (relativo à península e não ao país), essa presença vem de tempos remotos. O trigo é um ingrediente presente nas culturas mediterrâneas, balcânicas e, claro, no Oriente Médio.

Lembram-se quando, nas aulas de História, estudávamos o Crescente Fértil? Países como Palestina, Israel e Líbano, entre outros, são, desde a Antiguidade, grandes consumidores de trigo.

O cultivo deste importantíssimo cereal nasce 10 mil anos atrás, quando a caça já não se fazia necessária, dando início, assim, ao processo de cultivação e, claro, à agricultura. Entre os séculos 7300-6500 a.C., por fim, o trigo chega à Itália, e séculos mais tarde, descobre-se o processo de fermentação (o pão ázimo, por exemplo, não leva fermento).

Escavações arqueológicas em Pompeia encontraram formas, na casa de uma família, de pão redondo carbonizados pelo magma. Estamos falando da erupção do vulcão Vesúvio ocorrida em 79 d.C.

Pão artesanal
Pão artesanal italiano (muito provavelmente pan toscano)

O pão tem também um grande impacto na sociedade italiana. Por muitos séculos, era responsabilidade da mulher preparar o pão. Portanto, existiam fornos comunitários que permitiam o cozimento do pão em companhia de outras mulheres, virando assim uma prática social, ligada antropologicamente à preparação de um alimento.

A identidade italiana passa pelo pão

Tido hoje como grande vilão das dietas, muitos italianos deixaram de comer o pão “clássico”, como conhecemos, e passaram a substituí-lo com biscoitos de arroz ou de milho. Note como esse produto não entrou na alimentação dos italianos somente como um lanchinho saudável, mas sim um substituto do pão também no almoço e na janta, confirmando a centralidade do pão na culinária italiana.

As últimas pesquisas mostram que houve uma queda no consumo de pão. Se durante a unificação italiana (1861) se consumia 1 kg de pão por dia, por pessoa, hoje essa quantidade foi reduzida para 250 g por dia, por pessoa.

Mesmo com o passar dos séculos e com novos modos e concepção de compreender o alimento e a alimentação, o pão ainda hoje é protagonista nas mesas dos italianos. Muitos jovens estão se aproximando da fermentação, principalmente a natural. É a prova de que o pão vai além da alimentação, é também identitário.

E em épocas de guerra ou de grande escassez alimentícia, as refeições eram feitas com sopa e muito, muito, muito pão.

Pão e macarrão, quem vence?

O macarrão também tem origens muito remotas. Segundo alguns pesquisadores, o macarrão fazia parte da alimentação dos Etruscos (povo que ocupava os territórios da Toscana e da Úmbria) e da Magna Grécia (hoje Sicília e Calábria).

A grande revolução, porém, aparece somente na Idade Média com o advento da “secagem” do macarrão, quando a massa feita com ovos, água e farinha de trigo pôde ser conservada por períodos mais longos. A sua popularização ocorreu séculos mais tarde, quando Marco Polo trouxe o macarrão chinês para o continente europeu.

Em relação à preparação, conhecemos os instrumentos para fazer macarrão, como o rolo de macarrão e a máquina de macarrão, mas até os anos 1960 outro instrumento era muito presente nas casas dos italianos: a “madia” um tipo de móvel que conservava o pão (mas também a farinha, o fermento, etc.).

Efetivamente, a palavra “madia” teria origem na palavra latina “magida”, adaptação do grego que significava sovar, amassar a massa. Algumas “madie” tinham também um espaço destinado à produção do pão em casa. Hoje é quase impossível encontrar um móvel como a “madia” nas casas italianas.

Além disso, é importante lembrar que o pão na Itália pode aparecer na mesa quando se come macarrão, carne, e também sanduíches e antepastos.

Pizza, focaccia, piadina: para todos os gostos

Você consideraria a pizza uma forma de pão?

Bom, na cultura italiana, pizza napolitana, focaccia de Gênova e piadina (típica de Rimini, localizada na Romanha, parte sul da Emília-Romanha) são considerados formas de pães baixos.

Outro pão interessante é o carasau, típico da Sardenha, e fácil de encontrar nas pizzarias de São Paulo. É um pão simples, o qual não tem necessidade de fermento.

Pão sem sal, uma briga histórica

Nas regiões da Toscana e da Úmbria (região onde atualmente moro), o pão é feito sem sal. Os motivos seriam vários, e o mais conhecido pelos próprios habitantes tem origens medievais.

