Afinal, nós, os brasileiros, somos bem recebidos em Portugal? A pergunta não é tão simples de ser respondida, porque muitas vezes o conceito de acolhimento pode ser relativo e as expectativas de cada família ou cidadão que chega numa nova comunidade também podem ser bastante distintas.

Mas é inegável que há um número crescente de denúncias de comportamentos preconceituosos em relação aos brasileiros, mesmo que, felizmente, as gentilezas ainda superem a rispidez e agressividade de vários casos.

Comunidade brasileira não para de crescer

Hoje já somos mais de 400 mil brasileiros legalizados no país. Se somarmos os que estão ainda em processo de legalização, os que possuem dupla cidadania ou os que estão efetivamente em situação irregular, esse número pode dobrar. Ou seja, já há estimativas de que os brasileiros representam algo como 8% da população portuguesa.

Com tantos “zucas” espalhados pelo país, há mesmo gente que se incomoda e questiona se os imigrantes (especialmente a comunidade mais onipresente de brasileiros) não são os responsáveis pelos males do país, dos problemas de violência, de desemprego e por aí vai.

Denúncias de discriminação têm aumentado todos os anos

Dados do Relatório Anual 2022 da Igualdade e Discriminação Em Razão da Origem Racial e Étnica, Cor, Nacionalidade, Ascendência e Território de Origem, produzido pela CICDR (Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial), apontam que, em 2022, a instituição recebeu cerca de 500 queixas e denúncias. O número é número 20% superior ao do ano anterior.

A maioria das denúncias estava relacionada com três grandes categorias: nacionalidade (51,7%), cor da pele (15,3%) e origem racial e étnica (5,5%). No primeiro caso, a nacionalidade brasileira lidera as queixas e representou mais de 34% das denúncias, à frente da cor da pele negra (15%) e da etnia cigana (5%).

Gráfico aponta discriminação em Portugal
O gráfico publicado no relatório mostra os fatores de discriminação em Portugal. Fonte: CICDR

A análise dos casos brasileiros aponta que a denúncia foi feita principalmente pela própria vítima (75%), normalmente do gênero feminino (49,4%) e sobretudo nos distritos de Lisboa (28%) e do Porto (20,2%).

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A maioria dos casos de discriminação se deu no contexto do comércio (15,5%), em conflitos com a vizinhança (12%) ou no ambiente de trabalho (10,7%).

Do total de queixas e denúncias recebidas pela CICDR, mais de 46% delas foram encaminhadas para entidades como o Ministério Público e a Autoridade para as Condições do Trabalho.

Desde que a lei n.º 93/2017 (que estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate a qualquer forma de discriminação em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem) entrou em vigor, a comissão já recebeu mais de 2 mil denúncias.

Mulheres sofrem mais com a discriminação em Portugal

Outro levantamento recente, produzido pela Casa do Brasil de Lisboa (CBL), associação de imigrantes sem fins lucrativos e a mais antiga e representativa da comunidade brasileira em Portugal, mostra que xenofobia e discriminação são piores contra as mulheres.

O relatório “Discurso de Ódio e Imigração em Portugal”, do projeto #MigraMyths — Desmistificando a Imigração, feito a partir de um inquérito qualitativo com mais de 120 pessoas, traz dados que confirmam o aumento da xenofobia em Portugal.

Os pesquisadores ouviram a percepção de imigrantes de diversos países, mas com predominância de brasileiros (66%) e mulheres (73%). Segundo o relatório, a internet (32,4%), via redes sociais, é o meio em que as pessoas mais percebem o discurso de ódio sobre a imigração e os imigrantes em Portugal, seguida pelo serviço público (20,9%).

