Muitas pessoas me perguntam como foi o processo de mudar sozinha para Portugal. Então, resolvi escrever um relato pessoal contando meus principais desafios, como foi minha adaptação no país e o processo de amizades.

Mudar sozinha para Portugal
Índice Mudar sozinha para Portugal: é fácil? Principais desafios de mudar para Portugal sozinha Mas também tem vantagens Como se integrar e procurar apoio quando se chega sozinha no país E os contatinhos, como funcionam? Portugal é seguro para mudar sozinha?

Mudar sozinha para Portugal: é fácil?

Mudar sozinha para Portugal não foi um processo fácil e continua sendo muito difícil em alguns momentos. Afinal, ter alguém como ponto de apoio é sempre muito bom. Deixa eu explicar um pouquinho sobre como ocorreu essa mudança.

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Desde adolescente sentia a necessidade de sair do Brasil para explorar outros lugares. Quando comecei a trabalhar, acabei suprindo esse desejo viajando pela América Latina e como não tinha amigos que animavam viajar comigo, seja por falta de dinheiro ou por incompatibilidade de férias do trabalho, acabava viajando sozinha.

Isso me permitiu descobrir uma Lívia que eu nem mesmo conhecia. Passei a valorizar e curtir a minha própria companhia, a perder a timidez de puxar conversa com pessoas desconhecidas, de me sentar no bar ou ir para a balada sozinha. A verdade é que quando me despi dessa timidez, tive a certeza de que não estou inteiramente sozinha. Existem várias pessoas na mesma situação e que estão sempre dispostas a estender a mão para você. Quantas amizades incríveis já fiz por aí!

Estudar como passaporte de saída do Brasil

Quando resolvi que iria mudar para outro país, andei pesquisando qual seria a melhor maneira de fazer isso e ao ler bastante, percebi que mudar com o objetivo de estudar seria mais fácil.

Confesso que morar em Portugal nunca foi a minha primeira opção. Primeiramente, olhei a possibilidade de ir para a Argentina ou Chile. Depois comecei a ver possibilidades de morar na Espanha, onde apliquei (sem sucesso) para bolsas de estudo. Resolvi abrir o leque para Portugal e me deparei com o mestrado que me interessava na Universidade do Porto. Me inscrevi e cá estou há quase três anos.

Foi fácil? Claro que não.

Porém, também não é fácil quando fazemos a mudança com outra pessoa ou família. O planejamento é essencial para todos que desejam sair do Brasil, principalmente o planejamento financeiro.

A burocracia para obter o visto de residência em Portugal vai ser a mesma para todos. O importante é ter um objetivo. Não basta querer mudar por mudar ou para fugir do caos que o Brasil vive. O meu objetivo foi o mestrado e ele foi cumprido com sucesso!

Mas é possível?

Sim. É possível mudar sozinha para Portugal e assim como eu, existem várias pessoas na mesma situação.

Nesses quase três anos morando no Porto, conheci tantas pessoas que mudaram sozinhas e a maioria não se arrepende. Aliás, muitas pessoas que eu conheço que não se adaptaram em Portugal e resolveram retornar para o Brasil ou seguir para outro país, são pessoas que vieram com a família ou em casal.

Confesso que não sei se tem uma explicação, mas me colocando no lugar dessas pessoas, acredito que seria muito mais cômodo no sentido de “a gente se basta” e, com isso, acabam se acomodando com a situação e não se integrando muito bem no país e na comunidade que os recebe. Porém, é só uma suposição. Não quer dizer que se aplica para todos.

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Menina com a bandeira de Portugal

Principais desafios de mudar para Portugal sozinha

Para mim, foram vários os desafios de mudar para Portugal sozinha e os quais compartilho com vocês:

Perda do meu avô

Após três meses morando em Portugal, eu recebi a notícia de que meu avô havia falecido. Nesse momento, ainda não tinha feito amizades sólidas que pudessem me dar um apoio, um abraço e um ombro para chorar.

Talvez tenha sido o momento em que mais me senti desamparada e completamente sozinha. Fiquei muito mal por dias, chorava sem parar, não comia direito e me tranquei no quarto por quase uma semana para tentar absorver toda a dor da partida e por não ter dado um último abraço.

Lidar com a perda de pessoas queridas é sempre difícil, mas estar longe da família nesse momento tão delicado foi extremamente complicado para mim.

Fazer amizades

Fazer amizades pode ser complicado para muitas pessoas, principalmente aquelas que são tímidas. Minha sorte foi estar no mestrado, o que me permitiu conhecer muitas pessoas legais, mas amizade mesmo foram poucas que nasceram dali.

