Começar a organizar uma mudança de país é um movimento gigante, que envolve muito planejamento. A prioridade é sempre organizar a vida financeira e pesquisar o destino mais adequado para o seu perfil. Mas, nesse processo, um aspecto muito importante pode acabar sendo deixado de lado: o emocional.

Despende-se muita energia para planejar uma mudança dessa dimensão, afinal, não estamos falando de uma mudança de casa ou bairro, mas de continente. Um erro muito comum é focar apenas nas questões práticas e esquecer das psicológicas mas, no fim das contas, as duas são igualmente essenciais.

Medo x Cautela

Eu adiei meu sonho de morar na Europa durante anos por medo de não ter estrutura psicológica para segurar a barra de enfrentar todos os desafios culturais, climáticos e as barreiras do idioma sem ter uma rede de apoio para recorrer nos momentos de crise.

Hoje, depois de quase dois anos morando na Itália, olhando em perspectiva, percebo que todo esse receio tinha fundamento, afinal. Ter tido cautela antes de dar esse passo foi uma atitude prudente. Os momentos de crise vieram e ter podido contar com a minha rede de apoio foi – e tem sido – essencial para a minha permanência aqui.

O medo anda de mãos dadas com a coragem

Antes de compartilhar a minha experiência pessoal, te convido a embarcar comigo num breve flashback, para te situar sobre como estava a minha vida quando eu estava prestes a virá-la do avesso. Bora?

Eu morava no Rio de Janeiro e trabalhava como roteirista na maior emissora do país. Tinha um emprego financeiramente estável, uma carreira para trilhar, mas tinha, também, uma saúde mental bastante debilitada, sobretudo por viver numa cidade violenta e trabalhar numa empresa que exige um ritmo de produtividade, digamos, acelerado dos funcionários.

Sempre que eu tirava férias, meu destino era a Europa. Eu vinha pra cá sozinha, de mochilão, atravessando de um país pro outro, maravilhada com a possibilidade de transitar livremente sem medo, ocupando o corpo de uma mulher.

Eu vivia flertando com a ideia de não voltar (sobretudo porque naquela época eu já possuía cidadania italiana), mas o dever sempre me chamava, e, com ele, o peso da rotina. Naquele período, eu atravessava os dias tomando ansiolíticos entre uma reunião e outra, sofria assédio moral e vivia com o choro entalado na garganta.

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Foi assim durante anos, até que, na enxurrada de demissões durante a pandemia, lá estava o meu nome. “Muito obrigada pelos serviços prestados e ‘arrivederci’”. Aquele misto de desespero e alívio.

E agora? Hora de colocar em prática aquele sonho antigo, certo? Errado.

Não era assim tão simples, afinal, àquela altura eu era uma mulher beirando os quarenta anos, desempregada, com uma série de transtornos psicológicos (acentuados pelos “serviços prestados”) para administrar.

E o medo de ter uma crise de ansiedade num país estranho e não saber a quem recorrer? Pior: não saber nem como explicar em outra língua o que eu estava sentindo?

Depressão não determina futuro

Ao mesmo tempo que o medo me paralisava, eu sempre tive uma natureza muito desbravadora, portanto, o desconhecido também me seduzia e desafiava. E, apesar de ter depressão, eu me recusava a aceitar a minha doença como uma sentença delimitante.

O que eu comecei a trabalhar na minha cabeça (com a ajuda da terapia) é que, por ter depressão e ansiedade, eu precisaria criar estratégias para me proteger e criar um ambiente seguro, onde eu pudesse recomeçar com a qualidade de vida que eu tanto almejava.

O processo de mudança: como preparar o psicológico

Quando eu entendi que o essencial era ter estrutura psicológica, não foi difícil escolher o destino. Eu precisava começar por um lugar onde eu tivesse uma rede de apoio.

Turim é uma cidade incrível para se viver, em diversos aspectos, mas não foi só isso que pesou na minha escolha, mas o fato de ter aqui um casal de amigos (o Felipe e o David) com quem eu sabia que eu podia contar.

Eu estava me mudando sozinha para um país desconhecido, cujo sistema de saúde eu ainda não sabia como funcionava, além disso, caso me sentisse mal em algum momento, precisava ter pessoas de confiança por perto para recorrer. Tudo isso fez uma diferença enorme para eu me encorajar a dar esse grande passo.

A importância de ter uma rede de apoio

Meu conselho é: mesmo se esse não for o seu caso (e tomara que não seja!), ainda que você nunca tenha tido crises de ansiedade ou apresentado qualquer tipo de quadro depressivo ou nenhum transtorno psicológico, é essencial começar a sua vida de imigrante num lugar onde você tenha uma rede de apoio.

Caso você não tenha uma, tudo bem, comece a formar. Existe uma comunidade imensa de brasileiros por esse mundão à fora, e expatriados geralmente se apoiam, tornando-se uma família muito unida.

Roberta encontrou bons cuidados de saúde mental na Itália
Felipe e David, amigos e rede de apoio em Turim. Foto: Roberta Simoni.

Ter tido os meus amigos por perto nos momentos difíceis foi decisivo no sucesso da minha jornada. Eles seguraram na minha mão quando eu tive medo e me lembraram da mulher corajosa que eu sou. Além disso, como eles haviam se mudado pra cá cerca de dois anos antes da minha chegada, já sabiam o caminho das pedras e puderam me orientar em diversas questões burocráticas que eu levaria bem mais tempo para descobrir sozinha.

Como funciona o sistema de saúde na Itália

Eu fui precavida e trouxe meus medicamentos para ficar coberta por seis meses. Trouxe também um atestado médico traduzido. Isso me deixou tranquila para pesquisar com calma e entender como funciona o sistema de saúde italiano que, por sinal, é muito bom.