Mais de 75% dos entrevistados disseram já ter sofrido algum tipo de discurso de ódio baseado em preconceitos e estereótipo sobre a imigração ou por ser imigrante. Quando os índices de respostas positivas em relação à discriminação e preconceito são separados por gênero, os piores resultados estão relacionados com as mulheres:

Sim, sexo feminino 58,2%
Sim, sexo masculino 15,6%
Não, sexo feminino 15,6%
Não, sexo masculino 9%
Sim, não identificado 1,6%

Fonte: #MigraMyths – Desmistificando a imigração Casa do Brasil de Lisboa 2021.

A xenofobia foi o principal discurso de ódio mencionado pelas pessoas (73,7%), seguido pelo ódio racial em simultâneo com a xenofobia (9,5%) e apenas ódio racial (6,3%).

Outro dado bastante perverso do relatório está relacionado ao número de pessoas que preferiram não denunciar os abusos (86%) às autoridades por não acreditarem na justiça. Isso significa, entre outras coisas, que os números da CICDR, por exemplo, podem estar mesmo subestimados.

Casos recentes confirmam o problema

Uma série de casos, tal como o da brasileira ofendida no aeroporto por uma cidadã portuguesa ou de estudantes de Coimbra que fizeram a “brincadeira” de oferecer pedras para serem arremessadas contra estudantes brasileiros de mestrado em Portugal, têm ocupado as páginas dos jornais e alguns debates na imprensa e em outros setores importantes da sociedade portuguesa, felizmente.

O jornal alemão DW, por exemplo, fez uma grande reportagem e publicou um vídeo abordando o assunto, trazendo alguns debates importantes e ajudando a dar o destaque necessário para esta realidade.

Uma das vozes importantes neste cenário é a da pesquisadora Thais França, do Instituto Universitário de Lisboa. De origem brasileira, ela deu uma série de entrevistas para a imprensa portuguesa abordando o tema da xenofobia, tópico que está no centro dos seus estudos, e dos movimentos anti-imigrantes que começam a crescer em Portugal.

“Há uma organização muito maior, muito mais forte, há muitos mais grupos aparecendo e cada vez mais organizados, com agendas mais claras, ocupando cada vez mais espaço, não só de movimentos sociais, mas também dentro da política partidária”

A pesquisadora também ressaltou que os movimentos anti-imigração em Portugal “não têm tanta visibilidade quanto têm noutros contextos”. Esses grupos, explica a acadêmica, defendem um “controle maior da entrada” de migrantes e criticam as políticas de “diversidade cultural nas escolas”.

Segundo ela, muito do que está em jogo, na visão dos mais extremistas:

É o […] “risco de haver uma perda da identidade portuguesa, à medida que mais imigrantes vêm e que Portugal começa a adotar outros costumes culturais que não seriam os tradicionais”.

Pesquisadora não acredita em sentimento generalizado

Episódios como a agressão verbal no aeroporto contra uma brasileira “tem crescido cada vez mais, mas isso não representa uma mudança estrutural, porque as mobilizações anti-imigração não se igualam necessariamente a episódios isolados”, pondera Thais.

Segundo ela, o sentimento não representa a experiência de todos os brasileiros em Portugal, mas admite que os casos têm aumentado.

“Portugal tem o mérito de que as políticas portuguesas são muito boas em matéria de integração dos imigrantes e em matéria de concessão da nacionalidade, mas essas leis não conseguem ter o impacto que era esperado, porque ainda há a negação de que [o racismo ou a xenofobia] é um problema em Portugal”, lamentou a pesquisadora na sua fala para o Diário de Notícias.

Sociedade civil se organiza e se manifesta a favor dos imigrantes

Ao longo dos anos, grupos da sociedade civil têm se manifestado incisivamente contra o racismo e a xenofobia em Portugal. Ainda que o foco não seja exclusivamente voltado para a comunidade brasileira, o apoio ao debate tem sido uma arma importante para estimular a tomada de ação por parte das autoridades.