Conheci e continuo conhecendo muitas pessoas saindo para tomar uma cerveja sozinha, anunciando em grupos de Facebook um encontro com pessoas na mesma situação que eu, em festas (antes da pandemia). Os amigos dos amigos também acabam se aproximando bastante.

Ser uma pessoa caseira

Esse ainda é um grande desafio para mim. Eu sempre amei a vida noturna e ficar em casa nos finais de semana parecia uma coisa inadmissível.

No entanto, acabei por aprender a ser uma pessoa mais caseira e a trocar a balada por um filme. O primeiro motivo dessa mudança é que o orçamento financeiro não permite tamanha agitação todo final de semana.

Eu sou do tipo de pessoa que não tem limite. Se é para sair que seja para aproveitar como se não houvesse o amanhã. O segundo motivo é que os meus melhores amigos aqui no Porto têm um perfil bem diferente nesse sentido. Todos tem limite, sempre voltam cedo para a casa e nunca estão animados para a balada.

Entrar no mercado de trabalho

Acho que esse desafio é para todos e não apenas para que vem morar sozinho. Trabalhar em Portugal (principalmente na sua área) pode ser bem difícil.

No Brasil, trabalhava como produtora de eventos e já tinha uma carreira mais ou menos consolidada. Desde que cheguei no Porto, mandei meu currículo para várias produtoras, fui pessoalmente aos escritórios e festivais para tentar uma vaga e nunca consegui uma recolocação profissional.

No início, isso foi completamente frustrante para mim, que amo trabalhar com eventos. Porém, vida que segue. Encontrei oportunidade no marketing digital e redação de artigos, o que me permitiu voltar a escrever e me reconectar com o jornalismo de alguma maneira.

Administrar o financeiro

No Brasil, eu tinha um salário compatível com a minha carreira e sempre tinha dinheiro para sair, viajar nos feriados e comprar coisas. Morando aqui,  é sempre um desafio administrar o financeiro.

O salário mínimo de Portugal é baixo comparado a outros países e trabalhando como freelancer essa administração precisa ser ainda mais cuidadosa. Afinal, tem mês que tenho um rendimento maior e outros que são bem menores.

Se um cliente resolve suspender o contrato, eu tenho que economizar ao máximo até encontrar outro. Também tenho clientes no Brasil, mas como o euro não para de subir, ou melhor, o Real não para de desvalorizar, transferir o dinheiro do Brasil para Portugal está cada vez mais complicado.

Pandemia

Passar por essa pandemia em Portugal foi e ainda é um enorme desafio. Quem é que não se sentiu impotente e com medo diante desse vírus?

Durante a quarentena em Portugal, pude dividir a casa com uma grande amiga e passamos por isso juntas. Cada uma respeitando o espaço da outra, seja na hora do home-office ou na hora que simplesmente não queremos conversa.

Por outro lado, passamos a cozinhar juntas, a conversar sobre todos os assuntos possíveis, a escutar música e dançar e cantar, a dividir os nossos medos e anseios, a passar perrengue com térmitas (cupim) em casa e muito mais. Nossa amizade se fortaleceu muito em decorrência da pandemia. Ao menos teve um lado positivo.

Agora, viver esse momento maluco longe da família tem sido bem complicado. Eu acabo sofrendo em dobro. Além da preocupação de me manter saudável e “longe” da Covid-19 (se é que isso é possível), ainda tem a preocupação com a família e os amigos que estão no Brasil.

Minha avó, meu pai e meu padastro são do grupo de risco, mas independente disso, nunca sabemos como cada pessoa vai reagir a essa doença. Então, a sensação de preocupação e medo estão sempre rondando na minha cabeça. O mesmo acontece com meus familiares, que acabam tendo esse mesmo sentimento comigo e talvez até mais potencializado, afinal, não tenho nenhum apoio em Portugal para o caso de pegar a Covid-19.

Mas também tem vantagens

Mudar sozinha para Portugal tem seus desafios, mas também tem suas vantagens. Para mim, as principais foram:

Crescimento pessoal

Eu nunca pensei que poderia crescer tanto ao me mudar sozinha para Portugal. Apesar de ser uma pessoa bem independente no Brasil, desde que mudei para Belo Horizonte para fazer a faculdade, eu morava na casa dos meus avós.

Meu avô teve Alzheimer e pude acompanhar de bem de perto a doença tomando conta de sua memória. Então, sempre que pensava em morar sozinha, acabava colocando esse ponto na balança.

