Eu vim para a Espanha com um visto de estudos de longa duração. Mas qualquer visto, uma hora, sempre acaba. E eu já sabia que ia querer seguir morando aqui após o vencimento do visto. Só que não é assim tão simples. A burocracia é grande. A boa notícia é que sim, é possível. Mas afinal, o que fazer após o vencimento do visto?

Neste texto eu te conto os procedimentos que tentei para ficar legalmente por aqui e histórias de amigos que ficaram, se mudaram para outros países ou voltaram para casa.

O visto e a autorização de residência

Um visto de viagem é um documento que autoriza a entrada em um país estrangeiro. Por isso, ele tem uma duração determinada (que varia conforme o tipo de visto). Então, para seguir vivendo no país após o vencimento do visto, é preciso renová-lo ou obter uma autorização de residência.

A questão é que, para ambos os processos, é preciso quase que começar do zero novamente. Você precisa ter uma justificativa cabível, comprovar que tem meios econômicos para se manter pelo novo período, juntar mais uma série de documentos, pagar uma taxa, remeter tudo isso aos órgãos competentes e esperar, torcendo para que a resolução seja favorável.

Prorrogação de estudos

Ao entrar na Espanha com um visto de estudos, uma das opções de renovação, após o vencimento do visto, é solicitar uma prorrogação de estudos.

Como comentei, para fazer qualquer solicitação, é preciso ter uma justificativa (e comprová-la). Nesse caso, há basicamente duas opções. Uma delas é iniciar um novo curso (passar de um mestrado para um doutorado, por exemplo). Outra é no caso dos estudos que você está cursando naturalmente durarem mais que o visto inicial.

Continuar estudando é uma das hipóteses do que fazer após o vencimento do visto
Continuar os estudos é uma das possibilidades legais para renovar a estadia na Espanha

Minha primeira tentativa de estender minha estadia por aqui foi exatamente essa segunda opção, apesar de que não era bem verdade que meu curso durava mais. O que acontecia é que as aulas acabavam em novembro, mas os procedimentos formais para encerramento do curso iam até fevereiro. Resultado: minha justificativa não colou e a solicitação foi negada.

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Voluntariado

Para solicitar a prorrogação de estudos, há um período bem definido: desde os 30 dias anteriores ao vencimento do visto até os 90 dias posteriores. Ou seja, até 3 meses depois do visto vencer, sua estadia na Espanha ainda não é considerada ilegal.

Sabendo disso, uma amiga minha do mestrado aproveitou esse tempo para fazer uma espécie de voluntariado de viagens. (Você já conhece plataformas como Worldpackers ou Workaway?) Ou seja, em troca do trabalho temporário em um hostel ou hotel ela ganhava a hospedagem e uma ou mais refeições.

Vale dizer que, como não se trata de um voluntariado formal (em uma ONG), não existe um visto específico para isso. E as plataformas não se responsabilizam pela sua entrada no país nem pelas passagens.

Permissão para buscar emprego

Eu sabia que minha tentativa de prorrogar os estudos era mais um jeitinho brasileiro do que uma justificativa aceitável. Por isso, antes mesmo de ter uma resposta, eu comecei a pesquisar outras alternativas. Afinal, o tempo estava passando e perder o prazo para fazer outra solicitação não era uma opção.

Foi aí que eu descobri que existe uma autorização de residência que dá permissão para passar um tempo buscando emprego. Detalhe: essa autorização só é válida para estrangeiros que fizeram algum curso de nível superior na Espanha.

“Maravilha, essa é minha chance”, foi o que pensei.

Tentativa 2: “fail”

Meses depois, recebi o resultado: solicitação negada. Dizer que fiquei triste é pouco. O que eu sentia era uma mescla de tristeza, indignação, frustração, desilusão e até um pouco de raiva.

Mas tudo isso se voltou contra mim mesma quando vi a justificativa para a negação: o mestrado que eu fiz não era oficial, mas sim um mestrado próprio. E eu nem sabia que existia essa diferença. Se você também não sabe, corre lá na coluna Serviços públicos da Espanha.

Processos que eu não tentei (e porque)

Entre as opções que encontrei para permanecer e poder morar na Espanha após o vencimento do visto, acabei deixando algumas passarem. Te conto quais e porquê:

  • Autorização de residência para profissional altamente qualificado: é válido para gestores que dirigem uma grande equipe e para trabalhadores técnicos muito especializados. Como freelancer e mestre em jornalismo, eu não sou considerada nem gestora nem altamente especializada;
  • Visto de empreendedor: para quem quer montar uma empresa que se ajuste ao interesse da economia espanhola. É preciso ter um plano de negócio que demonstre que serão criados empregos e oportunidades de investimento, além de patentes ou cartas de recomendação. Meu plano de negócio é ser autônoma (sem empregados nem investimentos). Então, também não colava;
  • Visto de investidor: para quem investe mais de 500 mil euros em imóveis na Espanha. Você tem esse dinheiro? Eu confesso que não tenho.