Em meados deste ano, centenas de manifestantes (a maioria portugueses) se reuniram nas ruas de Lisboa para protestar contra o racismo e a xenofobia. Associações como a Frente Anti-Racista e a Vida Justa, ao lado de representantes de partidos políticos e de ativistas, deixaram claro as suas reivindicações gritando palavras de ordem como “contra a discriminação, cumprir a Constituição”, “racismo em Portugal, vergonha nacional”, “contra a discriminação paz, pão e habitação” ou “por saúde de qualidade, tratemos todos com igualdade”.

Também nas redes sociais (um dos ambientes onde o discurso de ódio mais se propaga) entidades e grupos se organizam para fazer frente à violência contra imigrantes e outras minorias. É o caso de perfis como o Ódio Não, além de portais de associações como o SOS Racismo, Internet Segura e outros.

Apesar das defesas aos imigrantes, há muitas críticas políticas

Um estudo recente da Lisbon Public Law, divulgado no final de novembro, reforça alguns pontos já identificados em outras pesquisas, mas aponta a comunidade brasileira como a mais integrada na sociedade portuguesa.

Segundo os mil entrevistados pelo inquérito “Opinião pública sobre Imigração em Portugal”, a comunidade brasileira é bem integrada (72,2%), chegando a superar a das outras nacionalidades europeias (41,2%), a dos que outros países da comunidade PALOP (32,4%) e da comunidade chinesa (23,1%).

Os dados do relatório mostram que mais de 80% dos entrevistados concordam com a regularização dos imigrantes que trabalham e descontam para a segurança social e 63% deles afirmam que os imigrantes devem ter acesso total ao SNS, o Serviço Nacional de Saúde.

Por outro lado, apenas pouco mais de 10% entende que a imigração está controlada e mais da metade (55,2%) mostrou o que o descontrole é motivo de grande preocupação.

Pessoas curtindo o dia ensolarado em Lisboa
Xenofobia é crime e vem sendo denunciada até mesmo pela população portuguesa.

Em declaração para a imprensa, os autores do estudo afirmam que:

“[…] de uma forma geral, as respostas da população portuguesa traduzem uma atitude positiva face à entrada, permanência e acesso a direitos sociais por parte dos imigrantes no território nacional. A população vê vantagens na imigração, mas, por outro lado, tem uma forte crítica às políticas públicas que estão a ser feitas e que são quase inexistentes”.

Ainda segundo o estudo, pouco mais de dois terços dos portugueses consideram “importante Portugal receber imigrantes de dentro e fora da Europa” (68,7%), defendem uma “sociedade multicultural” (67,3%), consideram a “maior disponibilidade de mão-de-obra” (64,2%) como uma vantagem.

“Os portugueses são receptivos à imigração, são um povo de acolhimento, mas é um povo atento e quer uma imigração regulada”, explicou uma das coordenadoras do estudo. “Não temos sequer qualquer tipo de xenofobia, queremos imigração de dentro e fora da Europa”, afirmou, com base nas respostas do estudo.

Desafios na moradia para brasileiros vão além da pouca oferta

Apesar de as pesquisas mostrarem a abertura dos portugueses, muitos brasileiros seguem apontando a dificuldade na hora de alugar um imóvel, muitas vezes pelo simples fato de serem imigrantes.

Mas sempre vale reforçar que a dificuldade tem sido crescente mesmo para os portugueses, devido à pouca oferta e aos valores cada vez mais altos. O problema para os imigrantes, em especial os brasileiros, é que a dificuldade vai além dos valores altos.

“Entrou uma casa para aluguel esta semana, mas a proprietária já chegou com uma indicação: não aluga para sul-americanos…Mesmo quando a recomendação não tão explícita, o nível de exigências acaba realmente afastando parte dos imigrantes”, comentou uma das consultoras imobiliárias ouvidas pela reportagem da dificuldade com os aluguéis.