Aqui, nós temos a ASL (Azienda Sanitaria Locale), que funciona mais ou menos como o SUS no Brasil. E é a partir de lá que somos direcionados para o nosso “Medico di Base”, que é determinado pela sua zona, ou seja, pelo seu bairro. E é ele quem te direciona para os especialistas que você necessitar consultar. Foi assim que cheguei na minha atual psiquiatra.

E é aqui que começa um capítulo muito bonito da minha história em terras italianas. Já prepara o lencinho!

Você sabia que a Itália é referência em saúde mental?

Pois é. Eu também não sabia. E foi uma surpresa agradabilíssima.

No dia que eu conheci a minha psiquiatra, a Dottoressa Francesca – que, pra começar, já me surpreendeu pelo fato de ter ficado comigo durante duas horas na consulta sem olhar no relógio, querendo entender detalhadamente todo o meu histórico médico – eu comecei a ser invadida por aquele sentimento maravilhoso chamado alívio.

Quando eu ficava ansiosa buscando a tradução de alguma palavra que eu não sabia em italiano, ela se esforçava para me entender, sempre mantendo o contato visual.

Falei da angústia de ter me mudado para outro continente sozinha sem saber se teria acesso ao mesmo tratamento que eu fazia no Brasil e do meu receio com os gastos que eu teria com os medicamentos em euro, já que no Brasil, eu gastava, em média, R$400 mensais.

Ela me escutou atentamente e, no final da consulta, me passou os seus contatos, e disse que a partir daquele momento eu teria uma referência médica na Itália e não me sentiria mais desamparada. Me explicou como funcionam casos como o meu aqui: eu não só conseguiria dar continuidade ao tratamento, como teria acesso a tudo gratuitamente (consultas, exames e medicamentos).

Quando um paciente tem uma doença crônica (como é o caso da depressão), todos os gastos do tratamento são cobertos pelo Estado pelo resto da sua vida.

É nessas horas que eu digo que alívio, às vezes, é melhor do que amor.

Tratamento humanizado é quase amor

Lembro que, por conta do covid, havia uma película de vidro separando o lado da médica dos pacientes. Mas eu encontrei uma brechinha por onde ela passava as receitas e, naquele momento, instintivamente, atravessei a minha mão por aquele espacinho enquanto ela assinava minha receita, peguei na sua mão, e com os olhos marejando, falei:

“o que você tá fazendo por mim tá mudando a minha vida. Eu preciso que você saiba disso, e quero muito te agradecer!”.

Francesca tentou argumentar que estava só cumprindo o seu dever como médica, mas, nós sabemos, ela estava fazendo muito mais. E foi por isso que eu insisti que estava realmente muito agradecida, porque aquele atendimento era o mais humanizado que eu já havia recebido. Foi quando ela apertou minha mão de volta e eu reparei que ela também estava com os olhos cheios de lágrimas.

Ficamos ali, por alguns segundos de mãos dadas, nos fitando com os olhos cheios d’água. Duas estranhas, conectadas. Sem falar nada, compreendendo perfeitamente a importância daquele momento.

Atendimento de saúde mental na Itália
Encontrar um atendimento médico tão humanizado fez toda a diferença e me trouxe muito alívio.

Eu tenho vivido experiências incríveis nesse país, conhecido lugares lindos e pessoas realmente maravilhosas, mas de tudo que eu vivi na Itália até hoje, esse foi um dos momentos mais marcantes e especiais pra mim.

Mais tarde, conversando sobre isso com a minha terapeuta, ela me explicou que a Itália é referência em saúde mental e que a Reforma Psiquiátrica Italiana, liderada por Franco Basaglia, é um modelo seguido no Brasil e no mundo todo.

Isso faz todo sentido, afinal. Eu sei que tive muita sorte de cair na mão de uma psiquiatra excepcional como a minha, mas, de um modo geral, pude observar que a saúde mental é tratada com muita responsabilidade aqui na Itália.

Também escrevi sobre como viver fora é como um casamento.

Atenção às emoções também é autocuidado

Conseguir um lugar legal pra morar, um bom emprego, estudar numa universidade bacana, ter as melhores condições possíveis para manter uma vida no exterior… tudo isso é sensacional, mas não dá pra ignorar o fato de que somos e sempre seremos estrangeiros (mesmo pra quem tem cidadania europeia – o que facilita, mas não resolve tudo).

Minha terra sempre vai ser o Brasil, minhas referências estão todas lá, minha família, um pedaço enorme do meu coração bate do lado de lá do oceano. Se eu não cuidar bem desse coração, ou seja, dessas emoções, a cabeça adoece.

E com a cabeça ruim, eu te garanto, nada funciona. Não há emprego que pague bem em euro, não há país de primeiro mundo, não há nada que faça essa experiência valer a pena.

Nesse curto período em que eu estou aqui, já vi algumas pessoas retornando porque o psicológico pifou. E é por isso que eu insisto: cuidar do emocional é fundamental.

Uma mudança desse tamanho envolve muitas expectativas, possíveis frustrações, é um processo longo de adaptação. É quase como passar por um luto, porque você se despede de uma versão sua para receber uma nova, embora sua essência continue intacta. O que significa que o seu emocional vai ficar sobrecarregado e precisará de muito carinho e cuidado.

Coragem na bagagem

Se você estiver preparando a sua mudança, independentemente do seu destino, eu espero, do fundo do meu coração, que esse texto te encontre na hora certa e acrescente coragem à sua bagagem.

Medo a gente vai ter sempre. Mente quem diz que não. Mas entender onde moram as nossas vulnerabilidades e descobrir as ferramentas para lidar com elas faz com que todo sonho seja viável e o processo seja bem mais suave.

O imigrante é um eterno estrangeiro: veja meu relato sobre essa relação.