Bem no início do Renascimento, porém, os Estados Papais e o território de Perugia que, tecnicamente, era governado pelo Papa, e se revolta após Roma impor um imposto sobre o sal. Na Toscana existe uma história parecida, mas naquele caso, tratar-se-ia de uma briga histórica entre duas importantes cidades italianas, Florença e Pisa.

Focaccia barese
Focaccia típica de Bari

Por outro lado, essas duas regiões também são conhecidas pelos embutidos muito salgados e queijos de maturação muito longa, de sabor mais forte.

Nesses casos, o pão sem sal (“pane sciapo” ou também “pane sciocco”, “pão bobo”) é o preferido pelos habitantes do centro da Itália. A ciabatta, muito famosa no Brasil, é um pão do Vêneto cuja origem é muito “recente” (teria sido inventado nos anos 1980).

Na Úmbria também existe um pão muito particular, ligado às tradições camponesas: pan caciato ou pan nociato. “Cacio” (“queijo”, presente em alguns dialetos da Itália central) e “nociato” vem de “noci” (nozes). Você só consegue encontrar esse pão no outono, já que as nozes são frutas daquela estação e uva-passa, já que a colheita de uva é feita também naquele período.

Uma tradição muito antiga, já que “non si butta via niente” (não se joga nada fora)”!

Pão na Itália, de norte a sul

Na Calábria existe a pitta calabrese, um pão em forma de rosca típica da Calábria, e reproduz o termo grego e árabe “pita”. Lembra daqueles “bastões” torrados com queijo? Se chamam grissini, são típicos de Turim e também são considerados “pão”! No extremo norte da Itália, você poderá experimentar um pão típico do Vale de Aosta: pão de centeio e frutas secas.

Já o pão de forma também é uma invenção com origem em Turim (“pan bauletto” ou “pancarrè”), dando origem à outro sanduíche muito conhecido no mundo todo, o “tramezzino”.

Coppia ferrarese
Coppia ferrarese, pão típico de Ferrara (norte da Itália)

Na cidade de Ferrara, próximo à Bolonha, existe um curioso pão chamado de “coppia ferrarese” (“casal de Ferrara”), por parecer um casal que se abraça.

Esses são apenas alguns exemplos da riqueza culinária no que diz respeito ao “pão” na Itália!

Quase um patrimônio cultural imaterial da humanidade

Na Puglia, no sul da Itália, você pode comprar um pão que está na lista de patrimônios culturais imateriais da UNESCO: estamos falando do pane di Altamura, produzido na cidade de Altamura, perto de Bari, seguindo uma tradição milenária em que prevê, na receita, somente produtos locais, como o trigo cultivado e colhido exclusivamente na subregião da Murgia, entre a Puglia e a Basilicata.

Fare la scarpetta

Sabe quando você come aquele suculento prato de macarrão e sobra um pouquinho de molho de tomate no prato? É a hora de “fare la scarpetta”, ou seja, “limpar” o prato com um pedacinho de pão. Niente male, eh?

Fatia de pão com… açúcar?

Muitos italianos contam que o lanche da tarde típico de sua infância era pão com açúcar! Exatamente! Alguns contaram que a nonna acrescentava um pouco de vinho, outros de azeite de oliva (estritamente extra-virgem!).

Em poucas palavras, o pão dos italianos poderia ser comparado com o arroz na comida brasileira. Até arroz-doce fazemos, não é verdade?

E o “pão italiano”?

Como acontece normalmente nos processos imigratórios, as pessoas que abandonam o seu país de origem levam consigo recordações de gostos e sabores únicos.

Quando um imigrante tenta reproduzir alguma receita, nem sempre consegue achar os ingredientes exatos. Isso aconteceu com o famoso “pão italiano”, aquele pãozinho redondo e levemente crocante.

Em italiano não tem um nome preciso, é conhecido como “pane tondo” ou “pane rotondo” (redondo) ou, senão, “pane all’olio”, porque é feito com água, farinha, sal, fermento e azeite de oliva.

Por outro lado, na Itália também não existe o nosso querido “pão francês” (calma, pessoal, sou de São Paulo!). Há um pãozinho bem parecido, porém não há um nome específico. Você poderá encontrá-lo como “panino all’olio”.

E você, já tinha parado para pensar na quantidade de pão que existe na Itália? Se sim, qual é o seu favorito?