Imigrantes movimentam a economia e batem recordes

Apesar da queixa de parte da população, não há como negar o papel cada vez mais relevante dos imigrantes no avanço da economia portuguesa. E todas as pesquisas citadas nesta notícia acabam por comprovar essa realidade.

Em 2022, os imigrantes contribuíram com cerca de 1,5 bilhão de euros para a segurança social, por meio dos descontos dos salários ou recibos verdes emitidos. O número é 21% superior ao registrado em 2021.

Segundo os dados oficiais, são 630 mil trabalhadores imigrantes nesta situação de contribuinte para o governo português, equivalendo a cerca de 13% de todos os trabalhadores registrados na segurança social de Portugal. Em 2015, os imigrantes representavam apenas 3% deste total.

Saldo é positivo para Portugal

E um ponto extremamente importante está relacionado com o “saldo” das contribuições, ou seja, quanto que o trabalhador estrangeiro injeta de dinheiro na segurança social em comparação com o que ele utiliza de benefícios, como subsídios, verbas de apoio, etc. Em 2021, o balanço foi positivo para o Estado em quase 1 bilhão de euros, contra 350 milhões de euros em 2015.

“Os imigrantes são uma mais-valia para o sistema e que contribuem positivamente para a sustentabilidade da segurança social no país”, disse o vice-presidente do Instituto de Segurança Social.

A emigração portuguesa é um caso antigo e crescente

Apesar de o fluxo de brasileiros que vão morar em Portugal ter aumentado nos últimos anos, esse vai e vem entre os dois países não é uma novidade. Nem precisamos voltar aos anos 1500 para encontrar uma grande leva de portugueses, principalmente em meados do século XX, em direção ao país tropical.

Lá, fixaram residência, criaram famílias, contribuíram para a economia, assim como os brasileiros fazem agora em Portugal. Saíram em busca de melhores condições de vida, para escapar de momentos políticos mais duros, para conseguir achar oportunidades de crescimento que, naquela ocasião, pareciam não vislumbrar em Portugal.

E o processo era exatamente o mesmo: ia alguém, depois chegava outro familiar, outro amigo, e a comunidade crescia, felizmente. Difícil achar um português que não declare ter um parente, mesmo que distante, vivendo no Brasil.

Número de portugueses no Brasil também cresceu

Dados mais recentes do Relatório das Emigrações 2021 da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas mostram que em 2021 entraram 461 portugueses no Brasil, representando um crescimento de 5% em relação ao ano anterior, dos quais pouco mais de 13% foram mulheres. Vale notar que a população portuguesa é cerca de 20 vezes menor do que a brasileira, portanto os números absolutos nem sempre parecem tão grandes.

Ainda conforme o relatório, o valor recente mais alto foi no ano de 2013, com quase 3 mil entradas de portugueses no Brasil, o que representava, na época, quase 5% dos migrantes no Brasil. Em 2021, Portugal aparecia quase ao final da lista dos 20 países cujos cidadãos mais migraram para o Brasil.

Portugueses migram para outros países

Mas se o Brasil vive um momento de menos relevância para os fluxos migratórios portugueses, outros países ganharam destaque. Estima-se que cerca de 60 mil portugueses migraram em 2021, mais 15 mil do que no ano anterior. Apesar do salto de um ano para o outro, os números de 2021 são muito mais baixos do que já foram no passado. Em 2013, por exemplo, o número de portugueses emigrantes era o dobro de 2021.

Os países europeus são, atualmente, os principais destinos da emigração portuguesa. O Reino Unido é o preferido, seguido por Espanha, Suíça, França e Alemanha, todos os cinco recebendo mais de 5 mil portugueses por ano.

Dados consolidados mais recentes (2019) apontam haver cerca de 2,6 milhões de portugueses emigrados. Naquele ano, o número representava cerca de 25% da população total do país. Em outras palavras, era como se tivesse mais um quarto de Portugal espalhado por outros países, todos vivendo como imigrantes, ainda que legalmente estabelecidos.