De alguma forma, eu ajudava minha avó a cuidar dele e também ficava perto das pessoas que mais amava/amo nesse mundo. Por outro lado, morar em casa de vó é sempre sinônimo de ter uma comida bem gostosa à mesa. Aqui, fui entender uma coisa que minha mãe sempre dizia: “eu amo cozinhar, mas odeio ter a obrigação de fazer isso todos os dias”.

A vida adulta de afazeres da casa parece que chegou só depois da mudança para Portugal. Ir ao mercado, manter a casa sempre limpa, lavar banheiro, cozinhar são apenas as coisas básicas. O principal desafio, foi ter que aprender a conviver com a bagunça e a irresponsabilidade de outras pessoas.

Como divido a casa, às vezes, isso acaba sendo uma tremenda dor de cabeça e um enorme jogo de paciência. Uma vez, um dos meninos que morava comigo quase incendiou o nosso apartamento e por essa situação, espero nunca mais ter que passar.

Claro que o crescimento pessoal não vem apenas das tarefas da casa. Ter que lidar com todos os pontos negativos ao mudar sozinha para Portugal me fez crescer muito nos últimos anos.

Além disso, tive que aprender a lidar com várias outras coisas: correr atrás de toda a documentação para morar em Portugal, entender as leis trabalhistas, aprender a declarar o IRS (imposto de renda), a cuidar de mim mesma quando fico doente, deixar a timidez de lado para fazer novas amizades, me integrar em uma cultura completamente diferente da minha e vários outros pontos.

Segurança

Eu até considerava Belo Horizonte uma cidade muito segura, mas hoje, tenho a certeza de que não é bem assim. Nunca vou me esquecer de duas situações que passei em seis anos morando na capital mineira: um assalto a mão armada no ônibus ao voltar do trabalho e um assalto com uma faca (dessas enormes de açougue) quando estava com meus amigos. E claro, não me arriscaria a andar pelas ruas de madrugada sozinha.

Morando em Portugal fui entender o que realmente é ter segurança. Para mim não existe sensação melhor do que andar pela rua em qualquer hora do dia ou da noite e não ter medo. É muito bom estar parada no sinal ou no ponto de autocarro (ônibus) sem ter que esconder o celular, de voltar para a casa sem ficar olhando para trás para ver se vem alguém estranho, e de sacar dinheiro no caixa eletrônico localizado no meio da rua.

Qualidade de vida

Em Portugal também entendi o significado de qualidade de vida. Esse termo é, na verdade, um mix de vários fatores: educação de qualidade, transporte público que funciona, balanço entre a vida pessoal e profissional, segurança, opções de lazer, acesso à saúde, etc. Hoje, tenho todos esses pontos se relacionando muito bem. Por isso, a cada dia que passa eu admiro essa terrinha cada vez mais.

Livia na beira do Douro
Foto: Livia na beira do Rio Douro/Arquivo pessoal

Amigos que se tornaram minha família

Para muitas pessoas pode ser bem difícil fazer amizades ao mudar sozinha para Portugal, mas quando as amizades surgem elas são muito sólidas. Os amigos acabam se tornando nossa família. Foi o que aconteceu comigo.

Hoje, eu costumo brincar que não tenho amigos e sim, irmãos. Pessoas que quero sempre ao meu lado, que estão aqui para me estender as mãos nos momentos difíceis, que vibram por cada conquista, que comemoram as datas especiais e feriados. E há uma cumplicidade linda nessa família, que nunca briga pela “passas no arroz”. Até “tia Lívia” eu já virei após o nascimento de uma “sobrinha” em Portugal.

Empatia entre os imigrantes

Há muita empatia entre nós. Ser imigrante na Europa ou qualquer outro lugar nunca será fácil. Uma hora ou outra, todos acabam passando por uma situação complicada. O que vejo nos grupos de brasileiros em Portugal é uma comunidade bastante unida.

Lutamos para combater a xenofobia, compramos coisas de pequenos empreendedores brasileiros, apoiamos as pessoas quando acontece alguma situação delicada, promovemos a troca de informações e vivências e, principalmente, aprendemos a não julgar os outros.

Possibilidade de viajar

Pegar um voo baratinho das companhias low-cost e para passar um final de semana em outro país é uma das principais vantagens de morar na Europa. Essa facilidade de ir r vir é simplesmente incrível!

Portugal também é um país lindo para ser descoberto e conta com uma boa rede de comboio (trem) que permite conhecer várias cidades diferentes. Além disso, devido a sua pequena dimensão territorial, alugar um carro e percorrer o país passando pelas aldeias que parecem estar paradas no tempo é muito legal.