Circunstâncias excepcionais

A palavra em espanhol arraigo vem do verbo arraigar (fixar raízes). Por meio de um arraigo, é possível conseguir uma autorização de residência e de trabalho.

Mas isso só acontece em circunstâncias excepcionais e como eu não me encontrava em nenhuma delas, também não tentei esses processos:

  • Arraigo familiar: para quem é pai/mãe de um(a) filho(a) espanhol(a) ou para quem é filho(a) de pais originalmente espanhóis. Esse foi o caso de outra amiga minha do mestrado, filha de espanhóis. Deu super certo para ela;
  • Arraigo laboral: para quem já vive legalmente há pelo menos 2 anos na Espanha e tenha trabalhado pelo menos 6 meses durante esse período;
  • Arraigo social: para quem já vive legalmente na Espanha há pelo menos 3 anos, tenha um contrato de trabalho de pelo menos 1 ano e tenha vínculos familiares com outro estrangeiro residente no país.

União estável ou casamento

Todas essas opções que eu comentei até agora para permanecer na Espanha após o vencimento do visto, eu descobri pesquisando e consultando vários advogados. Mas sabe o que esses profissionais me diziam antes de qualquer coisa?

– Você não conhece nenhum espanhol com quem você possa casar?

Apesar de ser a primeira pergunta que me fizeram todos os advogados que consultei, eu não achava que essa deveria ser minha primeira opção.

Uma história de amor real

É verdade que, mesmo sem ter essa intenção, eu mal cheguei na Espanha e já comecei a namorar. (Descubra essa história na coluna Compartilhar apartamento na Espanha.) Mas se namorar já não estava nos meus planos, imagina, então, casar.

Só que a vida costuma interpretar nossos planos à sua própria maneira. Para minha surpresa, veio o namorado, a decisão de morar juntos, as várias tentativas de renovar meu visto ou conseguir uma autorização de residência. (Fora! Na trave! Fail!)

Depois, veio também a pandemia, a convivência intensa durante a quarentena e, finalmente, a decisão de oficializar-nos como pareja de hecho (a união estável brasileira).

Assinatura de uma união estável após o vencimento do visto
Assinar uma união estável com meu companheiro foi a solução para o meu caso

O processo e o resultado

Cada Comunidade Autônoma (CA) tem diferentes requisitos para oficializar uma união estável. Normalmente, é necessário comprovar que o casal já mora junto há determinados anos (a quantidade varia por CA). Podem exigir testemunhas, empadronamiento conjunto e/ou fazer entrevistas com o casal.

A união estável ou casamento com um(a) espanhol(a) ou cidadão(ã) da União Europeia permite registrar-se como cidadão comunitário. Com essa autorização de residência de longa duração também é permitido trabalhar por aqui.

Mudança para outros países

Além de tudo que eu tentei (e não tentei) para transformar minha estadia em residência, existem também outras possibilidades. Quer ver um exemplo bem diferente, ousado e interessante?

Confere a história da Gi:

Ela era repórter do SBT e veio fazer o mestrado em jornalismo de viagens junto comigo. Acabando o curso, ela também tentou pedir a prorrogação de estudos e tinha que ficar aqui esperando a resposta do processo. Mas como estava com saudade dos pais, pediu também uma autorização de regresso (para voltar à Espanha depois sem problemas) e foi visitá-los. Chegou no Brasil e – bum! – pandemia.

Com isso, ela acabou perdendo a validade da autorização de regresso. Mas não desistiu. Decidiu tentar uma bolsa para estudar romeno (lembrando que a Romênia é parte da União Europeia desde 2007) e ganhou.

Resultado: conseguiu voltar para a Europa no início deste ano e, como ela é influencer de viagens, está o tempo inteiro passeando pelo Velho Continente. Desde então, já passou temporadas na Espanha umas três vezes.

“De volta pra casa”

Voltar para o Brasil após uma temporada vivendo no exterior nem sempre é bem visto. E não me refiro à opinião dos outros. O próprio viajante pode sentir a sensação de tempo desperdiçado ou até de fracasso. Mas eu acho que não é bem assim.

Ok, ok, eu queria ficar por aqui e consegui. Isso pode até representar uma vitória por um lado, mas não em todos os aspectos. Eu continuo na luta por aqui: para ter ganhos mais regulares, para ser mais reconhecida, para vencer as saudades do Brasil…

Além disso, conheço muita gente que voltou para casa após o vencimento do visto, por opção própria, inclusive. Considero uma alternativa muito válida. Você vive novas experiências pelo mundo, acumula mais bagagem cultural e volta com uma nova visão, para iniciar uma nova etapa.

Pode até ser mais valorizado em seu país de origem após essa experiência. Mais valorizado, inclusive, do que aqui, onde nós, brasileiros, seguimos sendo (e sentindo-nos tantas vezes) estrangeiros.

Para ler histórias de outros brasileiros que também decidiram morar fora do país e compartilham suas jornadas, conheça o ebook O sonho de viver na Europa, editado pela equipe do Euro Dicas.