Conhecer uma nova cultura

Não venha para cá pensando ser um país luso parecido com o nosso. A única coisa que temos mesmo em comum é a língua portuguesa (e olhe lá!), saiba que as diferenças culturais entre Brasil e Portugal são inúmeras.

No início eu dizia detestar os portugueses e os achavam super grossos. Com o passar do tempo fui conhecendo a cultura, o jeito como eles se tratam e, hoje sou completamente apaixonada. O principal erro que vejo dos brasileiros é o de ficar tentando encaixar os nossos costumes por aqui. Quem faz isso, simplesmente não consegue se adaptar a Portugal e acaba focando e atraindo apenas as coisas negativas.

Parar com as compras desnecessárias e em excesso

Ao tomar a decisão de me mudar para Portugal sozinha, tive que aprender a arte do desapego. Eu não imaginava que isso era possível, mas comecei a praticá-la quando tive que colocar toda a minha mudança em duas malas de 23kg. Daí em diante, foi só vitória!

Com a mudança percebi que não preciso de muitas coisas para viver e ser feliz. Hoje, só compro roupa e sapato quando é mesmo necessário e frequento muitos brechós (coisa que nunca me imaginei fazendo).

Além disso, parei de acumular um armário e uma casa cheia de coisas. Se entra uma peça de roupa nova, retiro uma velha para doação. Aprendi a ser bem mais minimalista e a pensar se realmente preciso daquilo. Isso me faz estar em sintonia com o meio ambiente e entender que a moda pode ser bem mais sustentável.

Como se integrar e procurar apoio quando se chega sozinha no país

Eu acredito que o melhor a se fazer quando se chega sozinha em no país é procurar um quarto para alugar. Dessa maneira você vai compartilhar a casa com outras pessoas e logo fará amizades, também terá pessoas ao seu lado para te apresentar a cidade, sair e até mesmo te apresentar para outras pessoas.

Entrar nos grupos de brasileiros em Portugal também é uma boa. Como falei, existe uma empatia enorme entre a gente. Muitas vezes as pessoas agendam encontros para um passeio no parque, um pôr do sol e outras atividades. Então, pode ser uma boa maneira de começar a criar uma rede de apoio.

Para se integrar no país e com os portugueses, vá aos restaurantes típicos e fuja dos restaurantes turísticos. Frequente os eventos da cidade que escolher morar. Converse com seus vizinhos, com as pessoas do trabalho ou da faculdade.

Nunca tenha vergonha de puxar assunto, mas vá com calma porque os portugueses são bem mais reservados do que nós. Não vá logo pensando que serão melhores amigos e os convidando para um café na sua casa, pois pode soar de maneira estranha para eles.

Confira também o depoimento do Marcos, que contou como foi a experiência de mudar para Portugal com mais de 50 anos.

E os contatinhos, como funcionam?

Não funcionam tão bem como no Brasil, ao menos não para mim. Nos bares e baladas, confesso que sinto muita falta do flerte e da iniciativa dos homens portugueses. Então, tive que aprender a lidar com a tecnologia nesse sentido e com muita relutância aderi aos aplicativos de relacionamento. O Tinder por aqui é outro nível, me surpreendi. No início ficava tirando prints dos matches e mandando para minhas amigas no Brasil, porque senhor, quanta gente bonita!

Como o fluxo de turistas em Portugal é enorme, você acaba flertando com várias nacionalidades. Posso dizer que conheci muita gente legal nesses aplicativos. Alguns de tornaram contatinhos, outro nunca mais vi e outros se tornaram grandes amigos.

Ah! Uma coisa bem característica dos portugueses que conheci (com algumas exceções) é o tal de marcar literalmente um café. Passa o primeiro encontro, o segundo e no terceiro vem um beijo. Isso é uma coisa que estranhei bastante cheguei aqui, afinal, no Brasil uma saída com o contatinho do Tinder é sempre certeira.

Porém, já me acostumei e acho até legal. Tenho um amigo brasileiro que me contou vários casos com as portuguesas e eram todos iguais, mas depois de tantos cafés ele se apaixonou por uma e engatou um namoro.

Portugal é seguro para mudar sozinha?

Sem dúvida é um país seguro para mudar sozinha. Aqui no Porto, eu ando para todos os lados sem medo e em qualquer hora. Claro, que nem tudo são flores, infelizmente há muitos casos de violência doméstica no país. Quanto a isso, cabe a nós mulheres nos apoiarmos e denunciamos o agressor.

Eu faço parte de dois grupos o Facebook que são exclusivos para mulheres que vivem no Porto. Sempre que tem alguma movimentação de gente estranha em algum ponto da cidade, compartilhamos a informação para que todas tenham atenção e cuidado.

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